Em Portugal, Amêndoas artesanais resistem à concorrência dos hipers e às novidades



As amêndoas têm de estar bem secas, misturam-se com açúcar e canela e vão ao lume num tacho em cobre. Mexe-se durante hora e meia e espalham-se numa banca. Derrete-se o chocolate com um pouco de óleo, para dar mais brilho, envolvem-se as amêndoas e, logo que estejam totalmente cobertas, deitam-se numa rede para secar, de preferência de um dia para o outro. É a receita das "amêndoas de sobremesa" da pastelaria Lomar, em Campo de Ourique, uma tradição com 45 anos, tantos quantos os que têm a porta aberta.

Parece fácil, mas não é. É preciso habilidade de pasteleiro, produtos de qualidade e muita paciência, diz quem mete a mão na massa. "O mais complicado é a amêndoa agarrar bem o açúcar, tem que se estar sempre a mexer e durante muito tempo". Explica Adão Pereira, 56 anos, há 38 um dos confeiteiros da casa. Acrescenta: "Eram feitas pela mãe do patrão, a dona Maria, e nós mantemos o fabrico tradicional, em tudo. Não usamos mix, desde o brioche às bolas. O ninho da Páscoa também é um sucesso, o brioche é premiado".

Paulo, o segundo pasteleiro da casa, a finalizar a confeção. As amêndoas são envolvidas em chocolate e estendidas numa rede para secar.
© Carlos Pimentel/Global Imagens

Paulo Faria, 43 anos, há 16 na pastelaria, explica o que quer dizer "usar mix". "São as massas que vêm já preparadas, aqui fazemos tudo de início, usamos farinha, ovos, açúcar, é tudo à moda antiga, cozinhamos em tachos de cobre. É isso que faz a diferença entre o tradicional e o industrial e as pessoas gostarem". São os dois a equipa da pastelaria, dos doces aos salgados, mas a Páscoa é a época dos doces.

As amêndoas são muito apreciadas, mas agora o consumidor tem muito mais locais de venda e tipos para escolher. "Temos as "amêndoas de sobremesa" desde o início, já tiveram mais saída. Vendemos mais outras variedades e, aí, temos a concorrência dos supermercados", explica José Carvalho, 56 anos, que mantém o negócio dos pais.

O Natal é o melhor período no negócio da pastelaria, com uma faturação cinco ou seis vezes superior ao da Semana Santa. Os anos em que venderam mais na Páscoa foi em 1984 e 1985. "Na Sexta-feira Santa fui comprar amêndoas à Nova Lisboa e venderam-se todas até domingo, o mercado era diferente", diz o José. Chegaram a vender 100 kg das "amêndoas de sobremesa", este ano deverá ficar pelos 20 kg.

© (Carlos Pimentel/Global Imagens

A sexta e o sábado anteriores ao domingo de Páscoa eram dias de enchente para a compra de amêndoas, hoje os clientes vão comprando ao logo da semana anterior e de todas as variedades. E há sempre novidades e que esgotam. Este ano são as amêndoas de caramelo com açúcar e as de limão com gengibre. Há também as de limão, de framboesas, com diferentes percentagens de cacau e e muitas outras variedades, além das tradicionais "tipo francês".

Na pastelaria Lomar têm vindo a adaptar-se à concorrência dos hipermercados, que praticam preços inferiores, alguns, até mais baixos do que o que compram na fábrica. Vendem as amêndoas ao quilo, que são as que não concorrem com as grandes superfícies e deixaram de ter muitos ovos de chocolate. Este ano, a meio da semana da Páscoa havia variedades esgotadas. "Há três semanas já não havia amêndoas de caramelo salgado na fábrica, provavelmente, tiveram medo de arriscar tendo em conta o que se passou nos dois últimos dois anos", justifica José Carvalho.

Refere-se à pandemia, com o SARS-CoV-2 a provocar o encerramento dos estabelecimentos durante a Páscoa de 2020. O ano passado funcionaram a meio gás, e este, segundo José, continuam a recuperar. "Este ano está a ser bom, mas ainda não estamos nos valores de 2019, estamo-nos a aproximar". Os aumentos recentes não se refletiram nos preços da pastelaria porque as encomendas são, em regras, feitas em janeiro e fevereiro.

A Nova Lisboa fechou e, atualmente, as fábricas concentram-se no norte do país. O DN contactou três das principais e, apenas, a Imperial fez um balanço desta Páscoa.

Aumentos lesam distribuição

A produção para a Páscoa começa a ser pensada em setembro, com as fábricas a trabalhar a todo o gás até março. Os aumentos do custo dos combustíveis e dos produtos com a guerra na Ucrânia refletiu-se na cadeia de distribuição, explica Manuela Tavares de Sousa, presidente do Conselho de Administração da Imperial. "Influenciou os preços de transportes e os custos de produção, refletindo-se, também, no aumento do valor do produto final para o consumidor. Paralelamente, assistimos a um aumento expressivo no custo de várias matérias-primas, que duplicaram ou quadruplicaram o seu custo, como é o caso do leite, manteiga, açúcar, proteína, maltitol ou lecitina. Um outro aspeto a ter em conta, foi o aumento do custo dos materiais de embalagem, como os rolos de papel filme ou cartolinas".

