PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS Uma forma de vida


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📝 Um forma de vida

Atenco, um município cuja história está relacionada ao dessecamento dos corpos d'água do centro do México, é hoje um lugar onde os cuidados com a água, o cultivo da terra e a vida estão interligados em todas as suas dimensões. Este texto faz um tour por algumas práticas agroecológicas adotadas nessa região, na companhia da organização camponesa Frente Popular em Defesa da Terra (FPDT).


Amanhece. Chegamos ao centro de San Salvador Atenco, no nordeste do estado do México, para nos reunir com César del Valle, líder da Frente Popular em Defesa da Terra (FPDT). Trata-se de uma organização camponesa criada há 20 anos para proteger a terra da desapropriação impulsionada pelo projeto de um aeroporto e pela construção de uma série de obras complementares. Ao longo do dia vamos descobrir quais são os elos entre essa longa luta, a soberania alimentar e as crises socioambientais da Cidade do México, vizinha desse município. Falaremos também sobre como as práticas agroecológicas transformaram os campos comunais da área em modelos para a defesa integral da vida.   

O QUINTAL DA CASA é a ORIGEm e o DESTINO

Estacionamos em frente à casa dos pais de César, Ignacio e Trinidad, que são pioneiros desse movimento social e generosos anfitriões. Entramos e em seguida passamos para o quintal, onde César nos espera. A chapa está esquentando enquanto a mesa para o café da manhã é posta.


O quintal abre-se para o céu que começa pouco a pouco a clarear. No centro há uma estufa onde crescem hortaliças e são guardadas as sementes que se adaptaram às condições desse solo ao longo de várias colheitas. Há um cercado com galinhas que oferecem ovos para aliviar o jejum e algumas cabras leiteiras. Há também um canteiro onde crescem ervas medicinais para curar os corpos (verbena, muículo, lavanda e arruda) e algumas árvores frutíferas (limões, cidras e ameixas). Há alguns montes de terra onde a compostagem quente está vibrando com formas microscópicas de vida. 

Os hóspedes e um grupo de normalistas que vêm de Hidalgo carregam as jarras, os copos e travessas com guisados. Nesse espaço se desdobra um microcosmo do campo que lá fora se expande ao longo de vários municípios: céu, terra, fungos, bactérias, plantas, animais e vidas humanas se entrelaçam em relações de reciprocidade.

César coloca em nossa mão um punhado de sementes: milho roxo, rabanete, tomate, alface, cenoura. Estas sementes, diz ele, serão plantadas, cuidadas, nutridas e colhidas, sendo a base do sustento de sua comunidade. Observamos como a produção de alimentos nessa região se orienta pela escala dos quintais, das lavouras e da distância entre um povoado e outro. Aqui a terra não é trabalhada para atender às demandas dos grandes mercados localizados a centenas de quilômetros de distância. As práticas agroecológicas que queremos aprender, diz ele, não têm tanto a ver com a produção agrícola baseada em insumos biológicos e a associação de culturas, que surgem como alternativa à monocultura e ao uso de agrotóxicos nas lavouras. Essas práticas, diz ele, podem ter altos custos de energia equiparáveis aos do agronegócio, se forem entendidas como mera produção.


Ao contrário disso vêm sendo testadas, em Atenco e em outras regiões do México – ainda poucas –, formas de cultivo da terra que têm como foco um território específico que está ligado à vida em todas as suas dimensões: uma terra com características específicas, comunidades, necessidades alimentares, condições alimentares únicas e conflitos próprios que precisam ser enfrentados.


Com o estômago e o coração cheios de energia saímos da casa e avançamos campo adentro.

O MUTIRÃO NA LAGOA XALAPANGO: A CIDADE TRANSBORDA PARA O CAMPO

O ar começa a aquecer à medida que o sol se eleva. Quando nos afastamos de San Salvador Atenco, as lavouras comunais começam a aparecer em ambos os lados da estrada. Os pés de milho sobem até três metros de altura. Eles se tocam, dobram, balançam ao vento. Os rios foram conduzidos por uma série de canais de concreto e agora correm paralelamente à estrada. Avançando pelos campos, vislumbramos uma parede de concreto armado que corta as zonas de inundação do território lacustre de Texcoco.


