Mangas protegidas

Embalagens biodegradáveis, feitas com biopolímeros e nanocristais de celulose, ajudam a preservar frutas frescas destinadas à exportação

Por Mariana Alcântara
Embalagens biodegradáveis, obtidas a partir da adição de nanocristais de celulose a polímeros feitos com amido e quitosana – fibra produzida a partir do esqueleto de crustáceos como camarão, caranguejo e lagosta –, poderão se tornar uma vantagem competitiva relevante para as exportações baianas de mangas na forma fresh-cut, ou seja, sem casca e sem caroço, para o mercado internacional. Tudo vai depender dos resultados em escala industrial de um projeto de inovação desenvolvido pelo Laboratório de Alimentos e Bebidas do Senai-Cimatec, em Salvador. “Atualmente, existe uma forte demanda para as frutas frescas já prontas para consumo, denominadas produtos minimamente processados, tendo em vista, principalmente, a facilidade e a praticidade”, diz Bruna Machado, coordenadora do projeto.

A ideia de adicionar os nanocristais ocorreu em decorrência da experiência da pesquisadora com seu projeto de mestrado em Ciências de Alimentos, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Seu objetivo era a obtenção de nanocristais oriundos do coco, incorporados em embalagens de amido de mandioca, utilizadas para envasar azeite de dendê. Os resultados da dissertação renderam a Bruna Machado o primeiro lugar na categoria Pesquisadores do concurso Ideias Inovadoras, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb). Ela explica que a exportação de mangas in natura implica uma perda econômica elevada para o país, já que a casca e o caroço são considerados rejeitos. “Em muitos casos, as frutas, quando chegam aos países de destino, são processadas em fábricas ou nos próprios supermercados e embaladas para chegar até as prateleiras e atender à demanda dos consumidores locais.”

O custo com o transporte das frutas in natura é outro obstáculo enfrentado pelos exportadores. Os empresários do setor esclarecem que a casca e o caroço ocupam cerca de 40% a 60% do peso e espaço nos contêineres e paletes frigorificados a serem enviados pelos navios mercados afora. As mangas são exportadas inteiras dentro de caixas de papelão específicas, que podem estar envolvidas em cera de carnaúba e embaladas em papel seda. O uso da refrigeração se dá com o intuito de preservar as características das frutas durante a viagem aos mercados europeu e norte-americano, que dura em média 14 dias.

De acordo com Bruna Machado, o objetivo da pesquisa do Senai-Cimatec é desenvolver embalagens biodegradáveis inovadoras, com propriedades antioxidantes, que possibilitem aumentar a vida de prateleira, agregando valor ao produto baiano, e permitir a exportação de um maior volume efetivo da fruta. “A exportação das mangas já minimamente processadas e embaladas com essa tecnologia no país de origem poderá minimizar o custo do transporte e ainda preservar as frutas por mais tempo”, diz.

O tipo de manga escolhido para o estudo foi a Tommy Atkins, resultado de extensas pesquisas de seleção e melhoramento genético, que tem sabor doce e pouca fibra. Além disso, outra vantagem da fruta, quando comparada a outras variedades, é sua resistência mecânica e térmica durante o transporte, e mais tempo de estocagem prolongado e a boa tolerância à antracnose, doença causada pelo fungo Colletotrichum gloeosporioides, considerado a maior praga dos mangueirais. A variedade é a preferida dos agricultores brasileiros, respondendo por cerca de 80% da área cultivada no país.
A pesquisadora ressalta que o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis para aplicação em frutas processadas com permeabilidade seletiva aos gases é um processo promissor, pois funciona, em princípio, como um acondicionamento de atmosfera modificada. “Como frutas em geral são muito sensíveis, o processamento que permita o controle eficiente da concentração dos gases pode prolongar satisfatoriamente o período de armazenamento dos produtos processados, bem como seu transporte eficiente”, diz.

Para ela, o maior desafio do projeto é melhorar as propriedades mecânicas e de barreira desses produtos inovadores com a adição de nanocristais, responsáveis por evitar que os frutos sejam machucados, amadureçam rapidamente e apodreçam. Para tanto, é preciso desenvolver e caracterizar diferentes embalagens biodegradáveis e poliméricas para os cortes das mangas e compará-las para identificar a composição que melhor garanta a manutenção das características nutricionais, microbiológicas e sensoriais da fruta, adequando-se às exigências do mercado internacional.

A obtenção de nanocristais envolve a extração de celulose da fibra de coco, sabugo e palha de milho, além do farelo de trigo, que são adicionados a matrizes poliméricas obtidas de fontes naturais renováveis como o amido e a quitosana. Dessa maneira, segundo a coordenadora do projeto, o uso de embalagens biodegradáveis incorporadas com nanocelulose pode torná-las mais resistentes mecanicamente, além de apresentar barreira ao vapor d’água ao reduzir a concentração de oxigênio em seu interior.

