MST: a fórmula arroz-com-feijão do modelo de negócios para socializar os orgânicos
MST: a fórmula arroz-com-feijão do modelo de negócios para socializar os orgânicos
Rede varejista Armazém do Campo, criada há sete anos pelo MST, planeja dobrar de tamanho em 2023 e socializar alimentos orgânicos. Crédito: Claudio Gatti
Por Lara Sant’Anna
Em setembro de 2020 o arroz foi o grande vilão da inflação. O quilo do grão branco tradicional chegou a R$ 8 nos supermercados. Na mesma época, nas redes Armazém do Campo o preço do produto orgânico se mantinha 25% mais baixo, a R$ 6. O segredo não estava na gestão de estoque ou falta de repasse de valores, mas sim porque a rede é a experiência de varejo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – maior produtor de arroz orgânico no País. Com 39 anos de atuação, ele ainda é atrelado no imaginário conservador somente às ocupações de terras improdutivas e à luta no campo. Causas ainda mantidas, mas não únicas. Com sua rede de mercados, prova que é viável existir modelos diferentes para o varejo alimentar, permite a geração de renda direta para trabalhadores rurais atrelada à oferta de alimentos de maior qualidade a preços justos. Com atuais 24 lojas, a previsão é abrir mais 25 ainda este ano.
A história da rede Armazém do Campo começa antes de sua criação, com a primeira semente plantada no início do primeiro governo Lula, quando os orgânicos foram comprados para compor a merenda escolar. A partir disso, surge a necessidade de profissionalização da comercialização dos produtos dos assentamentos. Evoluindo o modelo organizado, surgem as feiras orgânicas nas cidades e, em 2016, a marca Armazém do Campo. Os mercados congregam produtos de assentados cultivados de forma orgânica e agroecológica. Ao todo, são mais de 1 mil organizações, entre associações e cooperativas, responsáveis pelo abastecimento da rede. Apesar de serem a maioria, a comercialização não é exclusiva dos participantes do MST. Outros grupos da agricultura familiar, como quilombolas e ribeirinhos, também oferecem sua produção por esse canal. “Nosso princípio é o associativismo. Trabalhar a cooperação em suas diversas dimensões”, disse o coordenador do Armazém do Campo, Ademar Ludwig.
Duas questões centrais na operação da rede são a logística e o sortimento dos produtos. A prioridade é sempre por aquilo que foi produzido localmente, facilitando o transporte. Para apoiar o abastecimento das regiões Sul e Sudeste há três centros de distribuição localizados em Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo. O desafio logístico somado ao princípio da produção agroecológica interfere na disponibilidade dos alimentos. Com uma cultura de consumo que desconsidera a sazonalidade, a tendência é que as pessoas queiram tudo a qualquer hora. Para driblar isso, a aposta é pela diversidade de opções. “A gente se esforça para ter tomate o ano todo, mas por causa da logística aumenta-se o valor, e a filosofia do orgânico também é ter um preço mais fixo”, disse Ludwig.
A precificação foi um dos fatores responsáveis pelo crescimento na visibilidade do Armazém do Campo. Nos últimos anos, enquanto a inflação dos alimentos elevou o preço da cesta básica, Ludwig garante que a rede pôde manter uma constância. “O alimento tem que ser baseado a partir da produção dele, não de uma commodity.” Essa mentalidade traz alguma segurança na composição dos valores. Outro fator que ajuda a explicar o crescimento da rede é o aumento do interesse por produtos orgânicos nacionalmente. Para o diretor da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), Cobi Cruz, a procura, apesar de ainda pequena dado seu potencial, cresce com a preocupação das pessoas com uma alimentação mais saudável, a sustentabilidade e a facilidade de acesso. “Percebe-se que há uma reestruturação por esse tipo de produto.”
E-COMMERCE Além de redes de lojas físicas, o Armazém do Campo tem uma operação on-line. Em São Paulo, cidade com a loja piloto do modelo e maior volume em vendas, essa estrutura é mais consolidada. O site tem como foco a venda dos produtos industrializados para a região e nos acessórios, como os bonés, distribuídos para todo o Brasil. Já pelo WhatsApp é realizada a venda dos hortifrútis. Os dois canais juntos representam entre 20% a 25% do faturamento da loja. Sem divulgar o valor arrecadado com as vendas, Ludwig explica que a lógica da composição financeira é para manter a operação das unidades, considerando gasto com funcionários, aluguel do espaço, contas e manutenção. Já o lucro vai todo para o produtor. Apenas em São Paulo são vendidos 500 mil itens por ano, com 40 mil atendimentos no período. O crescimento no faturamento é na ordem de 10% ao ano, considerando lojas mais maduras. O plano de expansão, traçado em 2020, prevê dobrar o número de lojas anualmente. O que tudo indica será cumprido em 2023, com a abertura de 25 unidades. Testando um modelo não convencional, o MST expande sua atuação para o varejo.
Isto é dinheiro
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