Lá pelos anos 80, eu andava com um povo anarco-punk e anarco-sindicalista que começava a gostar do The Smiths (ah, as contradições). Ninguém tinha grana nem casa, e por isso se sentia muito representado por aquela banda que dizia “eu não tenho um lar; a casa lá é deles e eu não sou mais bem-vindo”,  ou: “eu estava atrás de emprego, daí eu achei o emprego, mas só dels sabe o quanto me sinto infeliz”. Todo mundo foi dar aulas em escolas pedreira pra mudar o mundo, pra fazer política e pra pagar o aluguel das casas horríveis que a gente arrumava. Era sempre festa imitar o Morrissey sensualizando com ramos de lírios, camisões largos e ainda gostar de poetas românticos. Só que numa dessas casas, periferia brava, um dos planos econômicos do governo fazia dos domingos dias muito tristes, sem perspectiva nem comida. E foi num domingo de sol bem cedo que abri a janela e ouvi “This charming man” a todo volume, vinda não se sabe de onde, ecoando inusitada por entre os prédios, difusa no meio da  feiura e do cimento. Fiquei tão contente, achei que tinha muita vida e gosto musical ali, e que tudo estaria bem, sempre que a vizinhança gostasse dos Smiths. Bom, aquele momento nunca mais se repetiu nem naquela casa, nem em outras, nem na vida. Os Smiths nunca mais voltaram a se reunir, como a gente queria, e hoje fiquei sabendo que o baixista Andy Rourke se foi. Me arrependo de não ter conservado mais daquela atmosfera dos anos 80. Mesmo assim, está valendo. A gente sabe que “tem uma luz que nunca se apaga”.

Solange Cavalcanti

https://youtu.be/siO6dkqidc4

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