 Nanocristais de celulose obtidos a partir do coco filme plástico biodegradável
* Nanocristais de celulose obtidos a partir do coco são adicionados a matrizes poliméricas, como amido e quitosana, para obtenção de filme plástico biodegradável


RESULTADOS PRELIMINARES
Cada material testado no Laboratório de Alimentos e Bebidas do Senai-Cimatec passa por análise para avaliação de rendimento. Primeiro, as fibras são lavadas com solução alcalina, para a remoção de material solúvel e parte da lignina, uma fibra insolúvel em água. Geralmente, essa lavagem é feita quatro vezes. Depois é realizado o branqueamento da massa obtida na etapa anterior. A celulose obtida é secada e triturada e em seguida é feita a hidrólise ácida do material resultante. Nessa etapa, o ácido presente consegue
“atacar” a celulose, quebrando as fibrilas, restando apenas a parte cristalina, ou seja, os cristais de celulose. Por fim, os cristais se encontram “dispersos” em uma solução aquosa. “Chamamos de nanocristais porque na análise pela técnica de microscopia eletrônica de transmissão conseguimos medir os cristais, que estão em tamanhos nanométricos”, explica Bruna.

Os resultados preliminares indicam que a celulose originária da fibra do coco rende por volta de 20% a 30% a mais do que a do sabugo e palha de milho e do farelo de trigo. Esta celulose, chamada de aditivo de reforço, é adicionada às matrizes poliméricas, que podem ser amido de mandioca, batata ou milho e quitosana, formando soluções filmogênicas que deverão ser aquecidas para produzir os filmes. “O importante aqui é encontrar o produto com melhor custo-benefício, pois pretendemos partir da escala laboratorial para a industrial”, ressalta.

Outra proposta é a elaboração de embalagens com atmosfera modificada, nas quais são testados diferentes gases, como nitrogênio e dióxido de carbono, ou reduzidos os teores de oxigênio, a fim de inibir a proliferação de microrganismos e retardar o apodrecimento natural na fruta. “O resultado obtido com o uso desse tipo de embalagem é um produto que se mantém fresco por um período muito maior, sem necessidade de congelamento.” Segundo a pesquisadora, essa é uma técnica já empregada comercialmente, principalmente para hortaliças. Ela destaca ainda que faz parte da linha de frente da pesquisa a combinação de algumas dessas tecnologias, como, por exemplo, adicionar a atmosfera modificada na embalagem de amido e/ou quitosana, incorporada ou não com os nanocristais.

O estudo do Senai-Cimatec ainda está em fase de desenvolvimento das embalagens ecológicas, mas Bruna Machado informa que outros estágios já estão por vir e seguem um cronograma estabelecido. O próximo passo é avaliar o tempo de vida do produto na prateleira. Nessa etapa, serão observados parâmetros sensoriais, como coloração, consistência, aroma e sabor, além de aspectos microbiológicos e nutricionais das mangas acondicionadas.

Todo o sistema, segundo Bruna, será realizado de forma a simular a maneira como os frutos poderão ser exportados em sua forma fresh-cut e empacotados em freezers. “Em média, o transporte de cargas de um país para outro por via marítima leva de 14 a 40 dias, mas nossa investigação deverá durar 90 dias para avaliar o tempo de estocagem das mangas até a fase em que serão vendidas diretamente ao consumidor estrangeiro”, anuncia.

As atividades do projeto, intitulado “Desenvolvimento, caracterização e análise comparativa de diferentes embalagens para acondicionamento de mangas fresh-cut para agregação de valor ao processo de exportação”, tiveram início em novembro de 2014, após ter sido contemplado no Edital de Apoio a Soluções para a Fruticultura no Estado da Bahia, da Fapesb. O recurso aportado é de R$ 192 mil, incluindo duas bolsas de pesquisa, sendo uma de iniciação científica e outra de apoio técnico. Um estudante de mestrado também participa do projeto, feito em colaboração com a UFBA, a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

A pesquisa está prevista para ser feita durante 34 meses e envolve desde o desenvolvimento das embalagens, a avaliação do estado de vida de prateleira, até a publicação de artigo e depósito de patente, se for o caso. Bruna Machado chama a atenção para o fato de que o objetivo do estudo não é substituir as embalagens de papelão, que são tradicionalmente usadas no transporte das mangas, e sim oferecer uma opção diferenciada na linha de produção do agronegócio baiano.

TECNOLOGIA LIMPA
Um quesito que deve ser levado em consideração é que as embalagens provenientes de fontes naturais renováveis têm sido foco de interesse para o desenvolvimento de novas tecnologias que visam à preservação ambiental e a busca de potenciais alternativas de substituição de plásticos convencionais oriundos do petróleo, que levam centenas de anos para se decompor.
O engenheiro de materiais José Manoel Marconcini, do Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio da Embrapa Instrumentação, localizado em São Carlos, no interior de São Paulo, explica que na literatura científica existem estudos que avaliam frutas em seu estado minimamente processado utilizando embalagens convencionais, como, por exemplo, produzidas com poli (ácido lático), ou PLA, um produto comercial derivado do milho, uma fonte natural renovável e biodegradável. Outras embalagens também bastante estudadas são as produzidas a partir da espécie bacteriana Burkholderia sacchari, que se alimenta do açúcar da cana, chamadas de poli-hidroxibutirato (PHB).

