Os agricultores agroflorestais no Brasil relatam muitos benefícios, mas os desafios permanecem

Os pesquisadores pediram aos pequenos agricultores agroflorestais e convencionais no estado de São Paulo, Brasil, suas opiniões sobre os benefícios da agrofloresta – uma técnica agrícola que combina vegetação nativa com árvores frutíferas, culturas e, às vezes, pecuária – e o que eles veem como barreiras para a mudança.

Consistente com os benefícios identificados em estudos ecológicos anteriores, os agricultores agroflorestais classificaram a abundância de pássaros e a umidade do solo mais altas do que os agricultores convencionais e relataram que as árvores em suas fazendas esfriaram o ar e reduziram os danos causados ​​pelas tempestades. 

Esses agricultores também eram mais propensos a serem autossuficientes.Muitos pequenos proprietários que ainda dependem de monoculturas convencionais de culturas e gado dizem que a falta de conhecimento os impede de mudar para agroflorestas, mas o apoio técnico e a educação ambiental podem incentivá-los a adotar essa abordagem restauradora.

O foco do presidente brasileiro Jair Bolsonaro em oferecer apoio ao agronegócio comercial em larga escala deixou os pequenos agricultores sem assistência financeira e técnica para fazer a mudança para a agrofloresta. Também limita seu acesso aos mercados para suas diversas colheitas.

Pequenos agricultores agroflorestais no bioma Mata Atlântica do Brasil observaram benefícios ambientais, sociais e culturais decorrentes de suas práticas agrícolas restaurativas, relataram pesquisadores recentemente na revista People and Nature da Sociedade Ecológica Britânica .

No entanto, grandes obstáculos políticos, financeiros e logísticos estão impedindo-os de atingir todo o potencial comercial de suas colheitas e também desencorajando os agricultores convencionais não agroflorestais de adotar abordagens mais ecológicas.

A Mata Atlântica do Brasil está entre os biomas mais biodiversos da Terra, mas também está entre os mais ameaçados: a agricultura e o assentamento humano desmataram mais de 85% de sua extensão original . Abrigando 70% da população do país, inclui centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, juntamente com vastas paisagens agrícolas caracterizadas por um mosaico de assentamentos rurais e algumas grandes fazendas comerciais que cultivam commodities.

A Mata Atlântica do Brasil está entre os biomas mais biodiversos da Terra, mas também está entre os mais ameaçados. 

A agricultura e o assentamento humano desmataram 84 a 89% de sua extensão original. Imagem cortesia do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

A agrossilvicultura, que combina vegetação nativa com árvores frutíferas, culturas e, às vezes, pecuária, tem benefícios ecológicos e agrícolas bem documentados : maior diversidade de aves e polinizadores, melhor qualidade do solo e rendimento das culturas, juntamente com ar mais frio (uma proteção contra o aquecimento global que também oferece maior conforto para as pessoas que vivem e trabalham na fazenda). Poucos estudos abordaram as percepções sociais e culturais dessa abordagem ecológica restauradora.

Colaborando com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), uma das maiores ONGs ambientais do Brasil, os pesquisadores pediram a opinião de pequenos agricultores que praticam agrofloresta ou agricultura convencional e monocultura de gado em assentamentos rurais no entorno do Parque Estadual do Morro do Diabo, no estado de São Paulo. sobre os benefícios da agrossilvicultura e as barreiras à mudança.

Localizado em um dos maiores fragmentos remanescentes de Mata Atlântica, o parque abriga a onça-pintada ( Panthera onca ) e o ameaçado mico-leão-preto ( Leontopithecus chrysopygus ). O IPÊ trabalha aqui há mais de 20 anos com famílias do Movimento Sem Terra (MST) – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um movimento sociopolítico popular que inclui mais de 1,5 milhão de pequenos agricultores brasileiros. 

Uma das principais metas do IPÊ é a restauração da Mata Atlântica degradada ao mesmo tempo em que melhora os meios de subsistência.

