A AREPA: UMA HERANÇA CULINÁRIA QUE NASCEU MUITO ALÉM DAS FRONTEIRAS

A rivalidade vibrante entre Colômbia e Venezuela pela arepa — um pão de milho simples, porém icônico — gerou debates, memes e até estratégias políticas. Mas por trás das provocações modernas, há uma verdade mais profunda: a história da arepa começa não com nações, mas com as mãos ancestrais dos povos indígenas. É uma narrativa que transcende fronteiras, enraizada em um tempo muito anterior à conquista europeia ou ao conceito de "posse" sobre a cultura.  

Raízes Indígenas: Um Alimento Pré-Colombiano

Séculos antes das naus espanholas chegarem às costas sul-americanas, comunidades indígenas já moldavam o ancestral da arepa moderna. Sua origem remonta aos povos originários das atuais Venezuela e Colômbia, incluindo os Cumanagoto, Timoto-Cuicas e Muisca. A própria palavra *arepa* vem de *erepa*, termo da língua cumanagoto que significa "milho", refletindo sua ligação profunda com o noroeste venezuelano.  

Evidências arqueológicas sugerem que o milho já era cultivado há mais de 3.000 anos, transformado em massa com ferramentas de pedra e cozido em grelhas de argila chamadas *aripos*. Essas versões ancestrais eram simples: sem fermento, redondas e versáteis, servindo tanto como alimento quanto como oferenda ritualística. Diferente das recheadas de hoje, as arepas pré-coloniais eram consumidas puras ou acompanhadas de ingredientes locais, como peixe, feijão ou abacate — um testemunho de seu papel como base da dieta indígena.  

Encontros Coloniais e Evolução

A conquista espanhola trouxe novos ingredientes — como carne bovina, suína e queijo —, transformando a arepa em uma tela para fusões culinárias. Mesmo assim, sua essência permaneceu: um símbolo de resistência. Embora os colonizadores tenham documentado a arepa no século XV, não a inventaram; apenas encontraram uma tradição já entranhada na vida dos povos originários.  

Com o tempo, surgiram diferenças regionais. Na Colômbia, as arepas ficaram mais finas e crocantes, geralmente servidas como acompanhamento, com variações como a *arepa de choclo* (milho doce) ou a *arepa boyacense* (recheada com queijo). Na Venezuela, tornaram-se mais espessas e macias, evoluindo para um "bolso" recheado com ingredientes como carne desfiada (*carne mechada*) ou feijão-preto (*caraotas*). Essas divergências não refletem rivalidade, mas a adaptação natural de uma herança compartilhada aos sabores e territórios locais.  

Além das Fronteiras: A Arepa como Ponte Cultural

A disputa moderna pela "posse" da arepa parece irônica diante de sua história. O prato sobreviveu à colonização, migrações e globalização justamente porque não pertence a uma única nação. A diáspora venezuelana, impulsionada por crises recentes, espalhou *areperias* pelo mundo, enquanto a Colômbia cravou sua versão na cultura pop global (como nas arepas animadas de *Encanto*). Mas ambas as nações devem suas versões à mesma inovação indígena.  

Como bem disse o chef venezuelano Diego Mendoza, "a arepa deveria pertencer ao mundo". Sua adaptabilidade — seja recheada com queijo Gouda holandês em Roterdã ou servida com *bandeja paisa* na Colômbia — prova seu apelo universal. Até nas Ilhas Canárias, influenciadas por séculos de migração, há uma versão própria: as *arepas canarias*. 

Um Prato que Desafia Divisões

A jornada da arepa reflete a história das Américas: moldada pela criatividade indígena, transformada pela colonização e reinventada por quem a celebra. Discutir seu "verdadeiro" lar ignora sua essência como símbolo de uma herança compartilhada. O reconhecimento da UNESCO, as estratégias políticas ou as brigas nas redes não apagam suas raízes pré-coloniais.  

No fim, a arepa é mais que comida — é um arquivo vivo de resistência e fusão. Seja nas ruas de Bogotá, em um food truck em Caracas ou na cozinha de alguém no sertão nordestino, ela carrega o legado de povos que dominaram o milho há milênios. Que a saboreemos não como um troféu, mas como um lembrete de que a cultura floresce quando transcende fronteiras.  

*Fome de mais?* Descubra projetos culinários no Nordeste que resgatam receitas ancestrais, como a tapioca ou o beiju, ou experimente fazer sua própria arepa com milho artesanal. E não deixe de celebrar a riqueza da culinária nordestina, onde, assim como a arepa, cada prato — do baião de dois ao acarajé — conta uma história de resistência e sabor. 🌽✨  

*Dica nordestina:* Troque o milho pela mandioca e mergulhe no universo do *cuscuz* ou do *bolo de rolo* — porque, aqui, cada mordida também é uma viagem no tempo!


Créditos: *Colômbia e Venezuela têm um problema difícil de resolver: os dois países afirmam ser “donos” das arepas* - Xataka - https://www.xataka.com.br/diversos/colombia-e-venezuela-tem-um-problema-dificil-resolver-os-dois-paises-afirmam-ser-donos-das-arepas


@elcocineroloko

📣 Conheça nossas páginas:

Facebook: @elcocineroloko

Instagram: @charoth10





Comentários

Postagens mais visitadas