Ainda assim, recuperaram a quebra de vendas com a pandemia, "e estão, inclusive, em níveis superiores dos apresentados em 2019". O que se deveu sobretudo à aposta de amêndoas com chocolate , onde são líderes há 20 anos, segundo a dirigente.

Lançaram esta Páscoa um sortido de amêndoas de chocolate negro com diferentes teores de cacau. "A campanha de Páscoa é uma das épocas mais importantes para a empresa, à semelhança do Natal. Representa aproximadamente 35% da faturação da Imperial, o Natal representa 30%", explica Manuela Sousa.

É grande a variedade de produtos de chocolate, tem dificuldade em dizer qual é o mais vendido, em Portugal e no estrangeiro. Exportam para 50 mercados, distribuídos pelos cinco continentes.

A pandemia teve impacto nas vendas, o que se sentiu particularmente nos produtos para oferta, mais do que na gama regular. A estratégia foi aumentar a produção de produtos de uso doméstico devido à transferência de consumo para casa. "O reforço da oferta deste tipo de produto permitiu atenuar a quebra das vendas, destacando-se, por exemplo, as do segmento de chocolate para culinária, que registou um crescimento de cerca de 25 %", sublinha Manuela Sousa, acrescentando: "

Durante este período, a Imperial realizou um investimento de três milhões de euros numa nova unidade industrial de tabletes de chocolates, em tecnologia de última geração, que permitiu aumentar a capacidade de produção e responder ao plano de expansão naquele que é o maior segmento do mercado de chocolates a nível mundial".

A cadeia Pingo Doce também já recuperou. "Em 2020, ano em que surgiu a covid-19, houve naturalmente uma diminuição de vendas devido à situação pandémica. Este ano, as vendas de amêndoas cresceram e "está a corresponder às expectativas de crescimento", referem do gabinete de imprensa da Jerónimo Martins.

Apostaram no preço e no alargamento do sortido de amêndoas - maioritariamente de fabrico português - e desenvolveram uma marca própria: amêndoas Pingo Doce crespadas com chocolate negro. Nesta Páscoa, os consumidores têm preferido produtos mais tradicionais, como as amêndoas com cobertura de açúcar e as cobertas com chocolate (seja de leite, branco ou negro).

No Continente, 40% da oferta na Feira da Páscoa corresponde a produtos de doçaria, sendo as amêndoas e chocolates os mais procurados, metade dos quais provêm de fornecedores nacionais.

Entre as novidades, o Continente destaca as cinco novas variedades de folares - folar com "pepitas de chocolate", "frutos secos e fruta confitada", de "coco e goiabada", de "abóbora, coco e nozes" e de "canela". E, depois, todo um sortido de amêndoas, tipo francesa, cobertas, caramelizadas, de chocolate de leite, caramelo e sal, de chocolate branco e framboesa ou chocolate de leite e coco . A novidade é o confeito de pinhão.

Belga, mas só chocolate.

Marcelo tem 5 lojas Leonidas em Lisboa., a do Campo pequeno é a que vende mais© Carlos Pimentel/Global Imagens

"O negócio está a correr muito bem, mesmo durante a pandemia. Na Páscoa de 2020, vendemos ao postigo. Está a correr tão bem que abrimos cinco lojas", conta Marcelo Oliveira na loja do Campo Pequeno, a que vende mais. "É muito central, passa muita gente".

Famosa pelas pralinês, tem toda uma variedade de doces à base de chocolate e que vêm da mesma fábrica, em Bruxelas. Sejam vendidas em Bruxelas, em Lisboa ou qualquer outra cidade do globo, a diferença está no preço devido ao custos dos transportes - mais 58,6 % em Portugal - ainda assim, há um ano que não sobem os valores.

Na Páscoa, os bombons tomam formato de ovos, coelhinhos e de amêndoas. Estas, em chocolate negro, branco e caramelizadas, esgotaram em muitas lojas antes de chegarem os dias festivos.

"Os ovinhos são muito conhecidos na marca, os recheios são inspirados nos bombons de chocolate belga, as pralinês. Também tem uma tradição muito forte em amêndoas, fazemos três qualidades, tiveram tanto êxito que já não tenho para venda", diz Marcelo.

A Páscoa é um dos períodos festivos com mais vendas nestas lojas, só suplantado pelo Natal. Vendem no tempo pascal o dobro do resto do ano; em dezembro, o triplo. Em geral, as pessoas compram mais no inverno do que no verão.

Um dos bombons de inspiração dos ovinhos é o "manon café", o primeiro feito por Leonidas e que lhe valeu o primeiro prémio num concurso de doçaria na Bélgica. Era grego e conheceu aí a mulher com quem viria a casar-se, acabando por ficar. Abriu a primeira loja em 1913, hoje, a marca está em mais de 50 países.


​​​​​​ceuneves@dn.pt



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