Tabuleiro da Bahiana Cartografia: Da economia à comesalidade.

Tabuleiro da Bahiana

Cartografia: Da economia à comesalidade.

Objetivo:
Fortalecer os conhecimentos sobre o Tabuleiro das Baianas.
*Espera-se que o aluno seja capaz de:
Compreender a importância significativa do tabuleiro, como representante da culinária da Bahia.

*Que entendam os processos econômicos e culturais, que foram necessários para esta representação.

*Que sejam capazes de perceber a importância conectiva dos alimentos da Diáspora, enquanto trocas e dinâmicas econômicas e culturais.



Conteúdo e Metodologia:

Descreveremos brevemente a etimologia do objeto, e suas relações culturais.

O trabalho feminino com alimentos nas ruas da cidade.

A história dos "caixas" como elemento pecuniário e de poupança na compra de alforria.

O valor comunicativo dos alimentos identitários, na divulgação da cultura e da culinária da Bahia, até serem utilizados como pontos de Cultura.


Cartografia do Tabuleiro: Da economia à comensalidade. 

Analisamos o simbolismo do Tabuleiro, desde seu aspecto socioeconômico, à ser referência gastronômica.

A ideia da nossa conversa é observar aspectos que identifiquem o simbolismo do Tabuleiro e para isso estabelecemos três eixos:

O tabuleiro como símbolo da economia popular, como símbolo indenitário, e como espaço de comunicação da nossa diversidade culinária.

O Tabuleiro da Baiana sempre foi uma parabólica, direcionada entre a tradição e a modernidade, sem perder o foco no local.

Poucas gastronômicas se construíram de forma tão cosmopolita, completa e atemporal, sem modéstia, podemos afirmar que nasceu moderna como sua gente, que tem a alegria, como estado de espírito.

A culinária baiana, soube compreender a sacralidade do ato de comer, e não se nega ao cultivo dos seus ritos, e o tabuleiro assume a representação e este simbolismo da negociação, do prazer, dos conflitos, perdas e ganhos cotidianos.

 Com língua afiada e dialeto próprio, à culinária da Bahia, tem como símbolo vivo à marca do Dendê, insígnia da resistência. Com toda sua originalidade, técnicas, sabores, incorporou elementos Africanos, Asiáticos e Europeus, conseguindo manter identidade própria, sem ceder a inovações descaracterizantes ou gourmetizadas.

A palavra "Tabuleiro" vem do Latim "tabularium" era uma espécie de bandeja sobre a qual se colocavam à venda doces e outras comilanças, um derivado de tabula, “tábua, mesa”, da semelhança de forma é que se fixou o nome.

"Tabularium" era também o principal repositório de registros da Roma Antiga.

Importante analisarmos à relação entre a mesa Afro-baiana, sob a perspectiva da escolha dos alimentos ditos "sagrados", a arte de receber, e o "tabuleiro" como espaço de registro alimentar, bem como, lugar simbólico de trocas, da oferta e da dispensa, em suma da "economia" solidária negra.

As caixas faziam parte da economia popular, onde grupos reuniam suas poupanças, onde através de cotas mensais ou semanais, eram sacadas de acordo com prévio sorteio.

Está prática popular se mantém até nossos dias, e foi dela que se gerou uma estrutura muito maior, a Caixa Econômica.

"As culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas, enquanto forem sujeitas de mudanças e elas próprias dialogarem e se relacionarem com outras culturas.

As línguas e as culturas fazem como as criaturas: trocam genes, e inventam simbioses, como resposta aos desafios do tempo e do ambiente."

(Mia Couto 2011)

 Desde o regime de escravização até os dias atuais, a venda do acarajé, do mingau e quitutes da culinária africana consolidou-se como uma alternativa para a sobrevivência material e simbólica de mulheres negras. São as baianas de acarajé e mingau que continuam asseguram a sobrevivência de famílias inteiras através desta atividade tradicional.

As histórias de vida das baianas de acarajé foram fundamentais para o processo de compreensão da relação da baiana com o alimento votivo, e o reconhecimento de sua ancestralidade, para certas baianas o início no ofício está associado a um marco, como por exemplo, a entrada no candomblé ou a saída de sua mãe do tabuleiro.

O tabuleiro da baiana devem ser analisados como um símbolo da identidade baiana que contribuiu para a construção do Brasil, no processo de reconhecimento deste Ofício o mesmo recebeu, em 2004, o título de Patrimônio Cultural do Brasil, marcando um legado dessa culinária para a História do Brasil, os tabuleiros são também mediadores e constituidores da vida social, não existindo separadamente dos sujeito.

 

O Registro é prova da significância da ancestralidade africana na comida brasileira, especificamente relacionada a identidade da baiana.

 

“Os africanos são grupos humanos que historicamente se destacam pela arte de mercar."

Antes do contato com os portugueses eles já faziam trocas com a China, a Indonésia, e entre as civilizações do próprio continente africano. Os senhores de escravos, logo perceberam essa habilidade, e assim, nos contextos urbanos, alguns escravos vão as ruas vender todo tipo de mercadoria produzida nas fazendas, são os escravos de ganho.

A prática de comercio ambulante de alimentos já era realizada na costa ocidental da África como forma de autonomia das mulheres em relação aos homens isto, frequentemente, dava-lhes a função de provedoras da casa.

No período colonial no Brasil a venda pública, incluindo a de comida, realizada por escravos para seus senhores, ou simplesmente feita por libertas, possibilitava um contato maior entre escravos no ambiente urbano, e ainda segundo o Dossiê, isto contribuiu para o cumprimento dos ciclos de festas-obrigações do candomblé, e muitas vezes, para a criação de irmandades religiosas (BRASIL, 2007, p. 15).

