Bebidas são a prova da importancia e da atualidade dos saberes tradicionais.
Quando falamos na contribuição dos povos tradicionais à gastronomia, não podemos esquecer dos métodos e técnicas.
“Se você olhar para as tradições alimentares de praticamente qualquer cultura indígena em todo o mundo, eles têm alguma forma de fermentação que estavam praticando, acredito que está literalmente escrito em nosso DNA e é o legado de todos nós, de onde quer que sejamos.”
Os alimentos indígenas fermentados são de interesse global, no caso da América do Sul, as bebidas fermentadas à base de mandioca ( Manihot esculenta ) são um componente vital no cotidiano e na dieta dos grupos indígenas.
Os métodos tradicionais de fermentação promovem a microbiota das bebidas e consequentemente a geração de metabólitos secundários durante o processo de fermentação espontânea.
Além disso, melhoram o valor nutricional, garantem a estabilidade microbiológica, promovem a formação de sabor e aroma ( sabor) e degradar os próprios compostos cianogênicos da mandioca.
Tepache México
Tepache não é apenas uma bebida popular, mas também faz parte do legado gastronômico pré-hispânico. Hoje, comunidades indígenas como os Chinantecos e Triquis de Oaxaca, Totonacs de Veracruz e os Pápagos de Sonora o preparam de maneira tradicional: à base de milho tenro.
Do nahuatl tepatli (bebida de milho), começou como uma bebida refrescante feita principalmente de milho que era consumida pelos doentes e fracos.
Atualmente, é uma fruta fermentada, principalmente casca e polpa de abacaxi, à qual é adicionado açúcar mascavo para adoçar. Após cinco ou seis dias de descanso, resulta uma bebida com baixo teor alcoólico. Durante o século XX o produto era guardado em barricas de madeira e as "tepacherías" eram muito populares.
Aluá Brasil
Aluá é uma bebida refrigerante muito usada em religiões afro-brasileiras, como o candomblé de caboclo e alguns terreiros de umbanda. Também chamada de aruá, ualuá e aloá.
Segundo Câmara Cascudo, é feita “à base de farinha de arroz, milho torrado ou cascas de abacaxi. Em seu preparo, o milho de pipoca é torrado, moído e posto para fermentar com água e açúcar mascavo, por cerca de sete dias. Depois de fermentado, coa-se e adicionam-se gengibre moído e açúcar a gosto”.
Há diferentes receitas de aluá.
Podem entrar na sua composição o caldo de cana, sumo de limão, rapadura, manteiga, jagra, aguardente, café, fubá, mel e outros ingredientes. Tata Tancredo acrescenta que “é queimado para dar côr, havendo o aluá branco e o escuro”, segundo Omolubá, serve-se o aluá em festas de caboclo.
O Glossário de Bantuísmos Brasileiros Presumidos também diz ser essa a “bebida refrescante preferida de caboclo”.
Segundo Câmara Cascudo, do quimbundo, uálua, “cerveja”.
Segundo a Enciclopédia Delta-Larousse, citada por Câmara Cascudo, do hauçá eléwa e allewa.
Ainda segundo a enciclopédia, Cascudo acreditava que a origem do vocábulo vem do hauçá ruwa, “água", a mesma enciclopédia menciona que no Reino do Congo, no século 18, havia uma cerveja de milho conhecida pelos nomes vuallo e ovallo.
Chicha Vários países Sul-americanos
Aplicando diferentes métodos, sendo os povos indígenas da América o grupo mais representativo que as prepara tradicionalmente a partir de milho e mandioca desde o conhecimento de sua elaboração foi transmitido de geração em geração (Caicedo e Espinel, 2018;Grijalva-Vallejos et al., 2020;Hirsch, 2017)
Geralmente, é feita pela mistura de amidos ou açúcares com água, que são fermentados naturalmente sem condições microbiológicas ou de controle ambiental, porém, a fabricação da bebida pela mastigação da matéria-prima vegetal, continua sendo uma prática comum por grupos indígenas, onde a enzima Diastase presente na saliva humana permite a conversão de amidos em açúcares (Levin et al., 2017;McGovern, 2019).
A fermentação espontânea à qual os substratos são expostos permite a conversão de carboidratos simples em compostos secundários.
Além disso, a fermentação pode melhorar a biodisponibilidade e a síntese de vitaminas e minerais essenciais.Ramos e Schwan, 2017;Martín & Ramos, 2016;Todorov e Holzapfel, 2015).
Com este processo bioquímico a qualidade nutricional da bebida é melhorada, devido à produção de biomoléculasCapozzi et al., 2012).
