Coletivo de mulheres campesinas integra apicultura e agrofloresta no Vale do Paraíba



Por Inaê Guion, Traduzido por Débora Santos

• Agricultoras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil estão adotando a apicultura e a agrofloresta em terras que antes eram improdutivas, desgastadas por pesticidas e fertilizantes.

  • O movimento busca retificar a desigualdade fundiária ajudando as famílias a ocupar, assentar e cultivar terras em todo o país.

  • Em dois assentamentos do Vale do Paraíba, em São Paulo, mulheres estão liderando o processo de integrar a apicultura a técnicas baseadas na agricultura orgânica e regenerativa.

  • Nos últimos cinco anos, desde que começaram a cuidar da terra, as novas apicultoras relatam melhorias na qualidade do solo, redução da erosão e maior diversidade de pássaros e abelhas nativas.

VALE DO PARAÍBA — Sob o ar gelado da manhã na Serra da Mantiqueira, as abelhas começam a deixar a colmeia. “Ao raiar do dia elas ficam mais tranquilas”, diz Mara Galvão, agricultora e apicultora que faz parte do assentamento rural de reforma agrária Nova Esperança, no Vale do Paraíba paulista.

Aninhado entre as montanhas que conectam os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o Vale do Paraíba abriga cerca de meia dúzia dos mais de 500 assentamentos de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) espalhados pelo Brasil. Um dos maiores movimentos sociais do mundo, o MST causa controvérsia entre políticos e opinião pública por sua estrutura ideológica inspirada no marxismo e métodos de de ocupação de terra.

O movimento busca ajudar as famílias campesinas a ocupar, se estabelecer e cultivar em todo o país com base na promessa da Constituição de 1988 de que a terra deve “servir a um propósito social”. No Brasil, a persistente desigualdade de terras serviu de estímulo ao MST — cerca de 10% das maiores fazendas no país ocupam quase três quartos das terras agrícolas.

Até agora, o movimento liderou mais de 2.500 ocupações de terras, com cerca de 37 mil famílias assentadas em 7,5 milhões de hectares de terra espalhados pelo país.

Nas últimas décadas, o MST abraçou a soberania alimentar associada ao ambientalismo, o que se traduz no uso cada vez maior de práticas agrícolas sustentáveis por parte dos produtores rurais, especialmente a agroecologia, como chave para sua estratégia. E para as pessoas que vivem nos assentamentos Nova Esperança e Egídio Brunetto, nos municípios de Lagoinha e São José dos Campos, ambos em São Paulo, essa estratégia também inclui a apicultura em sistema agroflorestal.

“Trabalhar com apicultura como parceira na agroecologia, você dá um requinte, dá um toque de sofisticação pela nobreza dos derivados apícolas e organização dos apiários”, conta Mara Galvão. “Multiplicar essa técnica nos dá também a certeza da perpetuação das espécies.”

A aprendizagem coletiva está no cerne dos assentamentos de reforma agrária espalhados pelo país. Para aumentar a formação social, política e técnica dos seus integrantes para o manejo agroecológico da terra, o MST realiza eventos locais, regionais e nacionais com a presença de cientistas, profissionais do governo e membros da comunidade. Por meio dessas trocas, as mulheres locais fortalecem seu papel na economia da comunidade.

Mara Galvão, liderança local do MST, mora com seus três filhos em um pequeno sítio onde cria abelhas ao lado das suas plantações de milho, feijão, mandioca, amendoim e árvores frutíferas nativas como o cambuci (Campomanesia phaea) em um sistema agroflorestal.

As abelhas são consideradas os polinizadores mais importantes do mundo, e estudos mostram que integrar as populações do inseto a práticas agrícolas melhora o rendimento das culturas e a renda das famílias e ainda preserva a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. O uso de sistemas agroflorestais com espécies nativas — como a aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolia), o araçá-rosa (Psidium gadoianum) e a palmeira juçara (Euterpe edulis), ameaçada de extinção —, além de um mosaico de culturas como milho, mandioca, feijão, quiabo, pimenta, laranja e ervas medicinais em variedades crioulas, são técnicas que as famílias têm aplicado para aumentar a diversidade e melhorar a fertilidade do solo. Famílias da região do Alto Jequitinhonha, na região Nordeste, resistiram à agricultura industrial preservando dezenas dessas variedades tradicionais de sementes através das gerações.