Segundo Cecília Moreira Soares (1996) as ruas da cidade de Salvador, no século XIX, caracterizavam-se pela relação de ganho tendo o papel fundamental a mulher negra em diversas condições: escravas, livres ou libertas que trabalhavam muito para proverem o sustento da sua prole.

O papel desempenhado por negras vendedoras de quitutes, o surgimento do acarajé na África e sua chegada à Bahia, destaca o aspecto religioso dessa comida.

Ao chegar a cada Terreiro, este será recebido ritualisticamente onde serão entoadas orações e rezas à Ọbalùàiyé e Nàná. Durante este ritual, será depositado aos pés do tabuleiro, senão aos próprios pés de Ọbalùàiyé grãos e uma quantia em dinheiro que serão de uso exclusivo nas despesas do Olùbàjẹ.

Cada membro do Terreiro receberá uma porção de gbùgbùrù (pipoca) e desta saberá como proceder.

 Interessante notar que a palavra ṣagbe – significa pedir esmola e a palavra jẹ – comer; então a palavra ṣagbejẹ poderia perfeitamente ser interpretada como “pedir esmolas para comer”. Obviamente que não podemos levar a palavra “esmola” num sentido pejorativo e sim entender que há uma troca entre o homem e a divindade. Troca esta que ao darmos grãos e dinheiro para comprar “comida” para “O senhor da terra” este nos dá um de seus principais grãos que nutrem o homem – o milho. Os antigos dizem que aqueles que participam do terão vida próspera e nunca há de faltar comida em casa, pelo menos os grãos.

Quando da Cerimônia do Olùbàjé este “tabuleiro” será apresentado no salão, carregado por Ọya, onde será distribuído uma porção de gbùgbùrù e muitos que recebem o milho, em gratidão acabam por depositar algumas quantias em dinheiro sobre os grãos. Em algumas linhagens o ṣagbejẹ sai antes da “mesa” e em outras depois da “mesa”.

 

Um TABULEIRO antigo de COCADA trazia amendoim cozido com casca na água e sal, amendoim torrado sem casca em frigideira cheia de areia, amendoim coberto com açúcar branco, flor-da-noite (pipoca), fubá de milho torrado, adoçado com açúcar, milho debulhado e bem cozido embrulhado com pedaços de coco em folhas, amoda, queijadinha, cocadas de vários tipos, melado com coco, batata-doce cozida, beijo de estudante, bolinho de tapioca de grelha, alféloa etc

 

A Amoda, hoje gulodice rara, é feita com rapadura-puxa, gengibre ralado e farinha de guerra.

O termo ralado entenda-se como triturado entre duas pedras próprias.

As negras vendiam estas amodas, em pequenos discos feitos com a casca do coco seco primorosamente serrados e lixados.

As QUEIJADINHAS, que ainda hoje resistem e nada levam de queijo para justificar o nome pomposo, são feitas com leite de coco ou água, açúcar ou rapadura e amendoim, ou então água, açúcar, coco ralado ou lascas miúdas de coco.

Em outros estados são chamadas de pé de moleque, porém PÉ DE MOLEQUE na Capital é uma espécie de beiju de farinha grossa, muito popular nas feiras do litoral e em algumas do sertão.

O AMENDOIM COBERTO antigo era confeitado com açúcar alvíssimo com o auxílio de uma vassourinha de piaçava.

O moderno é de açúcar escuro e feito na máquina.

Por isto mesmo menos gostoso.

A ALFÉLOA era apresentada em forma de cones e canudinhos.

O BOLINHO DE TAPIOCA assado nas brasas passou do tabuleiro para a quitanda até sumir.

O chamado tabuleiro da cocada agora é paupérrimo – cocadas, queijadinhas, amendoim torrado e cozido, batata-doce cozida, beijo de estudante (bolo d e tapioca frito na gordura e passado em canela e açúcar).

Nas casas de família, porém, a não ser nas de hábitos para mais, o cuscuz raramente é feito.

A causa é o vício de comer pão.

Fora das regiões de coqueiros, o cuscuz é feito sem coco, com milho verde, temperado com amendoim e servido quente em talhadas amanteigadas.

Muitos preferem este cuscuz sem o amendoim.

Hoje o tabuleiro de coisas para tomar com café rareia.

Mesmo assim ainda encontramos para comprar, com relativa facilidade, cuscuz de milho, de carimã, de tapioca, de flor de arroz, de arroz pisado, mungunzá de partir (lelê e adobró), beijus de toda espécie, pamonhas de carimã e milho, canjicas, bolos de milho e de carimã.

O cuscuz de tapioca, inhame ou d e aipim é atualmente quase que uma curiosidade histórica.

Coisas que o baiano adota também para o café, mas que não aparece nos tabuleiros com frequência, embora abundem em casas de família: banana a frita servida com canela e açúcar, banana-da terra cozida, “fatias de parida” (rabanada ao leite), aipim cozido, inhame cozido, fruta-pão cozida e amassada etc .

O TABULEIRO DE COMIDAS passou à história com o nome de MAMÃE-BOTE e trazia panelões de mocotó, feijoada, sarapatel, vatapá, moqueca, feijão-de-leite, caruru, rabada etc.

Este tabuleiro vem resistindo apesar de ter perdido a denominação.

Os sarapatéis e vatapá são encontrados aos sábados das feiras e c casas de pasto infalivelmente.

O TABULEIRO DO ACARAJÉ e abará tem hoje a presença indefectível da "passarinha" assada vendida com molho de vinagre (pimentão, cebola, tomate, salsa, coentro, azeite doce e vinagre) e do caranguejo cozido largamente procurado como tira-gosto.

 

 

 

 






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