Glifosato: “Não cabe ao Judiciário suspender comercialização”

“O Poder Judiciário pode e deve ser chamado para combater ilegalidades e coibir injustiças praticadas pelo poder público, à luz de critérios fundados em razoabilidade, moralidade e eficiência. Mas, não lhe cabe decidir sobre a suspensão da comercialização de produtos já avaliados tecnicamente pelos órgãos competentes e comercializados há décadas”. A afirmação é da advogada Lidia Santos, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS).


Ela comentava a iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), que ajuizou duas ações civis públicas com o objetivo de suspender a avaliação e a comercialização de defensivos agrícolas à base de parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate, glifosato e 2,4-D. “Utilizados na agropecuária brasileira e de outros países, estes produtos encontram-se, hoje, em procedimento de reavaliação toxicológica instaurado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, relembra Lidia, que é Sócia do escritório Figueiredo e Santos Advogados.

“Se forem julgadas procedentes tais ações, cerca de 180 produtos formulados registrados terão a sua comercialização impedida. Isso causará um drástico impacto econômico nas culturas de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, café, feijão, frutas, legumes e hortaliças e no controle de pragas em pastagens”, ressalta.

“O MPF alega que a demora injustificada da Anvisa em concluir os procedimentos de reavaliação poderia gerar danos à saúde da população. Essa decisão, pelas normas vigentes, deve ser tomada com o cumprimento rigoroso de aspectos técnicos, pela Comissão de Reavaliação, formada pela Anvisa, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, esclarece ela.

De acordo com a especialista, “essa decisão deve ser adotada no final dos procedimentos de reavaliação, de competência da Anvisa, do MAPA e do Ibama – conforme mencionado anteriormente –, de modo a garantir o devido processo legal às empresas titulares do registro dos produtos”.

“Em que pese a louvável intenção de proteger a saúde da população, o MPF não pode invocar os princípios ambientais da precaução e da prevenção, justamente porque já são aplicados na instauração do procedimento de reavaliação, de acordo com as leis brasileiras. Enquanto não for concluído o procedimento de reavaliação toxicológica, que está em pleno curso, suspender a comercialização desses produtos à base daqueles ingredientes ativos, por determinação judicial, poderá implicar sérios prejuízos para a agricultura nacional”, sustenta.

“Recentemente, contudo, foi determinado, em decisão liminar, que a Anvisa conclua a reavaliação dos ingredientes ativos lactofem, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate e glifosato, no prazo máximo de noventa dias. Resta assegurar, por fim, que, mesmo diante do prazo judicialmente estabelecido, os direitos e as garantias individuais dos administrados sejam respeitados”, conclui.


A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgou no último dia 22 sua revisão sobre o agrotóxico2,4-D, classificando-o como provável cancerígeno para seres humanos. O produto é o terceiro agrotóxico mais usado no Brasil, sendo aplicado nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo. É classificado como extremamente tóxico.
Pelas evidências científicas já acumuladas e por essa definição mais recente do IARC, vê-se que se trata de produto que já deveria estar com seus dias contados e a caminho dabanimento, como já fizeram em 1997 Dinamarca, Suécia e Noruega.
Na contramão desse processo segue a CTNBio, que em decisões recentes liberou a comercialização de variedades de soja e milho transgênicos resistentes exatamente ao 2,4-D. Assim, um produto que deveria sair do mercado acaba de ver no Brasil enorme possibilidade de perpetuar e aumentar suas vendas, à custa da saúde pública e do ambiente.
Em março, a mesma agência classificou o glifosato, ingrediente do herbicida mais usado no Brasil e no mundo, também como provável agente carcinogênico para humanos.
Após a nota do IARC a Anvisa comprometeu-se a concluir a reavaliação toxicológica do glifosato. Espera-se que agora assuma o mesmo compromisso no que se refere ao 2,4-D.



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