Farofas: Receita ou técnica? Apontamentos sobre uma comida em trânsito.

Na concepção cosmologica e no pensamento dos povos originários, existe um coexistência de práticas, de trocas de saberes coletivos, que sedimentam relações, e que aportaram e aportam hibridizaçoēs, que nos impedem de estabelecer objetivamente, onde e quando, deram-se às contribuição de um, ou outros povos, baseadas na oralidade,  diferentemente da pespectiva epstemica ocidental, baseada na produção de bens distintivos, que necessita cientificamente orientar limites "racionais" para serem creditados, acho exagerada afirmação difundida sobre as Origens da Farofa.

Chamo a Farofa de "comida de trânsito", "comida que viaja" por seu caráter de passagem, de alimento que dialoga inter-culturalmente e inter-etnicamente, de "estar entre", uma comida que é também um mediador cultural rompe com padrões de homogeneização, desmontando a ideia de "comida de pobre", além claro, da diversidade, por isso tão contemporânea.

Uma coisa é a afirmação incontestavel das origens Indígenas da farinha, outra muito diferente, é como a Farofa se construiu historicamente até chegar aos nossos dias, sendo parte da mesa dos mais diversos brasileiros.

•A farofa nós remete a tradições populares e intuitivas dos povos tradicionais, da "cozinha de trempe", de "improviso que deu certo", aberta e sem padrões estabelecidos, são a base da nossa cultura alimentar, híbrida, e afetiva, onde todos participam, com seus gostos particulares e ingredientes a que lhes atribuem maior valor nutricional, cor, cheiros e sabor, comida da lida, de facil preparo, acessível,  que se permite misturar com uma grande diversidade de outros ingredientes, nesse sentido criar e difundir, se somam, torna-se uma forma de resistência contra o apagamento cultural.

•Aspectos importantes devem ser observados, no que diz respeito à como entendemos a farofa, muito mais, que uma receita com um padrão constituído , é antes de tudo, uma técnica jenuinamente brasileira, um método adaptativo, que permite muitas variações, tanto nutricionais, como de sabor e textura, e todo o crédito reputado à esse especial alimento, deve ser entendido pela forma com que Darcy Ribeiro costumava descrever a inteligência e a sagacidade do povo brasileiro, frente as desventuras do Brasil.

•Foram também essas adaptações e hibridizaçoēs culturais, que forçaram os atuais profissionais da saúde e nutrição, a rever sua visão negativa em relação à mandioca, muitos a consideram um alimento pobre e limitado nutricionalmente, ...e "por muitas vezes os alimentos dos trópicos eram degustados com reticências, sobretudo por sua qualidade simbólica, que encerrava identidades étnicas indígenas reveladas nas práticas rituais como parte das suas cosmologia."

•Outro fator a ser observado, é sua durabilidade e adaptabilidade, a farinha foi alimentação essencial no tráfico de escravos, serviu como alimentação da escravaria, foi a base alimentar dos troupeiros, bandeirantes, tocadores de bois, e tantos outros que se aventuravam Brasil a fora, por ser um alimento seco, facil de acondicionar, propiciando o processe de mistura, onde o contato da farinha, com à carne seca, com o feijão, foi se transformando em farofa, em matulas, na Jacuba do sertanejo, no lombo de burros, na cangalha de carga.

O CONSUMO TRANSATLÂNTICO DA FARINHA DE MANDIOCA

A produção e o consumo da farinha de mandioca não envolviam apenas índios, negros e brancos na América portuguesa.


•Chamo a atenção sobre as particularidades regionalidades, elas são bons exemplos de uma cultura específica, mas, se restringem à um grupo muito limitado de conhecedores, não tendo a capacidade de tornar-se sem nenhum demérito, conhecida como é o caso de Farofa do Casco, mencionada pelos pesquisadores como sendo sua origem.

Diz o texto dos referidos historiadores, sobre o que eles imaginam o que teria acontecido ou o "mito fundador da Farofa:

"Para conseguir um alimento mais saboroso e, intuitivamente, mais nutritivo, um tupi-guarani jogou farinha de mandioca no casco (carapaça) ainda quente da tartaruga assada que havia esvaziado ao comer sua carne. Estava inventado o prato. A receita existe até hoje e, obviamente, sua preparação é condenada pelos protetores da vida selvagem. Denomina-se farofa do casco e inclusive mereceu um verbete do mestre do folclore e da etnografia Luís da Câmara Cascudo, no “Dicionário do Folclore Brasileiro” (Global Editora, São Paulo, 2001)."

Ao longo do século XX, historiadores europeus das trocas comerciais e da alimentação ignoraram solenemente a mandioca e sua importância nos circuitos transatlânticos, mesmo quando reconhecida.

"A farinha de mandioca foi destacada pela rusticidade, e seus inventores foram definidos como índios selvagens, Fernand Braudel foi um deles, ao destacar a seleção e a domesticação do trigo, do arroz e do milho como base alimentar de grandes civilizações, excluindo o sorgo africano e a mandioca da América do Sul da categoria de “plantas de civilização”, posto que vinham de sociedades classificadas por ele e sua cultura como “primitivas” (Panegassi, 2009, p.396)."