Entrevistas com 92 famílias de agricultores do MST no Pontal do Paranapanema confirmaram os benefícios de serviços ecossistêmicos relatados anteriormente: os agricultores agroflorestais classificaram a abundância de pássaros e a umidade do solo mais altas do que os agricultores convencionais e relataram que as árvores em suas fazendas esfriaram o ar e reduziram os danos causados ​​pelas tempestades. No clima quente e cada vez mais árido da Mata Atlântica, as fazendas florestais fornecem sombra bem-vinda e podem resfriar o ar em até 6° Celsius (10,8° Fahrenheit), melhorando a qualidade de vida dos agricultores e do gado e aumentando a produtividade das culturas que amam a sombra.

O estudo confirma que as “experiências vividas [dos agricultores] usando agrossilvicultura nos últimos dez a vinte anos coincidem com os dados [ecológicos]”, confirmando os benefícios agroflorestais para a biodiversidade, saúde do solo e resiliência climática, disse a principal autora Yara Shennan-Farpón, uma cientista conservacionista da University College London.

“Um dos resultados mais interessantes foi a percepção dos pequenos proprietários e agricultores familiares [de que] os sistemas agroflorestais melhoram as condições ambientais”, concordou Jerônimo Boelsums Barreto Sansevero, ecologista de restauração da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que não participou do projeto. estude.

Significativamente, os agricultores agroflorestais eram mais propensos a relatar que todas ou a maior parte de suas necessidades alimentares eram supridas por suas propriedades familiares, oferecendo maior segurança alimentar.

Eles também valorizavam sua capacidade de cultivar culturas culturalmente significativas, incluindo café e plantas medicinais. Quase metade dos agricultores agroflorestais relatam produzir seu próprio café, em comparação com apenas 8% dos agricultores convencionais. O café é uma importante cultura de renda no Brasil, especialmente para aqueles que têm acesso a mercados cosmopolitas, mas também é uma parte importante da vida cotidiana. “Não é a parte mais nutritiva e básica de sua dieta, mas todo mundo bebe café. Então, se você pode cultivar o seu próprio, isso significa que você é autossuficiente”, observou Shennan-Farpón. “Há orgulho nisso.”

“Esta comparação entre agricultores agroflorestais e agricultores não agroflorestais na mesma área é realmente útil”, disse Torsten Krause, professor sênior do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lund, na Suécia, que não participou do estudo. “É importante mostrar como as pessoas estão percebendo esse tipo de agricultura”, para avaliar seu sucesso contínuo e potencial de expansão.


Uma vez estabelecidos, os sistemas agroflorestais podem fornecer uma cultura diversificada que oferece resiliência contra mudanças ambientais ou volatilidade do mercado. “É um sistema muito mais forte e estável”, explicou Krause. Fazendas agroflorestais podem até ser mais baratas de administrar, a longo prazo, “porque você precisa de menos insumos: menos fertilizantes, menos produtos químicos, menos pesticidas”, disse ele. Mas o investimento inicial – em novos tipos de sementes, novas ferramentas e equipamentos – pode ser formidável para muitos pequenos produtores.

Também leva tempo para que os sistemas agroflorestais se estabeleçam e ofereçam uma fonte de renda estável, de modo que os agricultores precisam de um amortecedor econômico para alimentar suas famílias enquanto as mudas criam raízes e as árvores atingem a maturidade. “A principal barreira é aquele pote inicial de dinheiro para mudar a maneira como você cultiva”, disse Shennan-Farpón, e ter confiança para fazê-lo.

Muitos agricultores convencionais relataram que a falta de conhecimento estava atrasando sua conversão para agrossilvicultura, mas o suporte técnico e a educação ambiental podem incentivá-los a adotar novas abordagens. “Eles não necessariamente sabem plantar e cultivar com técnicas agroflorestais”, disse Shennan-Farpón, explicando que muitos agricultores agroflorestais aprenderam as técnicas com ONGs da região, como o IPÊ, ou com vizinhos que já usam agrofloresta.

Uma pequena agricultora cuida de seu terreno agroflorestal no estado de São Paulo. Imagem cortesia do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

Para aqueles pequenos agricultores convencionais que confiaram por décadas em métodos agrícolas mais industrializados, fazer a mudança para a agrossilvicultura pode ser assustador. A falta de apoio do governo e da comunidade e a falta de apoio financeiro encabeçaram a lista de barreiras que limitam a conversão dos agricultores para a agrossilvicultura.

