Receitas para o amor, por Aracy e João Guimarães Rosa

Pouco sabemos sobre os prazeres da mesa na vida e obra de Guimarães Rosa.

Muito menos quem foi essa grande mulher que o acompanhou por três longas décadas, e que segundo o escritor, foi modelo de coragem e posicionamento diante das injustiças do regime nazista, na segunda guerra.


Pouco conhecidas são a vida e a obra de Guimarães Rosa à Mesa, mas isso é o que menos importa, diante da grandeza de caráter de Aracy, e pelo seu trabalho em Hamburgo.

Em 1982 Aracy de Carvalho Guimarães Rosa foi incluída entre os quase 22 mil nomes que estão no Jardim dos Justos, no Museu do Holocausto, em Jerusalém.

Aracy ajudou a conceder inúmeros vistos aos judeus, ignorando as instruções em contrário impostas pelo governo de Getúlio Vargas.
Aracy colocava os documentos entre a papelada para que o cônsul pudesse assinar os vistos.
Assim, conseguiu os passaportes sem o J em vermelho dos judeus.
E não fez só isso. Forjava atestados de residência para poder atender judeus das cidades onde os diplomatas eram menos prestativos.
Chegou mesmo a transportar um judeu até a fronteira, só escapando por conta da placa do carro consular. Visitava judeus para levar mantimentos. Guardava seus bens a fim de repatriá-los para fora do país, evitando que fossem roubados pelos nazistas.

Guimarães Rosa teve, com Aracy, um modelo de coragem e posicionamento diante das injustiças, ajudando a moldar seu ideal de diplomacia. Ao falar sobre suas ações em Hamburgo, dizia que como “homem do sertão” não podia presenciar injustiças.

Aracy de Carvalho Guimarães Rosa é lembrada, como “O Anjo de Hamburgo”, por ter ajudado na fuga de judeus para o Brasil durante a Alemanha nazista.

Guimarães Rosa teve, com Aracy, um modelo de coragem e posicionamento diante das injustiças, ajudando a moldar seu ideal de diplomacia. 

Ao falar sobre suas ações em Hamburgo, dizia que como “homem do sertão” não podia presenciar injustiças.
As preferências à mesa dos Rosa revelam a presença da culinária alemã e da culinária mineira habitando o seio do casal.
De um lado, Aracy tinha o prato alemão Gulasch como seu predileto. De outro, Guimarães Rosa preferia os pratos simples, “comida típica que mineiro gosta”: frango com quiabo e tutu de feijão!

A leitura dos cadernos de receita culinária pôde revelar a formação do gosto de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa.

A vida familiar parecia marcada, a um só tempo, pela tradição das cozinhas alemã e brasileira. Isso tudo não é de espantar.

O gosto culinário parecia determinado pela história de família e migração, nos lugares de origem e destino. Verdade que o gosto de Aracy pela cozinha alemã pode ser melhor compreendido pela sua origem familiar alemã, pela educação ginasial na Suíça e pelo trabalho no consulado brasileiro em Hamburgo. 

Assim, lemos nas anotações de 1942:

Serás tudo para mim: mulher, amante, amiga e companheira. Sim, querida, hás de ajudar-me a escrever os nossos livros. Tu mesma não sabes o que vales. Eu sei. Serás, além de inspiradora, uma colaboradora valiosa, apesar ou talvez mesmo por não teres pretensões de “literata pedante”.

(ROSA apud MINÉ; CAVALCANTE, 2008, p. 426).

Verdade também que o gosto pela cozinha brasileira se deve ao fato de ela ter nascido e vivido boa parte de sua vida no Brasil. Ainda, o gosto gastronômico parecia determinado por um fator de distinção social. Tudo se passa como se os cadernos de cozinha brasileira estivessem com os olhos voltados para o estrangeiro, pois a gastronomia francesa estava em voga. Mas não é só isso. As receitas prediletas de Aracy revelam o gosto pela culinária cosmopolita ao privilegiar o prato alemão Gulasch.
Enquanto os pratos favoritos de Guimarães Rosa dão mostras de uma culinária regionalista ao destacar os mineiríssimos frango com quiabo e tutu de feijão.

Escrever o próprio caderno de cozinha significa recolher receitas de familiares e amigos muito queridos.

Este é o caso de “Margarethe Levy”, que  Aracy a salvou da morte, iniciando-se um forte laço de amizade. Sem filhos para apoiá-la, foi o carinho da família Tess que amparou “Dona Margarida” na velhice.

Analisando os cadernos de receita de Aracy Carvalho Guimarães Rosa, Tânia Biazoli, nos faz adentrar à sala dos Rosa, trazendo detalhes sobre a vida e a intimidade culinária de forma confortável, sem indiscreções, nos convida a conhecer e descobrir um pouco sobre os gostos e sabores do grande escritor e sua companheira de vida.

Confira

TÂNIA BIAZIOLI é psicóloga, mestra e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IP/USP), onde defendeu a tese sobre A quebra entre o passado e o futuro na cozinhacaipira (2018).

Receitas para o amor, por Aracy e João Guimarães Rosa

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