Esquerda Francesa mobiliza-se para a segunda volta: “Chegou a hora de uma nova resistência”

“Chegou a hora de uma nova resistência”

Ele viu a humanidade em muito perigo. Edgar Morin completará 103 anos no dia seguinte ao segundo turno das eleições legislativas de domingo, 7 de julho.

O pensador da “complexidade”, que viveu a guerra, a Ocupação, a Resistência, durante a qual o filho de judeus de Salónica, nascido Nahoum, se autodenominava Morin, acredita que a Reunião Nacional (RN), que ambiciona a maioria absoluta – embora cada vez mais ameaçado pela hipótese de uma coligação anti-RN – no final da votação, ignora “a realidade francesa que é a diversidade na unidade”.

Ele, o diretor emérito de investigação do CNRS, viu o país, conheceu tantas pessoas, observou “os comunistas a tornarem-se fascistas, os monarquistas a tornarem-se comunistas”. Autor de mais de uma centena de obras, incluindo a sua principal obra Método e mais recentemente O Ano Perdeu a Primavera (Denoël), ele observa que se as tragédias se sucedem "com diferenças", a inconsciência dos que estão no poder na "corrida para desastre” é uma constante.


Edgar Morin apela ao antifascismo. Annie Ernaux à união na eleição “pela qual os nossos descendentes nos julgarão” e depois da qual “é preciso continuar a lutar juntos pela justiça social”. São duas vozes entre muitas contra a União Nacional a poucos dias da segunda volta e quando a extrema-direita fugiu ao último debate.

Milhares manifestaram-se a partir do final da tarde de quarta-feira em França contra a extrema-direita. Em Paris, a Praça da República encheu-se depois da convocatória de sindicatos, meios de comunicação social independentes, movimentos sociais e associações como a Liga dos Direitos Humanos, a Attac e o SOS Racismo. Nela se explicava que o projeto da União Nacional está “baseado na desigualdade, discriminação, racismo e anti-semitismo, espezinha os valores da República e ameaça a nossa democracia”. Por isso apela-se ao voto, sabendo que votar “num adversário político” - como se pede para impedir a maioria absoluta da extrema-direita - é “um ato difícil” mas também é “indispensável se queremos salvar a nossa capacidade de viver junto”.

As palavras de ordem “resistência”, “somos todos antifascistas” e “no pasarán” soaram inúmeras vezes enquanto num palco se sucediam intervenções.

Por mensagem de vídeo, a prémio Nobel da Literatura Annie Ernaux, diz: “a eleição pela qual os nossos descendentes nos julgarão aproxima-se, já está aqui, no próximo domingo. Há que travar a União Nacional. Tem de existir uma maioria que vote nos candidatos que se lhe opõem. 

E depois? Depois é preciso continuar a lutar juntos pela justiça social.” A escritora tinha já apelad ao voto na segunda volta em Philippe Poutou, dirigente do Novo Partido Anticapitalista que se apresenta pela Nova Frente Popular.

Imigrantes e filhos e filhas de imigrantes portugueses: para que a história não se repita no país que nos acolheu

A economista Julia Cagé quis meter o dedo na ferida referindo que “a responsabilidade da esquerda é imensa” na atual situação. Assim questionou “o que fez a esquerda para perder todas estas cidades e vilas em que deveria ter conquistado, investido, transformado” e avançou que, no futuro, esta “terá de ser mais ambiciosa, no imposto sobre a riqueza, no aumento dos salários, na tributação das multinacionais”.

O historiador Patrick Boucheron concentrou-se por sua vez no que faz a extrema-direita, que quando está no poder “não o devolve facilmente, faz com que o Estado de direito seja desestabilizado, que os homens no poder destruam as liberdades públicas, que tudo seja posto em causa”.

A sua conclusão é também defendida por uma peça do jornalista Romain Philips na RF. Aí se analisam declarações de dirigentes da UN e se mostra que o Estado de Direito é “um alvo frequente da extrema-direita” com ataques, por exemplo, ao Tribunal Constitucional. Uma das citações é do candidato Pierre Gentillet que fala abertamente em contornar o órgão judicial para “libertar-nos de certas normas que nos envenenam” com o objetivo de poder “fazer tudo”. Quando aquele tribunal censurou parte da lei de imigração, Bardella e Ciotti colocaram em causa a sua legitimidade. O Constitucional é visto como uma das principais possíveis força de bloqueio a uma maioria porque medidas como a “prioridade aos franceses” ou o fim do “direito de solo”, o direito à nacionalidade para quem nasça em França, são inconstitucionais.

Não tendo estado presente no comício, o filósofo Edgar Morin, agora com 104 anos, numa entrevista ao Libératio, não quis deixar de somar a sua voz aos outros antifascistas. Para ele, “chegou a hora de uma nova resistência”, sendo preciso criar “oásis de fraternidade” face “às mentiras, às ilusões e às histerias coletivas”.