A chicha pode ter um alto valor probiótico, uma vez que algumas espécies de BAL (bactérias ácido-láticas) identificadas na fermentação apresentam antagonismo com microrganismos patogênicos, estimulam a produção de muco e melhoram a digestibilidade.Freire et al., 2017a;Kandylis et al., 2016)
Devido ao processo térmico ao qual a bebida fermentada é submetida, a mandioca sofre um processo de decomposição de seus glicosídeos tóxicos, que em humanos causam fraqueza, hipotireoidismo, paralisia e em casos graves, a morte.Shigaki, 2015).
Atualmente existe uma tendência social sobre o retorno às preparações culinárias que incluem fermentações espontâneas de alimentos, por isso há uma demanda por alimentos funcionais, principalmente bebidas não lácteas (Briceno-Leon e Perdomo, 2019;Garcia et al., 2019), o que fez com que, a nível industrial, o controlo das operações de qualidade, a segurança das matérias-primas, sejam aspectos importantes no desenvolvimento deste tipo de produtos (Santos e outros, 2019;Ordoñez-Araque e Narváez-Aldáz, 2019).
Calugi Brasil
É uma bebida fermentada com baixo teor alcoólico, comconsistência de mazamorra . É feito de milho, mandioca e arroz pela tribo Javaé , e o inóculo usado para fermentar é o líquido obtido da batata-doce mastigada pelas mulheres da tribo. Geralmente é consumido na dieta diária por adultos e até crianças (Freitas et al., 2017).
A mandioca é descascada, lavada e ralada para obter uma massa úmida, esta massa é espremida e posteriormente utilizada como substrato de fermentação.
O milho duro é embebido em água por 30 minutos e esmagado em uma bandeja de madeira, a farinha obtida é misturada com água e peneirada para retirar a casca.
A massa de mandioca e milho é misturada com água e cozida por 2 horas, mexendo sempre.
Quando o mingau é resfriado, adiciona-se o inóculo de batata-doce, a mistura é homogeneizada e fermentada em recipientes de alumínio abertos a uma temperatura de aproximadamente 30°C (Freire et al., 2017a;Miguel et al., 2014).
Yakupa Indígenas Brasileiros
Bebida produzida pelos indígenas Juruna do Brasil, que é considerada uma classe de cauim (bebida alcoólica pré-hispânica de mandioca ou milho) refrescante mas sem álcool.
Yakupa é feito de uma massa feita de mandioca demolhada por 2 ou 3 dias, conhecida como puba.
A mandioca fermentada é desidratada ao sol por alguns dias.
A massa seca é batida e peneirada para separar as fibras, dando origem a um líquido branco que vai ao fogo até obter um purê cozido.
A Batata-doce ralada é adicionada e finalmente peneirada para ser consumida imediatamente quando fria (Freire et al., 2014;Freitas et al., 2017).
Caxiri Indígenas Brasileiros
É uma bebida feita à base de mandioca, milho e batata-doce, produzida pelos indígenas Juruna ou Yudjá no Brasil.
Geralmente, está associado a rituais sagrados, pois é preparado para consumo em festas e em trabalhos coletivos, como derrubar árvores ou cultivar campos (Miguel et al., 2015).
O caxiri é obtido fermentando as raízes da mandioca roxa por dois dias em água corrente para amolecer a casca. Este procedimento permite a degradação de compostos cianogênicos e a formação de substâncias aromáticas; consequentemente há um amolecimento das raízes gerado pela ação de bactérias lácticas (Capredon, 2018).
Posteriormente, a mandioca é descascada, cortada em pedaços pequenos, prensada, ralada e assada. A farinha resultante é então misturada com água e colocada em barris para iniciar o processo de fermentação, que leva de 24 a 48 horas.
O caxiri é normalmente consumido até 120 horas após o preparo, o que varia seu teor alcoólico. (Freitas et al., 2017).
Cauim Indígenas BrasileirosÉ uma bebida alcoólica fermentada produzida pelos indígenas Tapirapé da tribo Tapiitawa (comunidade indígena) no Brasil e representa o principal alimento dos habitantes.
Para sua elaboração, diversos substratos podem ser utilizados como: mandioca, arroz e milho (Naupert, 2019). Para o preparo, a mandioca é imersa em água corrente por três ou quatro dias para amolecer a casca, depois é descascada, seca (ao sol), ralada e moída.
Para iniciar o preparo, você pode misturar farinha de mandioca, arroz com água e cozinhar até que o substrato tenha uma distribuição uniforme.
