Quebrando coco babaçu, retratos do Nordeste Brasileiro

Do babaçu, nada se perde. Da palha, cestos. Das folhas, o teto das casas. Da casca, carvão. Do caule, adubo. Das amêndoas, óleo, sabão e leite de coco. 

Do mesocarpo, uma farinha altamente nutritiva. “A gente diz que a palmeira é nossa mãe”, resume Francisca Nascimento, coordenadora-geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu. 

O tempo que o cacho com os cocos leva para cair é de exatos 9 meses. E é quando caem que entram em ação as quebradeiras de coco babaçu, grupo de cerca de 300 mil mulheres espalhadas em comunidades camponesas do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará, em uma área de convergência entre o Cerrado, a Caatinga e a Floresta Amazônica, especialmente rica em babaçuais. Há gerações essa tem sido a rotina dessas trabalhadoras: passar o dia coletando os cocos e quebrando-os ao meio para extrair sobretudo suas amêndoas, da qual se produz um dos óleos mais versáteis da natureza.

No entanto, a maior parte dos babaçuais está em grandes fazendas. As quebradeiras estão dispostas a mudar esse quadro. De violências sofridas durante décadas por essas mulheres, e resultado da sua ampla organização, foi criada a Lei Babaçu Livre, implantada pela primeira vez em 1997 no município maranhense de Lago do Junco. Outros municípios seguiram o exemplo e o Tocantins aprovou a lei em nível estadual. Basicamente, ela proíbe a derrubada de palmeiras e garante o acesso e o uso comunitário dos babaçuais por parte das quebradeiras, mesmo se estiverem em terras privadas. São raros, porém, os municípios nos quais a lei é cumprida – além dos esforços em revogá-la por parte de fazendeiros. “Eles estão dizendo que babaçu é praga”, ironiza Francisca.

As cercas foram erguidas nos últimos 40 anos por fazendeiros interessados em usar aquelas terras para a criação de gado e o cultivo de soja e eucalipto, muitas vezes por meio de incentivos públicos. Quanto às palmeiras, ou são derrubadas para a abertura de pastos e lavouras, ou permanecem ali, cercadas e inacessíveis às quebradeiras. “Eles fazem por maldade mesmo”, argumenta Francisca. “Não é porque precisam do babaçu, é porque não querem deixar a área aberta.”


Do babaçu se faz cestos, farinha, teto para as casas, carvão, adubo e óleo, além de sabão e leite de coco. “A palmeira é nossa mãe”, diz Francisca. Foto: Gustavo Ohara

Território das quebradeiras

A luta é antiga. As dificuldades impostas levaram as quebradeiras a se organizar: o MIQCB, rede de cooperativas, associações e comissões dedicada à luta pelo direito das comunidades que extraem o babaçu, tem mais de 20 anos. Desde então, a Lei Babaçu Livre tem sido a principal bandeira das quebradeiras.

De poucos anos pra cá, no entanto, a reivindicação começou a ser outra. Mulheres do Maranhão passaram a participar de uma articulação estadual que reúne indígenas, quilombolas e outros tipos de comunidades camponesas, na Teia de Povos e Comunidades Tradicionais. 

No aprendizado com os outros grupos, perceberam que seu modo de vida, sem um território garantido, permanecerá ameaçado e violentado, suas vidas submissas aos desmandos de fazendeiros.

“Por mais que a gente não falasse assim, mas era esse sentimento de território que fazia a gente dizer: vamos pegar o nosso coco. Usamos estratégias para isso. Uma delas foi a lei que garantia a nossa presença nos babaçuais”, relembra Rosenilde Gregório dos Santos Costa, 55 anos, também integrante do MIQCB. Além da luta pela terra via reforma agrária, outra frente foi a tentativa tímida de demarcação de reservas extrativistas. Até então, havia quatro Resex na zona dos babaçuais, todas criadas em 1992, apenas uma regularizada até hoje – a do Quilombo do Frechal, no Maranhão. Nas outras, os fazendeiros se empenharam em fracionar suas terras, de modo a impedir a desapropriação.

Em 2016, um dos encontros da Teia foi no Centro dos Pretinhos, comunidade de quebradeiras do município de Dom Pedro,no Maranhão, cercada por grandes fazendas. “Lá tem só o espaço das casas”, diz Sheila da Silva Lima, 21 anos. O encontro teve como mote a frase “Não existe babaçu livre com terra presa”. A ideia tem se espalhado pelos outros estados.

Mulheres do Cerrado contra a queda do céu

Ludmila Pereira, especial para o Nonada Jornalismo*

O Cerrado é um dos biomas mais antigos do mundo. Sua formação começou há pelo menos 65 milhões de anos. Não à toa, foi nos Cerrados das Minas Gerais que o fóssil humano mais antigo do Brasil, Luzia, foi encontrado e datado de 12.500 a 13.000 anos A.P (Antes do Presente). E ainda, estamos falando da Savana mais biodiversa do mundo.

O bioma e suas áreas de transição ocupam aproximadamente 36% da área do Brasil, mais de 1/3 do país. É o berço das águas, de onde nascem oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, constituindo a mais importante área de recarga hídrica do país, onde é abrigado dois aquíferos importantes: o Guarani e o Urucuia-Bambuí. 

