Plantas, Ervas, Folhas- A Arte de Amansar o Senhor.

As plantas alimentícias na Bahia, fazem parte de um universo cultural complexo, dinâmico, e que está enraizado na cultura, na memória coletiva, que só reforçam, a necessidade de mais pesquisas e aprofundamento, tanto da academia, como dos espaços de conhecimento popular, sob o prejuízo de qualquer relativização, encubra à manutenção de preconceitos.

Entendendo num conceito mais ampliado de "plantas alimentícias" estamos falamos aqui de raízes, sementes, cascas, ervas , muitos destes elementos fizeram, e fazem parte do sistema alimentar introduzido na Bahia, por povos africanos escravizados, o que já pesa sobre muitos deles, um naturalizado estigma.

O consumo de muitas destas plantas, que hoje, revisitamos com (Panc), são utilizadas a séculos pelos povos negros e indígenas, na confecção das mais diversas comidas, que infelizmente hoje, se restringem a determinados locais, onde sua importância ainda se faz presente.
Mas não só na comida, estes elementos ficarm consagrados, a fitoterapia, o uso em banhos e sacrifícios votivos, poções mágicas e beberagens, a arte da defumação, compõem uma estrutura mítica de poder, onde raizeiros, benzedeiras, quituteiras, são atores de um universo de invisibilidades, frente, às estratégias de sobrevivência num mundo hostil, que contam muito sobre nossa formação social. 
A estratificação social no Brasil, consegui produzir neste caso, um fato inusitado, transformar alimentos em questão de classe.

Amací O banho de Folhas

"Neste processo colaborativo, as plantas desempenham um papel essencial, que se refere ao preparo e à elaboração para a co-ontogênese característica do fazer-se médium.
Este processo se evidencia principalmente no emaranhamento médium-orixá através do ritual de amaci, uma espécie de banho destinado à lavagem exclusiva da cabeça dos médiuns. Uso aqui o termo ingoldiano ‘emaranhar’ (Ingold, 2012) justamente para indicar uma espécie de enlaçamento entre humano e divindade, em que não há sobreposição, mas sim aberturas e continuidades de um ao outro. Como já indicavam Bastide (2001)Amaral (2009)Serra (2002) e tantos outros etnógrafos atentos à formação dos sujeitos nas religiões afro-brasileiras, o ‘fazer o santo’ ou ‘fazer a cabeça’ não é tanto o ato de fazer (elaborar) os deuses, mas antes acena ao encontro e engajamento entre humano e divindade, que se elaboram mutuamente."

A Arte de Amansar o Senhor.

Na Bahia oitocentista, houve muita perseguição aos Candomblés, as práticas religiosas afro-brasileiras não eram expressamente proibidas pela legislação à época, tampouco eram inseridas na categoria de direito, a despeito dos dispositivos constitucionais.
Na tradições das religiões de afro-brasileiras, as folhas, sempre ocuparam lugar de destaque como um elemento simbólico e essencial para a consagração do culto.
Não obstante, em muitos casos, o uso de determinadas folhas, foi estigmatizado, como se estivessem ligadas à "feitiçaria", por praticas perseguidas de forma enérgica, e reprimida com força policial.

Uma fonte bem embasada e rica de detalhes, é o livro do Domingos Sodré, um sacerdote africano, do historiador João Reis.

O livro se propõe a fazer um exercício de micro-história, pois toma como fio condutor da análise a vida de um africano liberto que viveu na Bahia do século XIX, e a partir da biografia desse ex-escravo que se tornou uma importante figura entre a população africana da cidade, desse sacerdote preso por ser acusado de práticas religiosas heréticas e diabólicas, o autor traça um amplo panorama das intrincadas relações sociais, das relações de poder, das atividades econômicas e culturais vivenciadas pelos libertos, por essa parte da população que, vivendo nas fímbrias do sistema escravista, sendo resultado dele, mas em muitos aspectos a ele se opondo, é pouco levada em conta quando se trata de contar a história da escravidão brasileira.