“ É um grande salto de fé para eles”, admitiu Shennan-Farpón, mas ver os sucessos agroflorestais em fazendas vizinhas pode ajudar a tranquilizar os agricultores apreensivos.

Existem algumas iniciativas nacionais que atualmente apoiam os pequenos produtores; o Programa Nacional de Alimentação Escolar ( PNAE ), por exemplo, exige que 30% da merenda escolar seja proveniente da agricultura familiar. Mas muitas dessas linhas de vida da política econômica podem desaparecer em breve se a legislação de corte orçamentário promovida pelo governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro se tornar lei.

Em contraste, os agricultores convencionais que produzem carne e leite no estado de São Paulo continuam se beneficiando do apoio do governo e da indústria local. Os criadores de gado, por exemplo, recebem visitas regulares ao veterinário financiadas pelo governo. 

“O fato de eles terem esse [apoio] para a pecuária e a indústria de laticínios, e não terem [iniciativas semelhantes] para agrofloresta, é uma enorme disparidade [de política]”, disse Shennan-Farpón.

Agricultores convencionais produtores de carne e leite no estado de São Paulo se beneficiam do apoio do governo e da indústria local. Os criadores de gado, por exemplo, recebem visitas regulares ao veterinário financiadas pelo governo. Imagem da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil no Flickr .

O foco do presidente Jair Bolsonaro em subsidiar o agronegócio industrial, que produz principalmente commodities de exportação, como carne e soja (foto), deixou os pequenos agricultores sem ajuda financeira e técnica para mudar para a agrofloresta. Imagem da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Essas inconsistências refletem uma questão mais sistêmica, explicou Krause: o foco de Bolsonaro em subsidiar o agronegócio industrial que produz principalmente commodities de exportação, como carne e soja. 

A agrofloresta “vai contra o lobby agrícola dominante, que quer que os agricultores mecanizem [e] intensifiquem, porque é onde está o dinheiro” – na compra de fertilizantes químicos, pesticidas e máquinas. Na agrofloresta, “o que você precisa é de mão de obra e conhecimento”.

A fixação do governo na agricultura de monocultura comercial significa que muitos pequenos produtores agroflorestais não têm acesso a mercados para vender suas diversas colheitas. 

“Eles não têm muito acesso aos mercados tradicionais e não há muitos mercados agroecológicos ou agrícolas na região”, explicou Shennan-Farpón. 

É relativamente fácil encontrar compradores para produtos como café, mas as frutas oferecem um desafio muito maior. “É difícil quebrar essa barreira quando não há o mesmo interesse ou mercado para a agrofloresta”, disse ela.

Shennan-Farpón pediu que os formuladores de políticas desenvolvam um plano nacional para a agricultura de pequenos produtores que “os apoie com capacitação, apoio técnico e conselhos sobre como, o que e quando plantar”.

Linhas de crédito mais fáceis, assistência técnica e investimento em pesquisa são de suma importância”, para facilitar a agrofloresta entre os pequenos produtores brasileiros, acrescentou Sansevero. “Os governos estaduais e municipais também precisam incentivar e apoiar o uso de sistemas agroflorestais por meio do Programa de Regularização Ambiental”, ou Programa de Regularização Ambiental (PRA), um conjunto de iniciativas ambientais destinadas aos proprietários rurais.

Apesar desses desafios, o Brasil hoje é líder global em restauração ecológica. Os conservacionistas estão cada vez mais apreciando “o valor de considerar os direitos humanos e o bem-estar, bem como os resultados da biodiversidade”, disse Shennan-Farpón. A colaboração de longo prazo do IPÊ com as famílias de pequenos agricultores do MST é um exemplo poderoso de como a ecologia da restauração “pode funcionar para servir a ambos os propósitos”.

Citação:

Shennan-Farpón, Y., Mills, M., Souza, A., & Homewood, K. (2022). O papel da agrofloresta na restauração da Mata Atlântica brasileira: oportunidades e desafios para pequenos agricultores . Pessoas e Natureza .

Imagem do banner : Agricultores agroflorestais no estado de São Paulo, Brasil. Imagem cortesia do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

Fonte: Mongabay Brasil

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