Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-B BemBem ou Bolo de Bembem 

Uma receita muito tradicional na Bahia dos 40, o BemBem, perdida entre cadernos de receitas e folhas rabiscadas, demonstra a variedade de docinhos, bolos e preparações que se perderam, mas que fazem parte do rico acervo da culinária doce da Bahia.
A predominância é o coco, atesta o bem querer e a doçura tipica da boa terra, que não se rende ao amargo das coisas triviais e cotidianas da vida.



























Bolo de Bembem
Ingredientes: 
6 gemas 
2 xícaras de açúcar 
3 xícaras de farinha de trigo 
1 xícara de leite de Coco(sem água) 
1 xícara de manteiga 
1 colher(das de café) de água de flor de laranjeira 
1 colher(das de sopa) de canela em pó 
1 colher (das de café) de fermento 

Modo de preparo: 
Bater o açúcar, as gemas e a manteiga, até ficar um creme branco e fofo. Acrescentar o leite de Coco, alternando com a farinha de trigo, acrescente o fermento, a água de flor de laranjeira e a canela. 
Leve a assar em forma untada e enfarinhada, em forno médio. 

O bem e o mal, tem medo da razão.

No texto do Luiz Felipe Pondé, "O conflito entre o bem e o bem" fui encontrar algumas respostas. 
"tragédia é uma de minhas casas", afirma o autor, talvez a mais “minha” de todas. 
Ao longo da vida percebemos que as pessoas sofrem, resolvem problemas, fazem escolhas entre X e Y, enfim, enfrentam a labuta do dia a dia. 
Com o tempo, sem saber ao certo a razão, desenvolvi um encanto por essa capacidade de ação dos meus semelhantes. Hoje, sei que existia nesse encanto que sentia o reconhecimento de que os seres humanos, na sua infinita batalha cotidiana, mereciam aquilo que só mais maduro pude saber o que era: que eles mereciam reverência. 

Segundo o filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): a vida dos seres humanos desperta em nós, quando olhamos com atenção, “terror e piedade”, traços claros da tragédia grega. 
Alguns de nós, aprendemos que somos como heróis da tragédia: combatemos até o fim, mas sempre seremos derrotados ao final, não só a morte enquanto tal, mas as perdas, as frustrações, as mentiras, os amores impossíveis, dores de todos os tipos. 
Evidente que isso tudo é atravessado por uma profunda beleza e coragem que, às vezes, assim como que num ato de graça, conseguimos até tocar com as mãos ou sentir seu perfume. 
Beleza e coragem, que considero irmãs de sangue, tornam ainda mais evidente o reconhecimento de que os seres humanos merecem reverência nessa labuta sem fim. 

Sertanejos, Jagunços entre o bem e o mal
Se para Euclides o Sertanejo é um forte, para Guimarães Rosa, a valentia dos jagunços representava 
constantes da vida do sertão: a violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal. 

Joãozinho Bem Bem, jagunço de larga fama, é um personagem “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”
Tido pela crítica como um dos mais importantes contos de nossa literatura, condensa os vários temas presentes no livro: o sertão, o povo, a jagunçagem, a religiosidade e o amor. o apelido revelem algo da origem do personagem. 
Assim, pode-se interpretar que os primeiros anos do jagunço foram marcados por uma bondade intensa, da mesma intensidade que seu nome sugere. 
A maldade de Joãozinho Bem-Bem foi incorporada no decorrer de sua vida. 
Outro dado que comprova essa análise é o fato de ele “não ter fraco por mulheres”. 
Um homem que não aprecia a companhia feminina na cultura sertaneja não goza de grande prestígio social. 
Apenas um tipo de homem no sertão tem o direito de não cobiçar as mulheres sem ser tratado como efeminado: um padre. 
Assim como Nhô Augusto nasce mau e se torna bom, Seu Joãozinho Bem-Bem parece tornar-se mau depois de ter sido bom. Essa transformação radical dos personagens tem fim com a chegada da “hora e vez” de Matraga, o confronto final com Joãozinho Bem- Bem. 
Nesse duelo fatal, os conceitos de bem e mal caem por terra, pois o “bom” Augusto Estêves e o “mau” Joãozinho Bem-Bem envolvem-se em uma ação que supera o maniqueísmo: o primeiro faz o bem à família cometendo assassinato, enquanto o segundo, ao assassinar o protagonista, dá-lhe sua redenção. 
No universo sertanejo, o ethos é o do mais forte, das armas, dos jagunços, da justiça dos robustos, da força, em que os valores são respeitados, ‘estado de lei’, onde a lealdade junta-se à crueldade do mais forte. 
Joãozinho Bem-Bem é o representante desse ethos jagunço-sertanejo, protetor e perpetuador do sistema patriarcalista, do seu universo, do seu mundo, do sertão. 


