A agroecologia está emergindo como um novo mercado para a agricultura camponesa.

Na safra 2019, membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Rio Grande do Sul, Brasil, comemoraram uma colheita estimada em 16.000 toneladas de arroz orgânico e agroecológico, a maior produção desse tipo em todo o país. 363 famílias em 15 assentamentos trabalham na produção de arroz. 

No sul de Minas Gerais, 20 famílias da comunidade quilombola de Campo Grande produzem café orgânico e agroecológico guaií, reconhecido internacionalmente por sua alta qualidade. Coordenado por duas coletivas de mulheres, o processo de produção também é livre de agrotóxicos. 

No Ceará, os pequenos produtores rurais da Chapada do Apodi, depois de anos enfrentando grandes corporações agrícolas e um enorme esforço para recuperar terras, criaram um novo mercado regional para a venda de mandioca e feijão orgânicos. A região é conhecida por sua grande produção de banana para exportação e também por contaminação por agrotóxicos.
"São três exemplos em três regiões do Brasil, mas eu poderia apresentar casos em todas as regiões do mundo. 
Eles envolvem um processo de resistência e superação da questão agrária global. 
Após décadas de subordinação ao agronegócio, os movimentos socioterritoriais criaram seus sistema alimentar próprio baseado na agroecologia ", afirmou Bernardo Mançano Fernandes, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia e do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), em palestra realizada em novembro 22 em Paris na FAPESP Week France. 
Segundo o geógrafo, apesar de economistas e governos apostarem há muito tempo que a solução para essa população seria produzir commodities para o agronegócio, os movimentos entenderam que é possível produzir para a sociedade, sem intermediários e criando um novo mercado.

Assim, alguns movimentos camponeses brasileiros inovaram com a criação de um novo sistema alimentar. "Esse novo sistema é baseado nos princípios da soberania alimentar, com experiências de produção agroecológica, empresas familiares e mercados comunitários, bem como, é claro, a luta por terras. Até recentemente, esses camponeses eram submetidos a processos de desterritorialização, quando, devido a pressões econômicas, eles tiveram suas terras expropriadas. Mais recentemente, houve reterritorialização, quando tentaram retornar à terra ", afirmou. 

Fernandes coordena a Cátedra UNESCO de Educação Rural e Desenvolvimento Territorial, que, por meio de um convênio entre a UNESP, a UNESCO e a Via Campesina, criou o primeiro programa de pós-graduação para a população de territórios tradicionais focada no desenvolvimento territorial sustentável.
Uma condição da existência dos movimentos socioterritoriais indígenas, "quilombolas" ou camponeses é território. 
"São pessoas que não existem sem seus territórios", afirmou. Segundo Fernandes, nas décadas de 1970 e 1980, vários governos tentaram implementar políticas para a "integração" dessas populações na produção de commodities agrícolas e pecuárias.
"Eles começaram a produzir commodities em pequena escala para grandes corporações.
No entanto, apesar desse processo ser chamado de integração, era de fato um processo de subordinação, pois criou uma série de problemas para essas famílias e territórios, como a pobreza. e a perda de terra ", disse ele.
Foi a partir da década de 1990 que surgiu um novo conceito - o da soberania alimentar - criado pelos movimentos socioterritoriais, cuja linha de frente era a Via Campesina, baseada em agroecologia, ou seja, agricultura baseada em uma perspectiva ecológica. . 
"Isso está acontecendo em quase todos os países do mundo e, evidentemente, no Brasil, pois há uma demanda cada vez maior pela produção de alimentos saudáveis. 
É um novo mercado", afirmou. 

Vendendo diretamente ao consumidor 
Outra característica desse fenômeno global, ligada ao movimento quilombola e camponês indígena , é que não compete com o modo tradicional de monocultura, em grandes propriedades terrestres e com o uso de agrotóxicos. "É outra lógica. Não faz sentido que a agroecologia concorra com a forma capitalista do agronegócio.
São modelos diferentes de produção e produto, com diferentes qualidades e escalas", afirmou. Seguindo essa mesma lógica, os produtos orgânicos e agroecológicos não são vendidos para grandes corporações, mas em feiras, mercados institucionais e lojas cooperativas. 
"Eles estão criando novos mercados e relacionamentos com as comunidades que apoiam o agricultor, oferecendo cestas orgânicas e agroecológicas vendidas diretamente ao consumidor. Também vendem para escolas e hospitais", afirmou. Segundo Fernandes, todas as famílias de agricultores que produzem arroz, feijão, mandioca e café nos exemplos mencionados no Rio Grande do Sul, Ceará e Minas Gerais estavam subordinadas ao modelo do agronegócio. "Agora, organizados no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, eles recuperaram seus territórios e passaram a produzir alimentos orgânicos e agroecológicos, pois entendiam que era a única maneira de continuar existindo", afirmou.
Fernandes destaca que, embora seja o mais conhecido, o MST é apenas um dos 126 movimentos socioterritoriais listados no Brasil pelo DATALUTA - o banco de dados da Luta pela Terra, do Centro de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) na UNESP.

Fonte Phys.Org

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