MEMÓRIA DAS PLANTAS ALIMENTÍCIAS DO FEMININO AFROINDÍGENAS

Alimento, território e espiritualidade nos corpos femininos sagrados.

A relação entre as plantas e o feminino afroindígena é um território sagrado, onde se entrelaçam alimentação, cura, cuidado e ancestralidade. As folhas, raízes e sementes que alimentam os corpos também nutrem as espiritualidades e os modos de existir das mulheres negras e indígenas, guardiãs de um saber transmitido por oralidade, experiência e afeto. 

Oxum, percebendo que era deixada de lado, usou sua inteligência e poder de sedução para descobrir os segredos das folhas. Diz-se que ela se banhou com folhas sagradas, perfumou-se com elas e cozinhou um prato que encantou os orixás, mostrando que também conhecia os fundamentos do axé.

Com isso, Oxum conquistou o direito de usar as folhas para curar, embelezar, alimentar e proteger, tornando-se senhora das folhas femininas, das folhas que tratam do sangue, do útero, da beleza e da emoção.

A memória dessas plantas vive nos quintais, nos roçados, nos terreiros e nas matas, revelando uma profunda sabedoria que conecta o corpo à terra e à espiritualidade.

Nas cosmologias afroindígenas, alimentar-se é um gesto espiritual. As plantas não são apenas fontes de sustento: elas são entidades, memórias vivas, que ligam os corpos à terra, aos ancestrais e às divindades. Cada folha carrega um axé, uma força vital, e seu uso na culinária cotidiana ou ritual é guiado por princípios que respeitam o tempo da natureza, o ciclo do corpo e a sabedoria herdada.

Já nas cosmologias indígenas, a floresta é o livro onde se aprende a viver. As pajés — mulheres conhecedoras das plantas — ensinam que não existe separação entre alimento e remédio. O que alimenta também cura e conecta. A folha de taioba, o buriti, o açaí, a mandioca brava transformada com técnica ancestral, o urucum, o jenipapo e a castanha do Brasil são exemplos de alimentos que carregam histórias, encantamentos e forças espirituais.

As folhas são aliadas nas cerimônias, nos partos, nos banhos, nos benzimentos e nas panelas. Alimentar-se com essas plantas é afirmar um modo de vida onde o sagrado se come, se planta e se compartilha.

Nas duas cosmologias — afro e indígena — o feminino é o corpo do mundo. É na barriga da mulher e no ventre da terra que tudo germina. E são as folhas que equilibram, conectam, protegem e ensinam. Recuperar a memória das plantas alimentícias do feminino afroindígena é, portanto, um ato de resistência, de continuidade e de profunda reverência às forças da vida.

Sob a luz de Oxum, orixá das águas doces, do amor e da fertilidade, aprendemos sobre plantas que cuidam da fertilidade e do útero, como o algodão, a folha de amora e o inhame — raízes que fortalecem o sangue e a energia vital feminina. Oxum ensina o valor do autocuidado, da doçura e da resistência através da delicadeza.

Com Iansã, senhora dos ventos e das tempestades, encontramos a força da transformação. Suas folhas são aquelas que purificam e energizam: o boldo, a arruda, a erva-de-santa-maria. São plantas que limpam o caminho e protegem, trazendo vigor e coragem. Iansã é o sopro que move, que impele a mulher a agir, a mudar e a se libertar.

Nanã, orixá ancestral da lama e da sabedoria, nos conduz às plantas que tratam da alma e do envelhecer com dignidade. A folha da canela-de-velho, do cipó mil-homens, do jenipapo e do murici estão entre aquelas que cuidam dos ossos, da memória e da espiritualidade. Nanã nos ensina o tempo, a paciência e a escuta profunda da natureza.

As Pajés, mulheres-medicina das tradições indígenas, também ensinam que cada planta carrega um espírito, uma mensagem. Elas invocam folhas como a jurubeba, o guaco, a artemísia e o crajiru, não só para curar o corpo, mas também para equilibrar o espírito e fortalecer os ciclos femininos. Para elas, a medicina é integrada: alimentar-se bem é também alimentar a alma, manter a harmonia com os ciclos da lua, da floresta e do corpo.

Esse conhecimento não é estático: ele pulsa nas cozinhas, nos rituais, nas benzedeiras, nas curas de quintal. Trazer à tona a memória das plantas alimentícias do feminino afroindígena é afirmar que a alimentação é um ato político e espiritual, onde o feminino se planta, se fortalece e floresce em formas múltiplas de existência.

Eixos para a Memória das Folhas do Feminino

Cura do Ventre e Ciclos Menstruais

Plantas que cuidam do útero, aliviam cólicas, regulam o ciclo, limpam o sangue:

Malva – calmante e anti-inflamatória, usada em banhos e chás.

Folha de algodão – regula menstruação, estimula o leite materno.

Barbatimão – adstringente, cicatrizante, usado em lavagens vaginais e pós-parto.

Banhos de Força e Axé

Folhas usadas em banhos para firmeza espiritual, autoestima, equilíbrio emocional:

Manjericão roxo e verde – limpeza emocional, atração de boas energias.

Folha de laranjeira – afeto, memória, abertura de caminhos amorosos.

Alfavaca – proteção e alívio da ansiedade.

Mentruz – limpeza energética profunda e fortalecimento do corpo sutil.

Alimentos do Matriarcado

Plantas alimentícias que sustentam, curam e representam o cuidado feminino:

Taioba – força do silêncio e da nutrição do dia a dia.

Mangarito – raiz delicada, ancestral, símbolo de resistência alimentar.

Abóbora com rama – alimento completo, que nutre e simboliza a fertilidade.

Plantas do Parto e Pós-Parto

Saberes das parteiras, das avós e das ervas que acompanham o nascer:

Camomila – acalma o corpo e o bebê.

Canela-de-velho – alívio de dores articulares pós-parto.

Salsa-brava – usada em compressas para limpar o ventre.



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