“O papel ecológico das abelhas é fundamental não só na produção agrícola, mas para o ecossistema como um todo”, enfatiza Andrea Sendoda, especialista em meio ambiente e integrante de um programa técnico da Secretaria de Agricultura de São Paulo.

Como muitos outros assentamentos da reforma agrária, as famílias começam em terrenos desgastados pela monocultura, inférteis, improdutivos e extremamente dependentes dos fertilizantes e defensivos aos quais se adaptaram. Sendoda é responsável por orientar as comunidades sobre os protocolos de transição das práticas convencionais para as orgânicas e agroecológicas. Para as famíia de Egidio Brunetto, esta transição requer abelhas-europeias (Apis mellifera).

São 55 lotes de terras familiares do Assentamento Agroecológico Egídio Brunetto. Todas as famílias aplicam técnicas e práticas agroecológicas no manejo da terra, que inclui diversos sistemas agroflorestais. As colmeias estão espalhadas pelos terrenos. Cada família tem até cinco caixas de abelhas.

“Muitas práticas são heranças de comunidades tradicionais, dos povos indígenas, quilombolas e precisam ser adaptadas ao contexto local”, diz Marília Gaia, professora de Educação no Campo e Reforma Agrária da Universidade Federal de Santa Catarina.

Daniela Ferreira, que integra o coletivo de apicultura, também notou melhorias na qualidade do solo, fertilidade, maior armazenamento de água, redução da erosão do solo e maior diversidade de pássaros e polinizadores (incluindo abelhas nativas) desde que começou a cuidar da terra há cerca de cinco anos.

A venda de produtos apícolas é a principal fonte de renda de Mara Galvão. Ela produz e comercializa cerca de 30 kg de mel por mês, o que gera uma renda de aproximadamente 1.200 reais. Os produtos apícolas têm alto potencial de mercado e, mesmo em pequena escala, promovem aumento da renda e maior participação feminina nas decisões do orçamento familiar.

Com o objetivo de compartilhar conhecimento e oferecer possibilidade de renda adicional aos agricultores familiares de Egídio Brunetto, Mara esteve entre os integrantes do MST que ministraram cursos de apicultura na Escola de Agroecologia Ana Primavesi, instalada no assentamento. Ensinando sobre transferência de colônias, captura de rainhas, colheita e transporte de colmeias, ela ajudou a lançar o coletivo de apicultura, atualmente formado por oito famílias e liderado por mulheres.

“É sem dúvida a maior fonte de renda de uma mulher”, diz Ana Câmara, integrante do coletivo apícola de Egídio Brunetto. “É totalmente diferente se é a mulher que está fazendo um trabalho e o dinheiro vem dela. Ela consegue fazer outro tipo de planejamento com a renda que vem de uma atividade que é só dela.”

Ferreira concorda: “O coletivo traz para as mulheres conhecimento e autonomia financeira, além de nos aproximar dos antigos modos de produção cooperativistas.”

Fonte Mongabay

Citação:

Garibaldi, L. A., Steffan-Dewenter, I., Winfree, R., Aizen, M. A., Bommarco, R., Cunningham, S. A., … Klein, A. M. (2013). Wild pollinators enhance fruit set of crops regardless of honey bee abundance. Science, 339(6127), 1608-1611. doi:10.1126/science.1230200

Imagem do banner: Alda prepara ramos de alecrim silvestre (Baccharis dracunculifolia) para usar como espanador para afastar as abelhas durante o manuseio. Planta essencial para as abelhas, o alecrim também tem grande capacidade de regeneração e pode ser utilizado com sucesso na recuperação de áreas degradadas. Foto: Inaê Guion

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