Marconcini chama a atenção para as dificuldades de inserção da embalagem biodegradável no mercado. Ele explica que o principal empecilho pode ser o preço final do produto. “Se a embalagem for muito cara, o consumidor não vai querer pagar”, diz. No caso das embalagens comestíveis, como a desenvolvida na Embrapa, o pesquisador afirma que as barreiras de laboratório já foram vencidas e o processo de transferência para as empresas já está em fase de negociação. “O mercado de alimentos read to eat (pronto para comer) e fresh-cut está crescendo exponencialmente e existe uma série de empresas interessadas em absorver essas tecnologias”, evidencia.

Na Bahia, ainda não há uma produção local de filmes biodegradáveis. Segundo Bruna Machado, no momento, o que está sendo produzido é em escala laboratorial. “Após os resultados de nossa pesquisa, visamos à possibilidade de produção industrial”, diz. “Estamos unindo esforços com a UFBA, mais especificamente com a professora Janice Druzian, da Faculdade de Farmácia, para viabilizar a produção industrial dessas embalagens”, completa.

No mercado baiano de exportação de mangas acompanha-se com atenção esses novos desenvolvimentos de embalgens.O exportador de frutas Sílvio Medeiros, da Agrobras, empresa localizada em Casa Nova, entende que o consumidor do exterior quer praticidade e diz que as frutas fresh-cut já ocupam cerca de 20% das vendas no mercado americano. “Se o preço da embalagem não encarecer muito o produto, os nossos ganhos e o da economia baiana podem ser maiores”, comenta em relação à possibilidade de usar embalagens biodegradáveis.

Outro executivo do setor, Thiago Silva, da Ibacem Agrícola Comércio e Exportação, com sede em Juazeiro, ressaltou que só em feiras internacionais vê essas novas embalagens biodegradáveis. “Entramos em contato com essa tecnologia em feiras agrícolas fora do país.” O gerente agrícola gostaria de testar o produto do Senai-Cimatec como uma opção a mais na oferta de produtos da Ibacem.

Para Bruna Machado, Sílvio Medeiros e Thiago Silva são potenciais parceiros de seu projeto, além das cooperativas e packing houses da região do Vale do Submédio do São Francisco e Sudoeste da Bahia. “Essa é a nossa ideia inicial, transferir o conhecimento aos produtores. Nossa esperança é que eles possam adequar a infraestrutura de suas fazendas para poder produzir essas embalagens e utilizá-las no processamento das frutas”, diz.

A pesquisadora comenta que, para a coleta das mangas voltadas ao estudo, o grupo do Senai-Cimatec visitou os principais produtores da fruta no estado e estabeleceu o compromisso de transmitir os resultados dos testes em laboratório. “Também pretendemos elaborar uma cartilha ensinando como fazer o corte das mangas, embalá-las e acondicioná-las”, acrescenta. Ainda de acordo com Bruna, outra possibilidade poderia ser a colaboração com empresas que já produzem embalagens biodegradáveis.
A manga brasileira é um dos objetos de desejo nas prateleiras dos supermercados americanos e europeus. Trata-se de uma das frutas tropicais mais consumidas em todo o mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), o Brasil ocupa o terceiro lugar na produção mundial de frutas, sendo o sétimo produtor mundial de manga. Ainda de acordo com os dados da FAO, em 2010, foram exportadas cerca de 120 mil toneladas de manga, com uma receita próxima a US$ 120 milhões. Em 2011, apesar do pequeno crescimento do volume, que passou para 127 mil toneladas, a receita de exportação se aproximou dos US$ 141 milhões por causa dos bons preços da manga brasileira no mercado internacional.

Nesse cenário, a Bahia lidera, pois é responsável pelo abastecimento dos mercados mais exigentes, dominando as exportações brasileiras. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as mangas do Vale do Submédio São Francisco responderam, em 2012, por aproximadamente 80% do total exportado pelo país. Até outubro do mesmo ano, o Brasil havia exportado cerca de 90 mil toneladas do fruto. Deste total, cerca de 80 mil tiveram origem nessa região. Na Bahia, as cidades de Juazeiro, Livramento de Nossa Senhora e Dom Basílio se destacam como os maiores polos produtores de manga.

Enquanto soluções tecnológicas não são incorporadas pelos produtores brasileiros, já existem companhias internacionais que atuam na exportação de mangas e apostam na logística de transporte. Um exemplo é a empresa Blue Skies, que investe no processamento das frutas no país de origem em vez de serem transportadas e processadas nos países de consumo. “Conseguimos entregar nos pontos de venda as frutas frescas diretamente do produtor num período de 48 horas via transporte aéreo”, informa Simon Derrick, gerente de comunicação. Segundo ele, este processo rápido garante que as frutas mantenham as suas características sem a adição de conservantes. As mangas brasileiras são acondicionadas em bandejas de plástico PET reciclável e embaladas em uma película respirável. “Ao fazermos isso, acreditamos que cerca de 70% do valor fica no país de origem, em comparação com os 15% quando o processamento é feito em outro local.”

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