A extrema-direita fugiu ao debate

Se tudo tivesse corrido como previsto, enquanto ainda decorreria esta manifestação, a noite televisiva desta quarta-feira teria sido um dos momentos decisivos das eleições com o último debate antes da votação de domingo. A extrema-direita assim não quis.

Jordan Bardella fez saber à BFMTV que a condição para participar seria a presença da figura histórica dos insubmissos, Jean-Luc Mélenchon, que ocupa o centro da sua estratégia de ataque à Nova Frente Popular e que designou como principal adversário. Só que esta coligação tinha estabelecido que dirigentes escolhidos pelos seus três principais partidos participariam rotativamente nestes debates. Depois dos líderes da França Insubmissa e do Partido Socialista, Manuel Bompard e Olivier Faure, foi agora a vez de Marine Tondelier, dos Verdes, com a qual Bardella não quis debater.

A “solução” encontrada foi passar três entrevistas sucessivamente. Tondelier acusou o líder da extrema-direita de “medo de debater” e de “não ter músculo” mas “garganta”, criticou Macron por ser “um Robin dos Bosques ao contrário” e defendeu justiça fiscal e investimento nos setores sociais.

E o atual primeiro-ministro Gabriel Attal afirmou pretender “defender os franceses das subidas de impostos, proteger o poder de compra, a segurança do quotidiano e investir na educação”, considerando ainda uma maioria de extrema-direita “terrível para o país”.

Bardella insistiu que a esquerda “esconde” Mélenchon e diz estar convencido de chegar à maioria absoluta, acreditando que os eleitores de esquerda e de Macron não vão votar em candidatos contra os quais se manifestam. Mas se lhe faltarem votos no parlamento diz que os encontrará à direita.

Os candidatos que contrariam a “desdiabolização” da União NacionalA poucos dias das eleições, a União Nacional continua também a estratégia, seguida desde há anos, de se mostrar uma força “respeitável”, a chamada “desdiabolização” do partido. 

Às portas do poder, as investigações de vários órgãos de comunicação social sobre vários dos candidatos a deputados tornaram-se um forte embaraço, desmentindo a imagem que se pretendia construir.

A muitas frases racistas, homofóbicas e ataques insultuosos nas redes sociais, juntam-se casos caricatos como o da candidata pelo círculo de Mayenne, Annie-Claire Bell, que foi condenada a prisão em 1995 por “fazer reféns à mão armada”, ou de Paule Veyre de Soras, que disse que não era racista porque tinha um “dentista muçulmano” e um “oftalmologista judeu”, e que depois viu o chefe local do partido de extrema-direita justificar a sua apresentação às eleições por razões de “inclusão” porque tem “problemas cognitivos”.

Para além dos casos já documentados nas últimas semanas, descobriu-se agor que há quem tente desculpar Jean-Marie Le Pen por ter dito que as câmaras de gás nazis eram “um detalhe da história”, quem tenha chamado “clandestinos” aos jogadores da “pseudo-equipa de França”, a seleção de futebol do seu país, quem admita fazer “humor racista” mas promete parar se for eleito, quem escreva nas redes sociais que quer mandar “os africanos para África”, quem apoie claramente a teoria racista da “substituição populacional” e culpe migrantes de todos os crimes, quem tenha revelado nostalgia pelo proibido movimento fascista Ordem Nova e quem tenha admitido que dela fez parte, quem tenha tirado fotos com t-shirt supremacistas brancas a dizer “white pride”, quem recomende filmes que espalham a teoria da conspiração QAnon, quem seja contra a vacinação, quem seja fundador de grupos pró-Putin, quem garanta que os sindicatos são “colaboradores do Hamas”, quem jure que o centro de acolhimento de migrantes local trouxe muita insegurança apesar de não ter ainda ninguém lá alojado, ou quem sendo da extrema-direita monárquica tenha jurado que não votava nesta República, mas tenha mudado de ideias agora que é candidato. Já para não falar de Ludivine Daoudi, que se fez fotografar com um chapéu da aviação nazi e que depois acabou por retirar a candidatura.Uma lista muito incompleta de casos que obrigaram Bardella a justificar-se mais uma vez. 

Aos microfones da BFMT, condenou as declarações do seu candidato que queria excluir cidadãos de origem magrebina com nacionalidade francesa de aceder a “altos cargos” no país. E justificou que o partido teve de escolher os candidatos “em poucas horas”, podendo assim haver “dois ou três” que defendam ideias contrárias ao partido e que são “ovelhas más”.Para além dos candidatos, também os amigos da UN são um embaraço escusado em campanha. 

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou na sua conta oficial um twee no qual acompanhava a cara de Marine Le Pen com a declaração de que “o povo francês quer uma política estrangeira soberana que serve os seus interesses nacionais e uma rutura com o diktat de Washington e Bruxelas”.


fonte esquerda.net


Comentários

Postagens mais visitadas