Esse muro é a cerca perimetral do projeto do Novo Aeroporto Internacional do México (NAIM), cancelado em 2018 após uma consulta pública que marcou um dos primeiros atos políticos do atual presidente do México, Andrés Manuel López Obrador. A estrutura desenha um horizonte rígido e interrompe o trânsito de carros que, como o nosso, tentam se mover no leito de um lago que foi declarado extinto há décadas.

Constatamos em nosso trajeto que esse lago existe sim, ainda que de um outro modo, e resiste graças à ação dos povos de suas margens: César nos lembra que Atenco, em nauatle, significa “à beira da água”.

Apesar do cancelamento, diz César, o projeto do aeroporto (em suas múltiplas versões e ao longo de duas décadas) deixou uma marca profunda no território lacustre de Texcoco. Esse território não envolve apenas o solo côncavo onde antes se formava um enorme espelho d'água, mas também todo o sistema hídrico e as ecologias que tornam este tipo de formação possível: as montanhas, as encostas, as margens férteis e todos os seres que as habitam. Esse lago também é fundamental para sustentar os modos de vida nessa região e na cidade que está emaranhada com ela.

   

O muro, as placas asfaltadas e as estruturas dos terminais e pistas agora dificultam o aparecimento de corpos d'água sazonais que correm desde Tepetlaoxtoc, na bacia superior, e passam pelo leito dos rios Papalotla, Xalapango ou Coxcacoaco. Essas águas carregam minerais depositados no fundo dos leitos dos rios para nutrir os campos e assentar-se em lagos, lagoas e pântanos. Corpos lacustres como o Texcoco Norte, Xalapango ou o pântano de San Juan geram um microclima que permite que os modos de vida camponeses persistam. 

Ao mesmo tempo, suas águas mitigam a poluição do vento e abrigam muitas espécies de aves, animais aquáticos e plantas.

Essas lagoas, no entanto, são persistentemente drenadas pelo estado de Hidalgo, para não inundarem as ruínas dessas infraestruturas abandonadas.


A cidade, através do aeroporto e de outros projetos que trazem diferentes formas de especulação imobiliária, desapropriação de terras, exploração de água e extração de pedras – vale ressaltar que na região de Texcoco foram registradas mais de 60 minas, que deixaram abertos buracos de até 50 metros de profundidade nos cumes dos morros —, transbordou para o campo como uma espécie de “mancha de óleo”. As infraestruturas de drenagem dos rios ampliam esse dano ao dificultar a continuidade das lagoas necessárias. Nos perguntamos o que aconteceria se, ao contrário, o campo transbordasse para a cidade.


Chegamos à lagoa Xalapango, onde outros membros da FPDT nos esperam para realizar um mutirão. Essas ações coletivas que reúnem comunidades dos povoados de Atenco, Nexquipayac e Tepetlaoxtoc buscam recuperar os corpos hídricos na parte baixa da bacia para restaurar a vida nos campos e ecossistemas lacustres que precisam de suas águas. Encheremos sacos de terra que serão empilhados um sobre o outro. Isso formará uma represa, cujo objetivo é reter as formações lacustres e direcionar seus excessos para outros canais que, por sua vez, permanecerão na região.


Juntando-nos a essa ação coletiva de encher, amarrar, mover e transportar o peso da terra em nossas costas, entendemos que a soberania alimentar vai além dos trajetos entre as lavouras e a mesa, envolvendo múltiplos territórios, fluxos e vidas. 

Descobrimos que irrigar campos e manter neles a umidade adequada para que os modelos de plantio agroecológico prosperem não é uma tarefa fácil. Também entendemos que tanto o campo quanto a cidade não são propriamente lugares, mas sim diferentes tipos de relação – que às vezes se sobrepõem – entre um território e determinadas condições de vida.

o SoLO ESTÁ VIVO nA LAVOURA

A tarde começa a cair. Muito perto da lagoa fica a lavoura da família Del Valle, onde as sementes de milho roxo que tivemos em nossa mão já são plantas maduras. As espigas mostram seus grãos por sob as folhas. Caminhamos entre os sulcos tomando cuidado para não pisar na forragem de capim




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