A IMPORTÂNCIA DE MANOEL QUERINO NA PRESERVAÇÃO DA CULINÁRIA POPULAR NA BAHIA
Manoel Querino, intelectual negro baiano atuante no final do século XIX e início do XX, destacou-se por sua defesa da valorização dos saberes populares e das contribuições dos africanos e seus descendentes na formação da sociedade brasileira.
Em um contexto marcado por teorias racistas e eurocêntricas que negavam a inteligência e a capacidade criadora dos negros, Querino construiu um pensamento contra-hegemônico, no qual os ofícios manuais, as artes e a culinária apareciam como expressões legítimas de saber e civilização.
Sua valorização do trabalho artesanal e da experiência prática dos trabalhadores negros urbanos dialoga com a visão positivista de progresso por meio da ordem, da disciplina e da educação técnica. Ao afirmar a centralidade dos ofícios na organização social e na construção da identidade nacional, Querino antecipa reflexões que viriam a ser desenvolvidas por Émile Durkheim, especialmente no que diz respeito à função social do trabalho e à importância da divisão de tarefas para a coesão social.
Durkheim, em A Divisão do Trabalho Social (1893), argumenta que a complexificação das funções na sociedade moderna gera interdependência entre os indivíduos, o que fundamenta uma nova forma de solidariedade – a solidariedade orgânica. Embora atuasse fora do campo acadêmico europeu e sem pretensões teóricas sistemáticas, Querino, ao registrar e valorizar os ofícios como formas de organização coletiva, como espaços de transmissão de valores morais e de inserção social, aproxima-se da perspectiva durkheimiana de que os grupos profissionais possuem um papel regulador e ético fundamental para a estabilidade social.
Apesar de sua originalidade, algumas de suas ideias dialogam com aspectos do positivismo e com a visão sociológica de Émile Durkheim, sobretudo na valorização dos ofícios como fundamento da ordem e da coesão social.
Ele escreveu sobre várias áreas da cultura afro-brasileira, incluindo a arte, o trabalho e a culinária.
Querino não usava diretamente o termo "descolonização", mas ao valorizar a culinária baiana, que tem raízes profundas nas tradições africanas, ele efetivamente participou de um processo de ressignificação da cultura negra.
O eminente antropólogo baiano via a culinária como um aspecto fundamental da cultura popular baiana e brasileira, com forte influência dos africanos escravizados e seus descendentes.
Ao defender a importância desses elementos, Querino ajudava a contestar a visão eurocêntrica dominante e a revalorizar a contribuição africana, o que pode ser visto como uma forma de resistência cultural e de "descolonização" no sentido de recuperar e destacar a importância das tradições africanas.
Ao destacar a culinária baiana, Manoel Querino, de certa forma, contribuiu para processos que hoje entendemos como descolonizadores, ao reafirmar a importância de aspectos da cultura negra na formação da identidade brasileira.
Acho importante ressaltar que Manoel Querino via a culinária como um Ofício, regime corporativo (unidades de produção artesanal, baseadas no princípio da hierarquia: mestres, oficiais e aprendizes) e isso era parte de sua visão mais ampla sobre o papel dos africanos e seus descendentes na construção da sociedade brasileira.
Traçamos um paralelo entre Manoel Querino, positivismo e Émile Durkheim, focando nos ofícios:
Valorização dos ofícios como base da organização social
Querino: valorizava os ofícios artesanais (alfaiataria, carpintaria, culinária, etc.) como pilares da sociedade e da economia urbana, especialmente na Bahia. Destacava que os negros libertos, por meio do trabalho e do domínio de ofícios, contribuíam ativamente para a construção do Brasil.
Durkheim: via os ofícios como partes da divisão do trabalho social, que promove solidariedade e integração numa sociedade moderna.
Compatibilidade: Ambos enxergam os ofícios como estruturantes da ordem social — Durkheim no plano teórico-sociológico, Querino no plano histórico e empírico da realidade brasileira.
Função moral dos ofícios
Querino: acreditava que os ofícios dignificavam o homem negro e eram meios de ascensão moral e social, além de resistência cultural.
Durkheim: via os ofícios como instituições morais que regulam condutas e promovem coesão ética entre indivíduos.
Compatibilidade: Ambos associam os ofícios a uma dimensão ética e educativa, reforçando valores coletivos e a disciplina social.
Preocupação com a ordem e o progresso (traço positivista)
Querino: influenciado pelo pensamento positivista, via o trabalho disciplinado e os saberes técnicos como instrumentos de progresso da nação.
Durkheim: também próximo ao positivismo, entendia que o progresso social vinha da evolução das formas de solidariedade e da crescente complexidade da divisão do trabalho.
Compatibilidade: ambos enxergam no trabalho e nos ofícios uma via de progresso social ordenado, especialmente pela via da educação e da moral.
Crítica à marginalização dos saberes populares
Querino: denunciava o apagamento da contribuição dos negros e mestiços nos ofícios e na formação cultural do Brasil.
Durkheim: embora não tratasse das relações raciais, também criticava a anomia e o enfraquecimento dos vínculos sociais quando os grupos são desconsiderados.
Compatibilidade: Querino se antecipa a uma crítica que Durkheim também faria: a exclusão social corrói a coesão e a ordem.
Aqui está um resumo da visão dele:
Divisão do Trabalho Social
Durkheim discute os ofícios principalmente em sua obra "A Divisão do Trabalho Social" (1893). Ele acreditava que, à medida que a sociedade se tornava mais complexa, as pessoas passavam a se especializar em diferentes funções (ofícios), o que exigia cooperação mútua.
Nas sociedades tradicionais, predominava a solidariedade mecânica, onde as pessoas compartilhavam crenças e atividades semelhantes.
Nas sociedades modernas, surge a solidariedade orgânica, onde a coesão social depende da interdependência entre os diferentes ofícios e funções sociais.
Função Moral dos Ofícios
Durkheim via os ofícios como grupos morais intermediários entre o indivíduo e o Estado. Ele acreditava que as profissões deveriam ter códigos de conduta e princípios éticos próprios, para guiar a atuação dos indivíduos e evitar o egoísmo gerado pelo individualismo moderno.
Ofícios como Fontes de Regulação
Segundo ele, os ofícios têm a função de regular as relações sociais e econômicas, funcionando como freios ao que ele chamava de "anomia" — a ausência de normas claras em tempos de mudanças sociais rápidas.
Assim, o pensamento de Manoel Querino pode ser lido como uma contribuição original ao debate sobre o papel do trabalho e dos saberes tradicionais na construção de uma sociedade justa.
Sua obra, enraizada na experiência brasileira, apresenta afinidades com a sociologia clássica ao destacar os ofícios como instrumentos de integração social e resistência cultural.
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