O esquecimento é uma forma de negação.

Como um exemplo deste passado criminoso do coentro, temos o caso do judeu convertido Juan Sánchez de Exarca de 1486, condenado a morte por suas práticas ‘’judaizantes’’ após o batismo, como preferir Moises a Jesus e, claro, usar coentro como tempero.
O medo de ser denunciado como possível herege por um vizinho ou desafeto, e acabar sendo preso, torturado e morto por heresia e ‘’falso batismo’’, foi o que apagou o uso de uma erva outrora tão popular na culinária hispânica.

O sociólogo Carlos Alberto Dória explica que o coentro chegou ao Brasil via portugueses. A comida, no país em processo de colonização, seguia o modelo da medicina galênica — no qual a horta de alimentos servia também como farmácia. Dória conta que, diante dessa horta, é impossível saber por que mais gente no Norte e Nordeste do país se tornou adepta da planta do que no Sul e Sudeste — isso porque o coentro pode ser plantado em todo território nacional.
A planta é conhecida na bíblia judaica como gad e kusbar na Mishná.
Na Torá, o coentro é mencionado duas vezes, sendo ambas as vezes comparadas ao maná, em Êxodo 16:31 e em Números 11:7-8. 
Sobre ele, disse o famoso teólogo e médico judeu ibérico do século XII Maimônides: “O coentro entra em todos os pratos (...) porque vai bem com a comida no estômago e não passa depressa antes de ser digerido.’’ Ele era utilizado para a preparação de muitos pratos kosher pelos judeus sefarditas em seus rituais religiosos, o que contribuía ainda mais para a fama de comida de judeu.
A evidência do uso generalizado tanto gastronômico como medicinal da kazbara, coentro em árabe, na Ibéria medieval islâmica está registrada em livros de receitas do século XIII, como do estudioso murciano Ibn Razin al Tujibi, e no Kitāb al-Tabikh, no qual de suas 543 receitas, 112 contêm coentro,m.

O medo do coentro se refletia até mesmo na cultura literária ficcional da época. No clássico do século XVI ‘’La Lozana andaluza’’ de Francisco Delicado, a protagonista Aldonza encontra algumas mulheres convertidas do judaísmo ao catolicismo depois de chegar em Roma, e, querendo saber se ela também era uma ‘’judaizante’’, a perguntam se cozinhava usando coentro. 
A histeria relacionada ao que era gastronomicamente considerado cristão ou judeu-muçulmano na Espanha pós-Reconquista produziu inúmeras mudanças dietéticas no país, como o abandono do coentro e do cuscuz, considerado prato de mouro, e a exaltação febril da carne de porco, proibida pelo judaísmo e islamismo, eternizada na figura do jamón.

Estes traços culinários entretanto foram mais preservados em Portugal, que, apesar de inquisitorial como a Espanha da mesma época, possuía uma abordagem menos sensível a este respeito, onde o uso do coentro foi não só mantido como transmitido a gastronomia de suas colônias, como a do nordeste do Brasil onde a erva predomina gastronomicamente em detrimento da salsa.
Acréscimos e trechos da nossa página.


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