Desta forma, na sua criação ficcional, Rosa teria posto no nome do personagem toda sua carga semântica, para designar o senhor da Ética do Sertão, a ética jagunça-sertaneja, “senhorio de si mesmo” e do seu universo. 
Confira o texto do Geraldo Rodrix, sobre o personagem marcante Joãozinho Bem-Bem:

Esse um, moço, era boiadeiro dos sertões baianos. 
Homem de muitos crimes, não enjeitava encrencas e quando não procuravam, ele mesmo provocava. 
De ano em ano vinha ao norte de Minas Gerais comprar gado nelore. 

Descia sempre no vapor de Pirapora até Januária, ali, vizitava aquelas casas de mulheres de vida fácil, trivial de todo boiadeiro naquele tempo.
Tinha uma velha bruaca de couro, vinha sempre cheia de dinheiro. Comprava uma mula arreada e saia pelo sertão mineiro comprando gado pé-duro. 
Homem valente, de muitos crimes, aquele Jãozinho Bem Bem. 

Sei como ele morreu. 
Diz que tava voltando pra Bahia, tocando uma boiada, tinha saído de Januária. 
Em certa altura ia um caboclo ribeirinho muntado num jumentinho, perninhas cruzadas sobre a bestinha, picando um fumo de rolo com uma faquinha, dessas mesmas própria para esse serviço de picar fumo. Ia despreocupado, calça e camisa de algodão grosso, descalço, chapéuzinho de palha, queimadinho de sol. Bem moço, quando o gado viu aquela figura bisonha, foi um "valha-me-Deus", estourou. 

Enquanto a pionada suvertia na caatinga pra juntar a boiada, Joãozinho Bem Bem foi tirar acerto com o capiau. 
Chegou arreliado, foi insultando o matuto e antes que ele se desculpasse, chegou-lhe o rabo-de-tatu no lombo. 
Bateu destrançado, como se batia em moleque malino, naquele tempo. 
Insultou o matuto até a quarta geração, pra trás e pra frente. O homenzinho ficou mesmo no sal. Pois bem, o gado foi arreunido, algum se perdeu, sempre se perde alguma reis num estouro, é comum demais. 
Algumas reses morrem, caem em pirambeias, quebram o pescoço, negócio feio mesmo. 

Mas, seu Joãozinho Bem Bem seguiu com sua boiada pra Bahia, o homenzinho, esse ficou mal, de dar dó. Seguiu seu rumo, se curou da sova, pensou na vida e tomou sua decisão. 
Depois daquela passagem, largou o ranchinho na curva do São Francisco e mudou-se para Januária. 

Diz que todo dia ia para o cais do porto, se agachava na beira do rio, junto a uma dessas pedras de amolar e amolava calmamente um punhal língua-de-tatu,esse mesmo que tinha dois cortes, com uma pontinha fina feito agulha e venenoso feito picada de cascavel. 
Os dias passando, as águas correndo e o caboclinho nesse bobo ofício. 
Caiu as chuvas no tempo das águas, plantou-se e colheu-se o milho, o feijão e o arroz nas vazantes e, então, chegou junho, começo da seca no sertão mineiro. 
Uma bela manhã, agitou-se o porto de Januária, a notícia corria que Joãozinho Bem Bem tava chegando no vapor para comprar gado. 
O caboclinho ainda amolou, mais uma vez, o seu punhal. Quando o vapor chegou, ele se misturou com o povaréu e quando Joãozinho Bem Bem desceu com toda a sua brabeza e a bruaca cheia de dinheiro, o caboclo se achegou de mansinho, chamou o homem calmamente e foi perguntando: __ Sô joãozim Bem Bem, o sinhô si alembra di mim? 
O baiano respondeu orgulhoso: __Não me alembro não sinhô! O caboclinho respondeu já empurrando o punhal na barriga do valentão:__Eu sou aquele hômi qui o sinhô bateu na istrada, viu? Diz que o Joãozinho Bem Bem ainda tentou arrancar a garrucha de estima, que sempre trazia na cintura, mas as forças já estavam minguando com a furada do matuto.

Foi rebuliço em januária e a notícia correu por todo sertão norte mineiro, na Bahia e até nos vaus do vale do Urucuia: Um, que ninguém conhecia, um pescador de traíra, matou o grande Joãozinho Bem Bem, homem afamado por sua valentia e dinheiro. 
Desse caboclo... nem o nome ninguém sabe mais...

Comentários

  1. Adorei a história, gostosa de ler! Esse bolo tem jeito de ser bom bom!
    Menino malino é demais. Ouvi uma vez em São Paulo uma nordestina que dizia: "menino tá malinando!"; agora encontro "malino" aqui nesse texto. Delícia, Loko!

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