O purê cozido obtido é resfriado por 6 a 8 horas e inoculado com o suco da mastigação da batata-doce, este suco é adicionado aos poucos no recipiente da bebida e depois fermentado em recipiente aberto por aproximadamente 48 horas em temperatura ambiente (Resende et al., 2018).
Tarubá Brasil
Bebida preparada pela tribo Sateré-Mawé localizada entre os estados do Pará e Amazonas, especificamente eles vivem perto do rio Amazonas. Esta é uma bebida à base de mandioca, é lavada, descascada, moída (por pressão) e filtrada para retirar o excesso de água.
A massa de mandioca resultante é assada por 30 min, e é colocada em uma bandeja de madeira chamada gareira e coberta com folhas da árvore Trema micrantha (pertencente à família Cannabaceae ) e da (banana).
Em seguida, deixa-se fermentar por 12 dias, após esse tempo, a massa de mandioca é diluída em água, filtrada e consumida (Adewumi, 2019;Freire et al., 2017a;Ramos et al., 2015).
Tiquira Guiana
É uma bebida fermentada e destilada tradicionalmente consumida no norte do Brasil, seu processo de fabricação consiste na lavagem, corte e prensagem do tubérculo para formar bolos de aproximadamente 30 cm de diâmetro.
Este bolo é torrado até que sua umidade seja reduzida em aproximadamente 35%, empilhado em uma jarra e separado com folhas de mandioca para permitir que a flora bacteriana se desenvolva e cresça. Este procedimento dura entre 10 e 12 dias em clima quente e úmido sem a presença de luz, durante esse tempo ocorre a sacarificação do amido graças à ação do Manila sitophila, Aspergillus niger e Penicilliumsp.
A massa é então diluída em água e fermentada entre 40 a 48 horas. Por fim, é realizada uma destilação para obter uma aguardente com alto teor alcoólico (Arisseto-Bragotto et al., 2017;Savadogo et al., 2016).
Parakari Guiana/Brasil
Bebida alcoólica feita pelo grupo indígena Wapishana que vive no sul da Guiana, é obtida a partir da fermentação da mandioca através do uso de moldes amilolíticos como: Rhizopus sp., Mucoraceae e Zygomycota , seguido de uma fermentação para obtenção do álcool.
Esta bebida é o único exemplo conhecido de uma fermentação indígena desde a chegada da Europa à América que utiliza moldes amilolíticos, provavelmente como resultado da domesticação das espécies selvagens de Rhizopus sp.
Apesar da falta de documentação, sabia-se que estaprocesso de fermentação complexo envolve pelo menos 30 etapas desde a colheita até o consumo, em que são utilizadas diferentes variedades de mandioca (Airey & Krause, 2017).
Para a elaboração, a mandioca é colhida, descascada e lavada para depois ralar, desta forma o líquido é espremido e deixado em repouso durante a noite para eliminar toxinas devido à acidificação do ralado.
No dia seguinte, o amido é decantado e o líquido sobrenadante é removido, em seguida, pequenas porções esféricas são moldadas e secas ao sol e usadas como inóculo.
O ralado é novamente espremido e forma-se uma espécie de pão com 2 cm de largura e 75 cm de diâmetro.
É assado até uma cor marrom profunda e depois seco ao sol, ao mesmo tempo, o inóculo é preparado a partir de folhas da árvore T. micrantha (Candiúba, crindiúva, grandiúva) que contém micélio e esporos de Rhizopus sp., que contém micélio e esporos de produção de Parakari .
As folhas são previamente pulverizadas e misturadas com o amido purificado a quente, o carvão é espalhado no chão e coberto com restos de casca de mandioca formando uma camada de 2 cm de largura, utilizando folhas da planta tropical Heliconia L. colocando-as sobre os restos e inoculando com a mistura de amido e pó de T. micrantha.
Coloque os pães em pedaços previamente embebidos em água.
O processo é repetido até atingir uma largura de 8 cm, os pães são cobertos com duas camadas de folhas de T. micrantha e deixados em repouso por 40 a 48 horas.
Em alguns casos até 72 horas se a variedade de mandioca for fermentada lentamente para permitir o crescimento de Rhizopussp.
Aromas e doçura característicos são identificados para serem transferidos para o pondos, ele é coberto impedindo a entrada de ar e a pressão é liberada de tempos em tempos (Daly, 2020;Derka et al., 2015;Saranraj et al., 2019).
A bebida pode ser consumida 24 horas após a fermentação, pois será doce e com baixo teor alcoólico, se desejar maior teor alcoólico, deve ser fermentada por até 5 semanas.
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