O uso de ervas, plantas como a Erva Moira(Solanum nigrum) a Taioba(Xanthosoma sagittifolium) a Raiz de Pipi(Petiveria alliacea L.), o Tajá Selvagem(Colocasia antiquorum Schott)
 Esponjeira(Vachellia farnesiana)
o Estramônio(Datura stramonium), o Mulungu(Erythrina Speciosa), Mentrasto(ageratum conyzoidesPetiveria (alliaceae L.), eram empregadas pelos antigos escravos do Brasil no preparo de uma poção mágica, visava debilitar seus augoses, em sua defesas, frente ao arbítrio, e a violência impostos por seus Senhores, plantas narcotizantes, irritantes e paralisantes.

Os escravos conheciam o efeito tóxico dessas planta e chamavam-na de "amansa-senhor".
O amansamento de senhores, chegou a fazer parte do que a professora Flora Süssekind, chamou de "imaginário do medo".

Uma curiosa citação do livro, sobre o estudo do livro de Joaquim Manoel de Macedo, Vítimas-Augozes, em que Macedo informa sobre a morte de um senhor envenenado por "Pai Raiol-O feiticeiro", sobre o temor das práticas, segundo o autor, termo, "amansar senhor", cunhado pelos próprios escravos.
Em que pese, a utilização de ervas não se restringia , em todo mundo Luso-Atlantico, os escravos lançaram mão de diferentes meios, para alcançar o mesmo objetivo.

Pai Raiol, segundo descrição de Macedo:
"Negro herbolário, o botânico prático que conhece as propriedades e a ação infalível das raízes, folhas e frutos"

A trajetória do liberto, do papai Domingos Sodré, que provavelmente nasceu em Onim ou Lagos, na atual Nigéria, por volta do ano de 1797, que morreu em 1887, com estimados noventa anos de idade, que deve ter desembarcado na Bahia, como escravo, entre os anos de 1815 e 1820, até por sua longevidade, por ter atravessado quase todo o século e por ter transitado entre as condições de escravo e de homem livre, permite pensá-lo como um sujeito encruzilhada, sujeito que foi se constituindo e se transformando à medida que transitava por distintos territórios sociais e culturais, que elaborou e vestiu distintas máscaras identitárias, que encarnou distintos lugares de sujeito, que entrou em conflito e teve de negociar com distintas forças e personagens sociais, que conviveu, fez parte e recorreu a distintas instituições sociais, tanto formais como informais, que fez parte tanto do mundo dos pretos, da cidade negra, quanto dos brancos, da cidade oficialmente dita branca e aristocrática.
Através de sua vida, João Reis tentou acompanhar as pistas que levam àpresença e àprática do candomblé, na Bahia do século XIX, bem como dar conta da dura repressão que ele sofria, em dados momentos, por parte das autoridades policiais e judiciais, e como, ao mesmo tempo, essas práticas conseguiam resistir e sobreviver por terem, muitas vezes, o apoio de membros das elites e até mesmo das próprias autoridades que deviam combatê-las.
A resistência cotidiana às imposições da sociedade escravocrata, afirmou um processo de resistência manifesta, pela manutenção das práticas religiosas, e fez com que os cultos de origem africana sobrevivessem à diáspora, se reinventassem no Brasil como cultos afro-brasileiros e se perpetuassem até os dias atuais.


Dados
Título: Domingos Sodre: Um Sacerdote Africano - Escravidao, Liberdade E Candomble Na Bahia No Seculo Xix - 1ªed.(2008)

ISBN: 9788535912869

Idioma: Português

Encadernação: Brochura

Formato: 14 x 21

Páginas: 461

Ano copyright: 2008

Ano de edição: 2008

Edição: 1ª

Participantes
Autor: Joao Jose Reis


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