"Uma coisa interessante que notamos nessas plagas foi o enorme
consumo de pimenta às refeições. A tal ponto que, mesmo para o Brasil, se pode considerar exagerado. Além de ser cada prato fortemente apimentado, considera-se essencial, na mesa, uma infusão desse frutinho, com“fogo” suficiente para consumir qualquer paladar desabituado. Usa-se muito a farinha de mandioca preparada com gordura, pimenta e vinagre, ao que chamam farofa"

O pesquisador Ney Lopes, compartinha com Câmara Cascudo que o nome, poderia ter surgido de "Falofia" que teria vindo do quimbundo, língua falada pelos bantos, em alguns lugares da África como Angola, essa “farofa é idêntica à que comemos no Brasil”, como observou Câmara Cascudo (em Made in África) (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), explica como isso aconteceu. 

Os africanos chamavam-na falofa, palavra que vinha de kuvala ofa, que significa parir (preparar) morto (frio), até porque existiam receitas que não iam ao fogo.

Em princípios do século XVI, quando os portugueses começaram a sequestrar negros nos atuais territórios de Angola, Benin, Guiné, Moçambique, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Senegal, para escravizar no Brasil, eles introduziram naquelas regiões a mandioca e sua farinha.

Já no século XIX, muitos Afro-brasileiros retornaram à Africa, levando hábitos e preparações tipicamente brasileiras como a Farofa.

 "Esses africanos e descendentes de africanos, tendo vivido noBrasil, principalmente na Bahia, voltaram para a África comcostumes, hábitos, modos de vida que tinham adquirido emterra estrangeira aos quais se tinham ligado para sempre (...).Eles levaram para a África o gosto pela farinha de mandioca,pela goiabada, pelas comidas brasileiras, pelos hábitos brasi-leiros. Perpetuaram na África devoções como a do Senhor do Bonfim e festas, com danças e cantos, muito brasileiras, já mestiçadas (apud VERGER, 2002, PG.632)"

Suas populações já dispunham de um tipo de farofa preparadas com milheto, grão nativo do continente africano, importante na agricultura de subsistência, com a chegada da mandioca brasileira, houve uma substituição da farinha de sorgo por outra, de mandioca, além de mais saborosa, era uma planta fácil de cultivar, resistente às adversidades climáticas, de alto valor energético e baixo teor de proteína.

Portanto, foram os negros desembarcados no Brasil que batizaram o prato indígena. Antenor Nascentes, autor do “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa” (Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1932) e de várias obras fundamentais sobre nossa língua, informava que os livros lusitanos começaram a citá-la tardiamente, em torno da primeira metade do século XIX. Antônio Houaiss, no livro “Magia da Cozinha Brasileira” (Editora Primor, Rio de Janeiro, 1979), que escreveu e Alain Draeger fotografou, divide a farofa em três grupos.

No primeiro, amolece-se a farinha de mandioca na água. Pode ser quente ou fria, mais ou menos pastosa ou seca, com tempero refogado ou não. É a farofa d’água, ainda conhecida por farofa de bolão. A outra chama-se farofa de manteiga, ingrediente que pode ser substituído por outra gordura animal, azeite ou óleo de dendê. A terceira é a farofa de molho. Como as demais, tem nome explícito.

Segundo Houaiss, incorpora o molho de fundo, “cuja quantidade, por ser excessiva, pode ser aproveitada”. A seguir, dá a receita: “Para cada quantidade do molho na frigideira, juntam-se, mexendo bem, duas a quatro (….) de farinha de mandioca”. As três técnicas comportam um número ilimitado de variações. Houaiss chegou a essa conclusão depois de ir à casa de um amigo e provar um elenco de 83 modalidades de farofa. “(…) difícil era saber qual a melhor”, sentenciou ele.

O senso comum criou intimidade com a farofa que lhe deu sentidos fora da mesa. Um deles é seu uso em frases curtas que têm a finalidade de provocar reflexão ou humor. Exemplos: por fora muita farofa, por dentro só molambo (indivíduo fraco); restaurante que vende farofa, não pode ligar o ventilador de teto; estar morto com farofa (sentir-se esgotado, exaurido, fatigado); você é a farofa que faltava no meu feijão. 

Os brasileiros ainda atribuem ao popularíssimo prato diferentes acepções semânticas. Farofa pode ser conversa fiada, fanfarrice, jactância; coisa sem importância ou valor; pessoa que promete uma coisa e não realiza, deixando-a no papo; bajular, puxar muito o saco de alguém; terminar em farofa é acabar em nada. 

No Nordeste há outro significado. Farofa designa o evento que reúne muitas pessoas e para o qual cada um leva alguma coisa.


https://www.scielo.br/j/rbh/a/ZCM7CZ5hBFdC6GQyG7h4sqv/

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