Todas essas características tornam o Cerrado a casa de mais de 25 milhões de brasileiras e brasileiros, povos do campo e da cidade, Ribeirinhas/os, Quebradeiras de Coco Babaçu, Quilombolas, Indígenas, Ciganas/os/Romani, Veredeiras/os, Geraizeiras/os, Apanhadeiras de flores sempre vivas e comunidades de Fundo e Fecho de Pasto. No entanto, essa sociobiodiversidade, localizada nos brasis centrais, se encontra em ameaça e, muitas vezes, apagada e esquecida dos grandes debates nacionais e internacionais sobre meio ambiente e o avanço das mudanças climáticas. 

“Ser uma quebradeira é ser tudo. A palmeira é como se fosse uma mulher uma mãe de família. Ela é tão comparada a nós que ela produz com nove meses igual a gente, né?”, conta Maria do Socorro Teixeira Lima, que antes de tudo é Quebradeira de Coco, mas também é vice-presidente do Conselho Nacional das populações extrativistas da Amazônia, coordenadora geral da associação Regional de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papaguaio (Tocantins) e coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) no Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins.

“É uma dor tremenda que ela [palmeira] sente quando o povo derruba. A gente sabe contar essa dor. E essas Palmeiras, elas conversam com a gente. Elas conversam com a gente quando a gente tá no mato, no silêncio, só quebrando o coco, elas contam história e nós interpretamos as histórias. E a gente sente na nossa alma quando derruba, por isso, a gente fala na violência contra as mulheres, contra a natureza, contra a água, contra a floresta e contra a terra”, pontua. A liderança destaca a perversidade do desmatamento no Cerrado e o quanto isso vai de encontro ao modo de vida passado de geração a geração e ao respeito a quem fornece o sustento da comunidade: as palmeiras.

Já Celenita Gualberto, do Quilombo Lajeado (TO), enfatiza: “a falta da alegria do povo negro, a falta do estimulo aos espaços de oralidade, que as pessoas sentam com tranquilidade para ensinar e para fazer, que as pessoas senta para fortalecer a nossa espiritualidade, para cultuar as nossas crenças, os nossos Deuses, tem cada vez mais acontecido menos. Porque a gente tem dedicado muito tempo à luta. Uma luta que não cessa, que é perene e que nós só estamos nela por ter demanda, porque não é escolha, é uma necessidade”

Segundo o veredito final do Tribunal internacional Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado, o Cerrado e seus povos se localizam na chamada “zona de sacrifício do agronegócio brasileiro”. Nessa zona de sacrifício, segundo os resultados da Coleção 2 do MapBiomas Fogo (2023), os campos e savanas, típicos no Cerrado, foram os tipos de vegetação nativa que mais queimaram, entre 1985 e 2022. 

O Cerrado e a Amazônia juntos concentraram cerca de 86% da área queimada pelo menos uma vez no Brasil em 38 anos. E nesse período, 40% do Cerrado foi queimado, o equivalente a área de três estados de São Paulo. De toda área do Cerrado atingida pelo fogo, 88% foi vegetação nativa, de milhares de anos de formação.

De acordo com os dados de Conflitos no Campo envolvendo o uso criminoso do fogo, de 2019 até 2022, sistematizados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc – CPT) e analisados a partir das formulações da Articulação Agro é Fogo, quando se observa a distribuição geográfica dos incêndios criminosos e conflitos por terra no Brasil, o Cerrado predomina com 39% das ocorrências, seguido da Amazônia, com 28%.

Todavia, se somarmos as áreas de Cerrado com suas zonas de transição, nelas estão quase 56% de todos os conflitos desse tipo, afetando mais de 60 mil famílias entre 2019 e 2021, o que diz respeito também a ato de expulsar as pessoas do campo, ameaçá-las, destruir seus roçados e casas. Ainda segundo a Articulação Agro é Fogo, os incêndios criminosos são causados por ações humanas, o que contradiz o discurso de que o “Cerrado pega fogo sozinho”, e os focos saem das áreas de estabelecimento do agronegócio.

“Nós vamos gritar para proteger o território Cerrado”

Quem fica no território e forma linha de frente contra as ameaças do agronegócio, principalmente na luta dos povos e comunidades tradicionais, são as mulheres. Elas são gestoras da comunidade, da família, sabedoras das histórias e dos modos de ser e fazer, além de estarem mais presentes no território enquanto os homens trabalham fora.

“Violentar o Cerrado é violentar o corpo-território das mulheres”, como enfatiza a Articulação de Mulheres do Cerrado. São elas que ficam mais sobrecarregadas pelas preocupações que os impactos que acabam com a autonomia, soberania e segurança alimentar, prejudicam a saúde física e psicológica e destroem as práticas medicinais.

“As mulheres, as crianças, ficam doentes porque eles envenenam a nascente de água e as crianças bebem essa água, dá diarreia, até morrem, e as mulheres que ficam grávidas, elas perdem filhos, sabe?”, relata a MC Anarandà, que se apresenta primeiro como mãe, depois como mulher indígena do povo Guarani-Kaiowá, do estado do Mato Grosso do Sul. Também é artista, rapper, professora de Guarani, estudante de gestão ambiental, digital influencer e palestrante. Apesar de ser artista desde de 2014, se tornou conhecida pelo Rap Feminicídio e por letras que denunciam a violência contra as mulheres indígenas da região, ato que fez com que ela recebesse muitas ameaças contra a sua vida. 

Reportagem Mulheres do Cerrado contra a queda do céu Nonada

Ludmila Pereira, especial para o Nonada Jornalismo* 4 de setembro de 2023

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