Gastronomia e desigualdades

O antropólogo Lévi-Strauss, em sua obra "Mitológicas", recorreu à cozinha e ao preparo dos alimentos para estudar diversos mitos indígenas, mas, mais do que isso, ele mostrou que os alimentos podem ser utilizados como fonte de pesquisa para quem quer entender um pouco melhor aquilo que nos faz humanos.

Para Lévi-Strauss (1979 e 1986a), a culinária pode ser considerada como um elo de passagem entre e natural e o cultural. 
Através da culinária, a natureza é transformada em cultura. De maneira inversa, o apodrecimento dos alimentos significa um retorno ao estado de natureza (LÉVI-STRAUSS, 1986a).
Para ele, a cozinha baseia-se em ações técnicas, operações simbólicas e rituais. Utilizando o esquema do “Triângulo Culinário” para entender outros mecanismos culturais, o pesquisador francês provou que algo que fazemos de maneira intuitiva muitas vezes esconde segredos que contam muito sobre a essência de ser humano. 


A metáfora do antropólogo franco-belga também serviu para compor o tripé colonial do Brasil: “Feijão, Farinha e Carne Seca” (Ed. Senac SP), construído pela antropóloga Paula Pinto e Silva.
Em sua etnografia pela culinária brasileira, a autora estabeleceu esses três alimentos que permitem formar uma estrutura de oposição, característica da trilogia.

A obra de Lévi-Strauss permanecerá acesa construindo e desconstruindo mitos e edificando tripés culturais. Para os observadores dos modos de comer, sua tese estruturalista servirá de base para refletir sobre a comida e sua relação com a cultura.

Gastronomia e desigualdades 
Os conceitos e suas incongruências

Etimologicamente, a palavra “gastronomia” é derivada do grego antigo γαστήρ, gastḗr, “estômago”, e νόμος, nómos, “leis que governam”, e portanto significa literalmente “a arte ou lei de regular o estômago”.
O termo é propositalmente abrangente: engloba todas as técnicas culinárias, fatos nutricionais, ciência dos alimentos e tudo o que tem a ver com palatabilidade, além de aplicações de paladar e olfato à medida que a ingestão humana de alimentos ocorre.
Apesar disso, o que vemos é que ao longo dos tempos o "conceito" vem sofrendo um desgaste, sendo alterada em seu concurso, focalizando de forma distintiva um lugar de destaque doutrinario ideológico e liberal, potencializando a competição de forma exacerbada com um caráter puramente capitalista.

Se na Culinária tomamos como referência os saberes/fazeres populares e tradicionais, os estudos das simbologia e ritualistica consagradas à cultura alimentar, e com efeito sua sociologia.
A interdisciplinaridade, promove dados que fazem uma verdadeira leitura social. econômica, das práticas cotidianas.

Gastronomia e a Academia

Para o educador pernambucano, o estudante precisa aprender a ler o mundo para poder transformá-lo
Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes.
Segundo o educador “Ninguém luta contra forças que não entende; ninguém transforma o que não conhece (…)” / “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.
Para Paulo Freire, toda educação é política – e não existe neutralidade.
A “educação problematizadora” quer despertar a consciência dos oprimidos, inquietá-los e levá-los à ação (libertação). São, portanto, duas visões antagônicas do papel da educação.


Em contra partida, a gastronomia tem criado, e mantém uma falsa ideia de igualdade de pertencimento, uma forma projetiva que da mesma forma sedutora do espelho, cria uma ilusão de perfeição idílica, que fragmenta a percepção das diferenças sociais, trazidas para um imaginário construido de desejo fetichista e consumo. 

Nesse jogo/imagem, o que vejo é o objeto elaborado, o (sabor=imagem), ou essa atmosfera criada de forma exógena a realidade do indivíduo, passa ser um elemento distintivo, uma projeção de algo só alcançável apartir do "ter=pertencer" deste seleto grupo e de seu imaginário de perfeição, onde poucos tem acesso.
Sem uma reflexão crítica, seremos estimulados e bombardeados cotidiamamente pela comida "instagramavel" neologismo ridículo e pretensioso que define padrões de uma régua hierarquizante, gerando frustrações, ansiedade e culpa.

Claude Lévi-Strauss rompeu com a “superioridade” do europeu e, no contato com o índio brasileiro, demarcou a concepção da igualdade.
Em que consistiu o caráter revolucionário do pensamento de Claude Lévi-Strauss? Digamos que toda a herança do século 19, em matéria de antropologia, etnografia e demais ciências do comportamento humano, convergia para o sentimento de que um pesquisador europeu (de preferência) pudesse postar-se diante de um habitante da floresta brasileira, ou de remotas ilhas do Pacífico, e dizer: “Você é eu ontem”, ou “Eu sou o seu inevitável amanhã”. Ainda que ambos pudessem se olhar, conviver, se tocar, um intransponível fosso temporal os separava: esses dois seres humanos podiam ser muito semelhantes, mas não eram exatamente iguais. Um, o europeu, era o “civilizado”, o adiantado, o homem do presente e do futuro. O outro (sempre “o outro”) era o “selvagem”, o atrasado, o homem do passado e… sem futuro, a menos que se submetesse à linha evolutiva que levou à construção do primeiro.

Lévi-Strauss rompeu com essa linha demarcatória da desigualdade. Partindo da ideia, ou por ela concluindo, de que todos os homens eram substancialmente iguais, isto é, desfrutavam das mesmas capacidades e determinações advindas de sua natureza biológica e mental, toda a humanidade era capaz de desenvolver todo e qualquer tipo de pensamento. Ao contrário do que apregoava a antropologia tradicional, de que o pensamento “selvagem” ou “mítico” era simples e de que o “civilizado” e/ou científico era infinitamente mais complexo, Lévi-Strauss empenhou-se em evidenciar a extraordinária complexidade daquela mente dita “atrasada” e de suas criações, tanto no plano simbólico como no social e organizacional. Ela era meramente diferente da – agora, sim – “outra”, a “civilizada”.

Ambas as mentalidades tinham sido simplesmente postas diante de questões diversas, tiveram de responder e solucionar desafios distintos, e por isso desenvolveram aptidões diferentes. Mas em nada uma é “superior” ou “melhor” que a outra. 
O pensamento da “civilização ocidental” não era a suma ou o sumo do pensamento universal; era bem mais complexo do que muitos, sim, mas era apenas mais um entre outros possíveis. Assim como a humanidade não era o sumo nem o píncaro do universo, mas muito provavelmente desapareceria como espécie muito antes da natureza como um todo.
Seu pensamento inovador tornou-se um marco divisório na antropologia e no conhecimento da humanidade.


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