PORQUE A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE COZINHEIRO E GASTRÔNOMO NÃO PASSOU EM 2022
O Projeto de Lei nº 1020/2022, foi apresentado pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), visa regulamentar as profissões de cozinheiro e gastrônomo no Brasil.
Por que a regulamentação da profissão de cozinheiro e gastrônomo pode ser um problema?
O Projeto de Lei nº 1020/2022, apresentado pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), propõe regulamentar as profissões de cozinheiro e gastrônomo no Brasil. A intenção é estabelecer critérios formais para o exercício dessas atividades, como exigência de formação técnica ou superior, além de experiência comprovada na área.
Segundo o autor, a regulamentação traria benefícios como identidade e conduta profissional definidas, acesso a direitos trabalhistas e a restrição do exercício da atividade por pessoas sem qualificação formal.
Apesar dessas intenções, o projeto encontrou resistência e não avançou no Senado. A seguir, apontamos alguns prováveis pontos negativos que funcionaram como entraves à sua aprovação:
1. Exclusão de Saberes Tradicionais e Informais
Problema: Grande parte dos cozinheiros e cozinheiras do Brasil atua com base em conhecimentos herdados, frutos da oralidade, da prática e da ancestralidade — sobretudo em comunidades quilombolas, indígenas, rurais e periféricas.
Implicação: A exigência de formação formal desconsidera essas trajetórias, podendo marginalizar profissionais com saberes legítimos e reconhecidos socialmente, mas fora do modelo escolarizado. Isso provocou forte reação de movimentos sociais ligados à culinária tradicional.
2. Restrição ao Acesso ao Mercado de Trabalho
Problema: Exigir diplomas técnicos ou superiores pode excluir jovens e trabalhadores de regiões com pouca oferta educacional ou em situação de vulnerabilidade.
Implicação: A medida pode aumentar a informalidade ou até mesmo causar desemprego entre autônomos e pequenos empreendedores que não têm acesso a essa formação, mas já atuam com competência e criatividade.
3. Centralização do Saber e da Autoridade Profissional
Problema: A proposta tende a legitimar um modelo acadêmico de gastronomia, com forte influência eurocêntrica e urbana.
Implicação: Isso invisibiliza outras formas de conhecimento culinário — como os modos de fazer afro-brasileiros, indígenas, sertanejos —, reforçando desigualdades culturais e apagando o valor das cozinhas populares.
4. Resistência do Setor Empresarial e Criativo
Problema: Muitos empresários do setor gastronômico temem que a regulamentação traga aumento de custos, burocracia e limitações para contratação.
Implicação: Estabelecimentos pequenos e informais, que compõem grande parte do setor, podem ter pressionado contra o projeto por receio de encargos trabalhistas ou exigências legais inviáveis em sua realidade.
5. Desigualdade na Infraestrutura Educacional
Problema: Nem todas as regiões do Brasil oferecem cursos técnicos ou superiores na área da gastronomia.
Implicação: A regulamentação pode acirrar desigualdades regionais, privilegiando profissionais dos grandes centros urbanos e excluindo aqueles que vivem em territórios com menos acesso à educação formal.
Conclusão: entre a intenção e a exclusão
Embora o PL 1020/2022 tenha sido apresentado com o objetivo de valorizar a profissão e proteger seus trabalhadores, ele acabou revelando uma série de tensões e contradições. A tentativa de regulamentação sem considerar a pluralidade de trajetórias e saberes presentes na culinária brasileira — especialmente nos contextos populares e tradicionais — acaba sendo mais excludente do que integradora.
Um debate mais amplo e inclusivo é necessário, que valorize tanto a formação técnica quanto o conhecimento ancestral e empírico. A cozinha brasileira não cabe num único diploma — ela pulsa em muitas vozes, mãos e histórias.
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