NA TERRA DO AGRO, QUEM PRODUZ E VENDE ORGANICOS SE VÊ "ESQUECIDO" PELO CONSUMIDOR

Na Praça do Rádio, produtores da feira agroecológica relatam dificuldade de vender

Por Jéssica Fernandes e Clara Farias

No Centro de Campo Grande, a Praça do Rádio virou ponto de resistência para quem tenta ganhar a vida vendendo produtos orgânicos. Das 35 barracas que tinham em 2008 no local, três restaram, 17 anos depois do início do projeto da feira agroecológica.

A Praça do Rádio, em Campo Grande, abriga uma feira agroecológica com apenas três barracas ativas, um resquício das 35 existentes em 2008. Produtores relatam queda significativa no movimento após a pandemia, atribuindo a baixa demanda à falta de conscientização do público sobre os benefícios dos orgânicos e à preferência por compras em mercados convencionais. 

A sazonalidade da produção e a dificuldade em competir com preços e variedade de produtos dos supermercados também são fatores que contribuem para a dificuldade dos produtores em manter o negócio, apesar do seu comprometimento com a produção orgânica e a busca por alternativas como vendas em quitandas e delivery.

A feira agroecológica funciona todas as quartas-feiras, das 6h às 10h, na entrada pela Avenida Afonso Pena. O movimento, segundo produtores que seguem trabalhando no projeto, era melhor até o início da pandemia. Agora, eles voltam para casa com metade da produção em caixas. 

Vanderlei Azambuja Fernandes, de 55 anos, é produtor há 28 anos. Em 2008, ano em que a iniciativa da Prefeitura de Campo Grande teve início, ele era um entre os 35 produtores que apoiaram o projeto. 

Nos três primeiros anos, Vanderlei conta que a feira era lotada, mas o movimento começou a cair ano após ano e os produtores viram que não era viável viajar quilômetros do assentamento ao centro para vender os orgânicos.  

Na visão dele, a venda dos orgânicos é difícil porque Campo Grande não simpatizou com a proposta. “A produção orgânica é muito complicada. O pessoal de Campo Grande não aderiu ao orgânico porque nossa produção é sazonal, ou seja, produzimos o que está na época”, explica.

O empreendedor comenta que o público também não entende a diferença da produção orgânica para a convencional, que ainda utiliza agrotóxicos no cultivo de frutas, legumes e verduras. 

“A pessoa quer vir comprar, levar todos os produtos e não entende que é sazonal. Muitas vezes preferem ir ao mercado e fazer toda feira do que comprar aqui, sendo que aqui é um produto de maior qualidade e sem agrotóxico”, afirma.

Vanderlei, assim como os outros colegas de feira, não consegue vender todos os produtos que leva para a Praça do Rádio. Mesmo com a baixa demanda, os clientes fidelizados que todas as quartas-feiras passam pela praça são os que garantem a venda de um produto ou outro. 

Além dele, a esposa e a filha também trabalham no mesmo ramo, então o negócio é familiar. Apesar da produção orgânica não ser bem-quista na cidade e não ser a preferência do consumidor, ele segue produzindo porque gosta e acredita no que faz.

“Eu gosto, dependo disso aqui, trabalha eu e minha família. Com o apoio da família, ficamos com um pouco mais de força. Se um dia eu parar de trabalhar com o orgânico, vou fazer outra atividade, mas não volto para o convencional”, afirma.

Quando não consegue vender tudo na feira da Praça do Rádio, José Roberto Oliveira, de 64 anos, tenta comercializar na quitanda que mantém em frente à casa ou repassar para o delivery que é cuidado pela filha. Uma terceira alternativa, caso as demais não darem resultado, é usar o que restou no processo de compostagem. 

O produtor relata que o movimento na feira agroecológica é sempre igual às quartas-feiras. “Estamos voltando para casa com metade da produção. Aqui tem mais pessoas das 6h às 8h, depois cai completamente. [...] Dificilmente vem uma pessoa aqui que é cliente novo, os clientes são sempre os mesmos”, diz.

José aponta que falta divulgação da feira e que produtores ficaram "esquecidos". (Foto: Henrique Kawaminami)

Eu acredito que parte da população não tem muito conhecimento e noção da gravidade do agrotóxico. Pós-pandemia, falta divulgação de que ficamos aqui, parece que ficamos esquecidos”, destaca. 

Hoje, na feira, a reportagem encontrou diversos tipos de produtos. Alfaces, tomates cerejas, pimentas, cebolinha, milho, pepino, limão, abobrinha e berinjela eram alguns dos produtos comercializados. 

Mesmo com a variedade, de acordo com Jair Azambuja, de 42 anos, tem consumidor que ainda quer mais. “O pessoal vinha para a feira e queria comprar tudo, mas qual é o problema de ser produtor local? Você trabalha com a sazonalidade, produção de época, aí a pessoa quer comer algo fora de época e não tem”, conta.

Produtor há 25 anos, ele e outros colegas já pensaram em abrir um hortifrúti para poder suprir a demanda, trazendo itens produzidos em outros estados. “A gente até tentou fazer um empório de orgânicos que tivesse a mesma logística de mercado, mas como ficava mais cara, isso acabou inviabilizando”, relata. 

A feira é realizada todas as quartas-feiras, das 6h às 10h, na Praça do Rádio, que fica na Avenida Afonso Pena com a Rua Padre João Crippa. 

Agrotóxicos - Estudo da Anvisa, divulgado em dezembro de 2024, revela que das 3.294 amostras de alimentos de origem vegetal avaliadas, 26,1% apresentaram irregularidades, incluindo resíduos de agrotóxicos acima do limite seguro estabelecido pela agência.

Também foi constatado o uso de pesticidas proibidos no país ou não autorizados para determinados cultivos, como o carbofurano, encontrado em 18 amostras, e o procloraz, presente em duas.

No Estado, em dezembro, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aplicou mais de R$ 2 milhões em multas devido ao uso irregular de agrotóxicos. A ação fez parte da Operação Xapiri, e teve como foco o combate ao manejo inadequado de agrotóxicos.


Campo Grande News

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