MEMÓRIA DAS PLANTAS ALIMENTÍCIAS COM RAIZES AFROINDÍGENAS

Elas apontam a eficácia do solo e anunciam: aqui há vida. Não são pragas, são profecias verdes. Bredo, caruru, beldroega, picão-preto, jurubeba, mentruz — brotam espontaneamente como se dançassem ao som do tambor escondido no chão.

Nos quintais quilombolas e nas aldeias indígenas, essas plantas não são rejeitadas, mas acolhidas. São parte da pedagogia da terra. Ensina-se que “a planta que nasce sozinha sabe o que faz”, como diz dona Devani, mestra do saber no sul da Bahia.

O que nasce sem ser chamado, nasce com missão.

São folhas que curam, alimentam, protegem. A ciência do mato não se encontra nos manuais das universidades, mas na boca das mulheres, nos benzimentos, nas infusões feitas ao entardecer.

Na cosmovisão afroindígena, cada planta tem um dono, uma força, um orixá, um encantado. A folha de mamona é Exu, abre caminhos. A taioba, se bem tratada, vira banquete. A folha de bananeira embala o alimento e a memória. O jenipapo tinge a pele e o destino.

Plantas não são apenas ingredientes — são orações. São histórias de resistência que insistem em brotar, mesmo depois de tantas tentativas de arrasar a terra.

Nome popular: Taioba

Nome científico: Xanthosoma sagittifolium

Outros nomes: Tayoaba, orelha-de-elefante, macabo (em algumas regiões do Caribe), mangarito-grande

Família: Araceae

Origem e Difusão:

A Taioba tem raízes nas Américas tropicais, especialmente na região amazônica, mas se espalhou e ganhou morada firme nos quintais afroindígenas do Brasil, do Caribe e da África Ocidental. Em muitos lugares, sua folha é confundida com a do inhame, mas quem conhece de verdade sabe: taioba é taioba. E é rainha do mato.

Usos Alimentares:

Folha e caule são comestíveis — mas só da taioba verdadeira. Outras espécies da família são tóxicas. Por isso, seu uso sempre vem acompanhado de um ensinamento: “não é qualquer folha grande que se come”, diz dona Maria Aleluia, Mestra do Assentamento 1° de Abril.

Cozida com cuidado, vira refogado, recheio, caldeirada. Em comunidades quilombolas, entra como folha nobre no caruru e nos pratos do dia-a-dia. Pode ser usada como base verde para moquecas de peixe ou como cama vegetal para assados, substituindo a couve ou o espinafre. Suas folhas macias derretem na boca.

Saberes Afroindígenas:

Taioba é folha de Obaluayê. Planta que se dobra ao vento, mas não quebra. É alimento e é cura. Suas folhas grandes e protetoras lembram mantos, e há quem diga que são elas que cobrem os corpos nas passagens de um mundo ao outro.

Seu caldo espesso é oferecido como purificação. Nas casas de axé, entra nos banhos de limpeza e nos pratos de oferenda. Diz-se que onde a taioba cresce sozinha, a terra é fértil e os ancestrais estão por perto.

Uso Medicinal:

Diurética, nutritiva, rica em ferro e cálcio. Fortalece o sangue, reequilibra o corpo. O cozimento elimina os cristais de oxalato de cálcio, e por isso ela exige tempo e atenção. Como tudo que é ancestral, precisa de cuidado. Não é planta para apressados.

Linguagem da Terra:

Taioba não gosta de muito sol, prefere sombra úmida. Cresce escondida, mas quando cresce, se impõe. Seu jeito de ser é o das mulheres antigas: firme no silêncio, sábia no tempo, generosa no alimento.

Maravilha! Vamos começar com o Coentro da Índia, uma planta de nome encantado e de muitos caminhos.

