Da moda à gastronomia, empreendedorismo na Amazônia aposta na floresta em pé e renda para comunidades originárias

Produzir renda, movimentar a economia e manter a floresta em pé parece ser um dos maiores desafios quando se pensa em sustentabilidade.

São empresas de moda e gastronomia com a participação direta de povos e saberes ancestrais, parceria que contribui para a preservação das matas e da cultura amazônica.

De Mendes em comunidade indígena fornecedora de sementes de cacau. — Foto: Divulgação

Chocolate da Amazônia

Uma das iguarias mais populares do mundo ganha, aqui no Pará, um sabor inigualável. A partir do cacau selvagem, nativo das áreas ribeirinhas e da floresta, até chegar a países da Europa, Estados Unidos e diversos estados do Brasil, uma rede extensa atua nos bastidores. As sementes são fornecidas por comunidades indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos e agricultores familiares.

"São ao menos cinco etnias indígenas: Yanomamis, Sanoma, Yekwana, Surui e Ashaninka; além de grande quantidade de ribeirinhos no Baixo Tocantins, do Acará, Araguaia, Moju", conta o chocolatier César De Mendes, à frente da empresa De Mendes, que atualmente produz cerca de 300 quilos de chocolate em barra por mês.

A empresa existe desde 2005. Mas a partir de 2013, passou por uma reformulação profunda. 

O empresário conta que se tornar um empreendedor sustentável não foi necessariamente uma opção, mas algo que foi construído no processo de aprendizado do próprio trabalho. Em busca de um diferencial para a sua marca, De Mendes buscou se associar à Amazônia "enquanto marca internacionalmente reconhecida". "Entendi que até então não havia nada no processo de produção da minha empresa que aludisse à Amazônia. Quis buscar essa identidade. Da forma que a gente conhece, o chocolate é algo europeu, já que o chocolate em barra foi desenvolvido lá, ao mesmo tempo em que remonta, como bebida, à tradição asteca e inca, que consome o chocolate líquido há 9 mil anos. Então comecei a pesquisar onde eu encontraria o nosso cacau nativo. Fiz expedições sozinhos, na floresta. O cacau selvagem precisaria estar em lugares muito isolados, sem trânsito de pessoas, caso contrário, ele entra em hibridação e perde a pureza genética. Então fui atrás de comunidades tradicionais para serem parceiras", conta.

Atualmente, 5 mil pessoas de comunidades tradicionais são impactadas diretamente pelo trabalho, que também ajuda a manter em pé 1,200 milhão de hectares de floresta. "Na convivência com essas comunidades, a gente percebe o quanto eles são gentis e respeitosos com o território deles. Nos centros urbanos, o dito mundo civilizado, a relação é outra, destrutiva. No aprendizado com esses povos originários foi que eu comecei a incorporar, em mim e na minha empresa, esse modo de ver o mundo e ver a floresta".

Moda com seiva da floresta

Kátia Fagundes, Manoel e Corina Magno. — Foto: João Urubu

Das seringueiras da Amazônia profunda, a matéria-prima da qual são forjados colares, brincos, anéis e uma variedade infinda de objetos criativos em uma parceria que conecta comunidades ribeirinhas ao mercado do estilo. A parceria da marca de biojoias Da Tribu com famílias extrativistas começou em 2013, na comunidade Paulo Fontelles, Região Metropolitana de Belém. A empresa desenvolveu tecnologias próprias, em parceria com a Universidade de Brasília (UNB), para aprimoramento dos fios e do TEA (tecidos sustentáveis da Amazônia), que são materiais usados para a criação das joias orgânicas. Desde então, foram produzidos 150 mil metros de fios emborrachados, feitos a partir do látex. O processo foi levado até a comunidade Pedra Branca, em Cotijuba, ilha de Belém, atual fornecedora.

