Chef acredita que falta apoio para promover o País através da gastronomia

Entrevista com chef francês Laurent Suaudeau, representante do Bocuse D’Or no Brasil, sobre a importância da vitória brasileira na etapa latina-americana do concurso.
Ana Paula Boni Radicado no Brasil desde 1979, o francês Laurent Suaudeau, 58 anos, é um guardião da cozinha francesa e um pioneiro da gastronomia brasileira. Laurent chegou ao Brasil enviado por seu mentor, Paul Bocuse, um dos expoentes da nouvelle cuisine e que completou 90 anos na semana passada. Desembarcou no Rio e encontrou restaurantes de cozinha internacional feita por estrangeiros dentro de hotéis.

O francês se encantou com ingredientes brasileiros e passou a usá-los, sem abandonar a base francesa. Junto com Claude Troisgros, transformou a cozinha brasileira. Laurent formou uma legião de cozinheiros, abriu e fechou restaurantes e hoje assina o menu do Kaá, em SP. Comanda uma escola com seu nome e é o representante do Bocuse D’Or no Brasil, competição de que o Brasil participa desde 1989.
O Brasil na copa do mundo da gastronomia
Qual a importância do Bocuse D’Or?
O concurso coloca o jovem diante do desafio da aplicação da perfeição na execução do trabalho. Não existe um grande profissional sem a consciência da busca da perfeição no dia-a-dia. Além disso, o concurso mostra o esforço pelo reconhecimento. Essa vitória mostra o quanto o Brasil pode pertencer ao mundo da grande cozinha por puro mérito.
Qual a diferença entre o Bocuse D’Or e reality shows de cozinha na TV?
Um concurso promove um métier, um programa de TV promove um indivíduo, de forma imediatista. Para se ter uma sociedade mais equilibrada, é melhor trabalhar um pouco mais no conceito da formação do indivíduo, pensar no que ele representa, como uma fonte social, econômica e cultural.
A melhor posição que o Brasil já teve no Bocuse D’Or Mundial foi 10º lugar. O que falta para chegar ao pódio?
Um: candidatos com disponibilidade para treinar. Dois: apoio de instituições. E três: apoio de empresas. No Brasil, empresas preferem pagar por um espaço mínimo na TV usando um ator de novela para vender 150g de carne. Eles deveriam olhar mais à frente, apoiando iniciativas em que jovens se entregam para defender a gastronomia de seu país. Não é patriotismo raso. É querer mostrar o amor pela sua terra e a sua cozinha.
Vocês não tiveram apoio algum?
Não. Eu, como Escola Laurent, arquei com todo o custo operacional, aluguel, água, luz, minhas horas de trabalho e as horas de minha equipe. A Fagga, braço brasileiro da GL Events (que organiza o concurso), arcou com os ingredientes do treino. Ainda tive ajuda com ingredientes de alguns parceiros da escola, mas nenhum patrocínio financeiro.
E o governo?
Eu não gosto de falar em “governo”, porque é uma coisa muito ampla. Mas há órgãos de promoção da imagem do País... E não tivemos qualquer apoio deles. Tem país que parte do princípio que, se um cidadão foi selecionado para um encontro internacional, em que vai representar seu país, ele merece apoio. É o caso do Japão, dos EUA, do Chile e do Peru. Eles têm um conselho com produtores, empresas do setor alimentício, para trabalhar pela exportação de seus produtos e sua imagem.
O que essa vitória traz ao Brasil?
Torço para ver uma mudança na promoção da gastronomia. Deveríamos ter pequenos concursos de regiões, com ingredientes locais, liderados por chefs regionais. Sempre nessa fronteira da promoção de setor, um processo educacional e cultural. A promoção da gastronomia no Brasil deveria ser menos imediatista. E espero também que a vitória mostre ao jovem cozinheiro a importância de trabalhar para desenvolver a área e não apenas para sua projeção pessoal, para ser famoso.
O imediatismo é um reflexo da formação do cozinheiro no Brasil?
As escolas têm de parar de mostrar que o reconhecimento profissional é vinculado a um ganho imediato. Começa pela palavra chef, que está errada. Deveria haver mais estágios, parcerias entre restaurantes e universidades. Na hora da escolha dos professores, o modelo de ensino no Brasil não reconhece capacidade manual, experiência, só reconhece títulos – um cara com 20 anos de profissão não pode ser professor se não tiver títulos. Não há iniciativa do Ministério da Educação para encontrar chefs competentes que ajudem a formatar um modelo de ensino. Resultado: hoje 90% dos jovens formados duram só três anos no mercado de trabalho. Ninguém contou para eles o que iam encontrar. E ainda tem a TV, onde você faz um pratinho e ganha dinheiro e carro. Está tudo errado.
Essa celebração do indivíduo não está ligada, de certa forma, ao pedido de Paul Bocuse, décadas atrás, para que os chefs saíssem da cozinha e fossem pro salão?
Sim, mas agora monsieur Bocuse está dizendo aos chefs que voltem para seus fogões! Ele foi o primeiro a promover a saída do cozinheiro da cozinha. A ideia era promover a cozinha. Mas o que predominou foi a intenção de se promover. Voltar para a cozinha é para cozinhar, formar gente, incentivar equipe, ensinar, cobrar.
Os jovens têm preconceito com a base clássica francesa porque se encantaram com a vanguarda espanhola ou a linha nórdica, por exemplo?
Acho que falta a eles entenderem profundamente o que a cozinha francesa representa na construção da carreira de um cozinheiro. Óbvio que eles estão sendo levados pela cozinha tecnoemocional da vanguarda espanhola. Mas a cozinha clássica francesa é, antes de mais nada, de reflexão. Se depois a execução se traduz no uso de alta tecnologia e até de alguns ingredientes que podem ajudar a modificar texturas e apresentação, ótimo. Mas a base tem de estar ali. Saber fazer um molho de forma adequada, o que representa a clarificação, entender de temperaturas. A cozinha clássica francesa é a base da formação. Depois, como o cozinheiro vai usar isso, com os ingredientes do seu país e a tecnologia que ele quiser, é outra questão.
Como os jovens podem mudar essa situação no Brasil?
Um: aprenda com quem sabe. Dois: execute com muita paixão. Três: respeite – o que coroa tudo isso é o respeito à equipe, aos fornecedores, ao cliente e ao seu métier. Respeite o ofício que você escolheu e tudo o que ele representa dentro de um processo histórico, não imediatista.

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