Nome popular: Coentro da Índia, Chicória do Pará, Chicória de folha

Nome científico: Eryngium foetidum

Outros nomes: Coentro-bravo, erva-do-mexicano, fitocoentro, coentro-de-bode

Família: Apiaceae

Origem e Difusão:

Apesar do nome, o Coentro da Índia é uma planta de raízes profundas nas Américas, amplamente utilizada em territórios indígenas da Amazônia e nos quintais afrodescendentes do Norte e Nordeste do Brasil. Está presente também em comunidades afro-caribenhas, sendo muito usado na culinária crioula de países como Haiti, República Dominicana, Trinidad e Tobago.

Usos Alimentares:

Com aroma forte e picante, que lembra o coentro comum mas com mais intensidade, é usado em caldos, ensopados, moquecas e farofas. Seu sabor é marcante, e em algumas regiões é tempero sagrado: não pode faltar na panela. Nas receitas tradicionais do Norte, como o pato no tucupi e caldeiradas de peixe, ele é presença ancestral.

Saberes Afroindígenas:

O Coentro da Índia é planta de Exu — forte, direto, abridor de caminhos, mas também ligado aos encantados das matas. Nas palavras de um pajé do Alto Rio Negro, “planta que chega primeiro no cheiro é planta de aviso”. Para algumas tradições, seu cheiro forte afasta maus espíritos e atrai bons ventos.

Em terreiros, pode ser usado em banhos de descarrego, e no preparo de comidas sagradas. Em comunidades tradicionais, é também planta de cura: indicado para tratar dores de estômago, febres, vômitos e como vermífugo natural. Seu chá tem sabor amargo, mas poderoso, e sua presença na roça é um sinal de que o solo está forte e vivo.

Linguagem da Terra:

Planta que cresce fácil, entre pedras, no meio do mato ou nas beiras dos quintais. Quem tem essa planta em casa, tem também um pé no passado e um olho no futuro. É planta que fala alto, que impõe respeito. Chega dizendo: “aqui tem raiz”.


Vamos de Mentruz, essa folha que carrega cheiro de casa, cura de vó e sabedoria de quintal. Planta de resistência, de cuidado e de axé.


Nome popular: Mentruz, Mastruz

Nome científico: Dysphania ambrosioides (antigamente classificado como Chenopodium ambrosioides)

Outros nomes: Mastruz com leite, erva-de-santa-maria, erva-do-mexicano, erva-formigueira

Família: Amaranthaceae

Origem e Difusão:

Originária da América Central e do Sul, o mentruz foi amplamente difundido nas culturas indígenas, africanas e mestiças das Américas. Nos quintais brasileiros, é presença constante — brota nos cantos, entre telhas, nos arredores da cozinha, como quem sabe onde precisa estar. Ele não precisa ser plantado: se apresenta.

Usos Alimentares e Medicinais:

Embora pouco usado como alimento direto, é conhecido como “alimento de cura”. Sua infusão é amarga, mas potente. O mastruz com leite é receita antiga para limpar o peito, fortalecer os brônquios, expulsar vermes.

Em comunidades tradicionais, é usado em garrafadas, lambedores e xaropes. Serve para bronquite, gripe, má digestão, cólicas e até para dores espirituais. Seu cheiro forte é aviso e proteção.

Saberes Afroindígenas:

Mentruz é folha de Ogum. Planta guerreira, que não recua. Em algumas tradições, é usada para banhos de descarrego, limpeza espiritual e firmeza de caminho. É planta de luta — daquelas que os antigos diziam: toma que sara, mesmo que arda.

Na Amazônia, indígenas do povo Kambeba o utilizam em rituais de purificação. No sertão, é planta de reza, usada em ramos e defumações.

Cultura Popular:

Tem sempre alguém que diz: “mentruz com leite cura tudo”. É quase uma reza popular embutida numa receita.

Entre as rezadeiras, ele entra nos ramos de benzeção: para tirar quebranto, olho gordo, e trazer força ao corpo cansado. E nas palavras de dona Raimunda, no Recôncavo:

> “Se não resolver, pelo menos acorda o espírito e limpa o sangue”.

Linguagem da Terra:

Planta que brota no improviso. Resiliente, amarga, necessária. Não embeleza os jardins coloniais, mas é rainha dos quintais de barro. Onde nasce mentruz, tem gente de fé por perto. Tem cura nas folhas e história no ar.



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