Em 2019, a marca é reconhecida com a certificação “Amazônia Wild Rubber”, selo voltado para iniciativas que trabalham com a borracha Amazônica, apoiam produtores locais e conservam a floresta. “O fio de látex trouxe esperança, pois a floresta é o começo de tudo, ajuda a nos manter, nós vivemos do que cultivamos”, diz Manoel Magno, 75 anos, líder comunitário de Pedra Branca, que há cinco décadas se dedica à extração do látex, tradição que já alcança a 3ª geração da sua família.

O processo de feitura dos fios e tecidos é desenvolvido no seu território de origem. Pedra Branca fica localizada em uma Área de Proteção Ambiental (APA). A extração de borracha faz parte da história do local desde a década de 1960. Mas uma nova era se inicia, e resgata saberes ancestrais. O ciclo da borracha, antes predominantemente masculino, ganha outros rumos pelas mãos das mulheres da comunidade, sob coordenação de Corina Magno, filha mais jovem de Manoel Magno.

"O novo ciclo da borracha é feminino, caracterizado pelo protagonismo dessas mulheres e jovens da comunidade", diz Kátia Fagundes, artesã e fundadora da Da Tribu. Por meio dessa produção familiar, os fios se tornaram a principal atividade econômica para cerca de 30 pessoas da comunidade envolvidas na iniciativa. “Hoje, a seringa é responsável por 95% da nossa renda, nos dá dignidade. Para nós, mulheres, trouxe independência financeira, a oportunidade de acreditar que somos capazes de nos sustentar", relata Corina.

Sabor da mata



Paulo Reis e Joanna Martins  — Foto: Annalu RochaPaulo Reis e Joanna Martins — Foto: Annalu Rocha
A atualmente premiada gastronomia paraense percorreu um longo caminho até Belém entrar para o hall de "Cidade Criativa da Unesco", título recebido em 2015, quando a culinária da capital tornou-se referência mundial, passando a integrar uma rede de cidades que buscam desenvolvimento de maneira sustentável e de modo socialmente justo.
Um dos pioneiros nessa trajetória foi o chef Paulo Martins, que atuou desde a década de 1970 na valorização dos ingredientes da Amazônia. Ele se dedicou a mostrar a singularidade da culinária local, e logo esses sabores contribuíram para que a gastronomia brasileira conquistasse destaque internacional.
"Chefs começaram a buscar nossos ingredientes e nós começamos a trabalhar pra que esses sabores chegassem também aos consumidores no Brasil inteiro", relata Paulo Reis, sócio-diretor da Manioca, fundada por Joanna Martins, filha do chef Paulo Martins. "Atuamos de forma a valorizar esses sabores. O cumaru, por exemplo, até um tempo atrás, era mais valorizada a árvore derrubada, para venda da madeira. Hoje, mais vale ela em pé, para a colheita da semente, que é usada em restaurantes e empresas de cosméticos. O mesmo está ocorrendo com o tucupi preto, uma iguaria que estava sendo esquecida enquanto cultura de produção ancestral, e temos atuado para popularizar", conta.

A empresa comercializa cerca de 30 toneladas de alimentos por ano: geléias, tucupi, taperebá, cumaru, feijão manteiguinha, tapioca, farinha. São 39 famílias de produtores que fornecem as matérias-primas, distribuídas em 21 estados e aproximadamente 250 pontos de venda ou restaurantes, além da exportação para seis países. A maioria dos produtores é extrativista da agricultura familiar, com exceção dos que produzem mandioca. De insumos nativos como cupuaçu, cacau e açaí, 100% são plantados.

"Atuar com a biodiversidade é, por si só, um grande passo para um futuro sustentável. Fornecemos assistência técnica, geração de renda e proteção ambiental para famílias fornecedoras de matéria-prima. Isso fixa a população do campo, o que é importante para a preservação ambiental. Nossos parceiros não depredam o entorno, não cortam vegetação nativa. E em breve esse monitoramento será feito via satélite", explica Reis.
Fonte: G1

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