Destronar a açúcaria para fazer a doçaria moderna

por Carlos Alberto Dória 
Um dos cinco sabores básicos é o doce. Não é o açúcar. 
No entanto tornou-se tão comum se tomar o segundo pelo primeiro que seria mais correto dizer que hoje temos uma “açúcaria“, não uma doçaria. 





















E quando até a Coca-Cola e a Pepsi puseram-se de acordo para reduzir à metade o peso do açúcar nos seus refrigerantes, é hora de se buscar restaurar a doçaria e destronar a açúcaria.
A submissão do mundo ao açúcar é obra da expansão portuguesa e espanhola pelas Américas. 
O apego ao açúcar foi o mesmo, historicamente, que a submissão dos vários povos conquistados à lógica do colonialismo. 
Teria sido muito bom se o açúcar não tivesse mudado de lugar na alimentação humana. 
À época das descobertas, no século XVI, ele ainda figurava entre as “drogas” ou especiarias às quais a medicina galênica recorria para equilibrar os humores do corpo, harmonizando o homem com a natureza. 
Comercializava-se em boticas ou farmácias. 
Foi entre os séculos XVIII e XIX que o açúcar descambou, passando de “especiaria” a “alimento”, e o surgimento dos candies, nos Estados Unidos, tinha o propósito de apresentar pequenas pílulas de “energia” a serem consumidos pelos trabalhadores braçais. 
Aí inicia o lado maldito da sua trajetória. 
Assim como o tabaco, o açúcar, ao perder o seu lugar numa alimentação equilibrada, e por isso virtuosa, começou a se voltar contra o homem. Contra a saúde do homem. Nesse percurso, realizou também um massacre cultural do “doce” que não era a sacarose ((C12H22O11), consolidando a hegemonia desse doce potencialmente maléfico que era a base da economia colonial há séculos. Como observa, em tom de confissão, o antropólogo Martin Cesar Tempás, na sua tese de doutoramento, Quanto mais doce, melhor: Um estudo antropológico das práticas alimentares da doce sociedade Mbyá-Guarani, falando sobre o seu mestrado: “Antes de iniciar o campo, naquela ocasião, fiz um levantamento bibliográfico sobre a alimentação nos grupos indígenas e poucas menções encontrei sobre os doces.

Pelo contrário, encontrei autores que negavam a produção de doces entre os indígenas (…Cascudo e Freyre…) e atribuíam o atual quadro doceiro brasileiro unicamente à influência portuguesa. 
Quando fui a campo observei que, ao contrário, os Mbyá-Guarani consumiam, sim, doces e os consideravam como tradicionais. 

Explorei muito pouco a questão do doce entre os Mbyá-Guarani na dissertação, faltou maturidade para reconhecer o filão” . 
Leia também: O SAL DE UNS VAI NO DOCE DE OUTROS: SOBRE AS METÁFORAS ALIMENTARES DOS MBYÁ-GUARANI NA ELABORAÇÃO DO DISCURSO SOBRE AS SUAS ESPECIFICIDADES CULTURAIS EM CONTRASTE COMAS DOS “OUTROS” Mártin César Tempass


Explorar esse filão é o que chamo de restaurar a doçaria, diminuindo o monopólio da açúcaria, projetando o doce das frutas, do mel e outros adoçantes vegetais. 
Nesse caminho, aliás, encontramos também os aromáticos “doces”, como a vanilina, a cumarina, etc, de forma a termos um terreno suficientemente amplo para o desenvolvimento de produtos agradáveis de alto valor gastronômico nos próximos anos. 
Por fim, não podemos esquecer a fraude que, recentemente, foi denunciada por uma revista de medicina, através do documento Sugar Industry and Coronary Heart Disease Research. A Historical Analysis of Internal Industry Documents, recém publicado pela JAMA Internal Medicine // http://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=2548255 //, assinado por vários cientistas (Philip R. Lee, Cristin E. Kerns, Laura A. Schimidt, Stanton A. Giantz) que mostra como a indústria do açúcar, nos anos 1960, pagou cientistas para combaterem as conclusões de que a sacarose era o principal elemento responsável pelas doenças coronarianas. 
Pagou cientistas para propagarem que as gorduras e o colesterol eram as responsáveis pelas doenças que o açúcar causa. 
Foi John Yudkin quem identificou o açúcar como o agente primário das doenças coronarianas, mas foi Ancel Keys que saiu a “criminalizar” as gorduras saturadas. Anel Keys,é o mesmo que inventou a “dieta mediterrânea” como a coisa mais virtuosa que a humanidade jamais havia provado! Claude Fischer o desmascarou brilhantemente // https://www.youtube.com/watch?v=QHqdeDEsiGs // – mesmo sem saber dessa sua opção privilegiada pela estratégia da Sugar Research Foundation, pois esses documentos probatórios só vieram à luz agora. 
Denunciar a má fé dos que propagam virtudes que o açúcar não tem, e desenvolver uma doçaria onde ele seja reduzido em volume e importância, são as tarefas e responsabilidades principais da patisserie moderna.

Comentários

  1. Copiar propriedade dos sites alheios sem permissão e pior, não fazer a referência é uma das coisas mais nefastas da internet. Uma pena que colegas de profissão façam isso....

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