O hibiscus na Diáspora Afro Atlântica.

O tráfico transatlântico de populações das mais variadas localidades da África entre os séculos XV e XIX é marcado por uma relação de idas e vindas entre os diferentes países das Américas e Antilhas e os Portos negreiros africanos. 

As feitorias coloniais estavam espalhadas por todo o litoral Atlântico africano, no entanto, ao 

final do século XVIII e durante todo o século XIX, o Porto de Uidá, localizado no Benin atual e antigo Império do Daomé, transformou-se no mais importante Porto do comércio escravagista (SAUMANNI, 2001). 

Os escravizados embarcados em Uidá eram provenientes não só da região do Benin e da Nigéria, eram também filhos de outras regiões. 

Muitos destes homens e mulheres tiveram uma importante tarefa, trazer para nossa cultura, plantas das quais eles tinham conhecimento da utilização, este é o caso do Hibiscos.

No Brasil, os primeiros registros sobre o uso de plantas datam do século XVI e correspondem aos manuscritos do Padre Anchieta. 

Nestes, ele relata que nas pescarias feitas pelos índios que aqui habitavam, os peixes vinham à tona apenas com o toque de cipós na água. 

Posteriormente isto foi explicado com a descoberta das substâncias narcóticas e curarizantes contidas nas plantas por eles utilizadas.

Os índios utilizavam as plantas medicinais dentro de uma visão mística, onde o pagé fazia uso de plantas entorpecentes para sonhar com o espírito que lhe revelaria a erva ou procedimento a ser seguido para o tratamento do enfermo (Martins et al., 2000).

Também os indígenas brasileiros utilizam suas folhas no tradicional prato paraense o Arroz de Cuxá.



Os jesuítas tiveram grande importância na difusão dos conhecimentos dos indígenas sobre as plantas medicinais para a população em geral. 

A influência africana é pouco conhecida, mas não menos relevante. 

Entre eles, quando alguém adoecia é porque estava possuído pelo espírito mau e, um curandeiro se encarregava de expulsá-lo por meio de exorcismo e pelo uso de drogas de origem vegetal, mas muitas vezes também provenientes de animais (MARTINS et. al. 2000).

Ao longo da história da colônia, foi se consolidando o uso de plantas medicinais nativas do Brasil com aquelas trazidas pelos portugueses e africanos, concomitantemente com práticas religiosas.

A movimentação de pessoas que faziam o desbravamento do interior do país, em busca do ouro ou de índios para a escravização, foi fundamental na troca de informações sobre o uso das plantas medicinais.

No Brasil, a Fitoterapia chegou ao século XX como a terapêutica mais usada, apesar do declínio acarretado pelo surgimento do conhecimento biológico.

Esse período foi marcado pela prosperidade econômica impulsionada pela cultura do café, pela grande imigração de europeus, pelo aumento da urbanização, pelo incremento da exportação e pelo início da industrialização. 

Tudo isto levou ao agravamento da situação sanitária das cidades, provocando o surgimento das grandes endemias e epidemias. Neste novo contexto econômico, sanitário e científico o uso de plantas não era mais adequado (FIGUEREDO, 2011).

Hibiscus é um dos maiores gêneros de Malvaceae, com aproximadamente 300 espécies amplamente distribuídas no mundo. No Brasil, ocorrem 33 espécies nativas (25 endêmicas), principalmente no Cerrado.

Quando chegou à Europa, seu sucesso não foi imediato, mas o sabor, a complexidade aromática e as propriedades benéficas da planta conquistaram fãs no continente um tempo depois. 

No Brasil, desde quando desembarcou pelas mãos de escravos, seu consumo se tornou cada vez mais popular.

Além do habitual nome de hibisco, a planta, que é encontrada em regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo por se adaptar melhor a lugares mais quentes, também pode ser identificada como:

Azedinha;Cardade (Itália);Flor-da-jamaica; Gongura (Hindu); Groselha; L’oiselle (França); Papoula; Pulicha keerai (Árabe); Roselle (Inglaterra); Vinagreira; Entre outros.












“Esta planta, como todos os outros alimentos pan-africanos, incluindo a famosa banana-da-terra, pode ser uma representação para ilustrar nossas origens unificadas e destacar como todos nós somos semelhantes”. 

“Nós nos envolvemos com essas nações e bandeiras modernas, mas as interessantes histórias de fundação de todas elas fazem bem em documentar que todos viemos do mesmo povo e todos comemos e bebemos as mesmas coisas.”

Riaz Phillips, autor de Belly Full: Caribbean Food in the UK

Segundo Judith Carney, da Universidade da Califórnia, E.U.A, torna-se necessário conhecer e entender o papel que o comércio transatlântico de escravos teve na dispersão destas plantas, assim como a importância que os escravos africanos desempenharam na consolidação de gêneros alimentícios básicos da culinária das Américas. 











O caráter revolucionário das trocas ecológicas e botânicas que sucederam a expansão marítima Européia pós 1492 é hoje largamente reconhecido. 

Não obstante, a literatura que estuda as trocas culturais e comerciais do período pós-Colombiano permanece omissa no que se refere à disseminação alhures de plantas nativas da África e aos meios pelos quais isto ocorreu. 

Ao dar destaque à diáspora africana, enquanto um fenômeno que envolve tanto pessoas quanto plantas, coloca-se ênfase nos sistemas primitivos de conhecimento africano. 

A expressão destes sistemas de conhecimento na coesão de comunidades inteiras de africanos reflete formas particulares de relações de poder, preferências alimentares, identidade cultural, e disputas sobre o processo de trabalho. Ao dar relevo às plantas africanas estabelecidas nas Américas, este artigo procura corrigir uma distorção comum em narrativas sobre as trocas transatlânticas: a insistência em enfatizar o papel dos europeus na disseminação de plantas a nível intercontinental e em valorizar produtos agrícolas de origem Ameríndia e Asiática em detrimento da contribuição africana. 

Para muitos afro-diásporos, as bebidas de hibisco fazem mais do que nutrir o corpo e elevar o ânimo: elas invocam a história.

Quando o transporte de africanos escravizados pelo Atlântico começou no início dos anos 1500, gado e plantas como os hibiscos também fizeram a viagem. 

Em "Sementes da Memória: Legados Botânicos da Diáspora Africana",Judith Carney, professora de geografia da UCLA, explica que as folhagens e plantas indígenas africanas serviam a um propósito duplo: destinavam-se a manter os animais vivos e ter acesso a esses alimentos familiares e plantas medicinais aumentava as chances de os escravos sobreviverem à jornada. 

Como subproduto, “No início do período colonial, os proprietários de plantações encontraram muitas novas plantas crescendo nas plantações de alimentos de seus escravos”, escreve Carney. “Muitos desses alimentos básicos ainda são conhecidos nos idiomas português, espanhol, francês e inglês pelo nome de local 'guiné', nome geralmente aplicado aos comerciantes de escravos no continente africano.”

Graças aos climas tropicais comparáveis ​​ao da África Ocidental, a América Latina, o Caribe e o Sul dos Estados Unidos tornaram-se um novo lar para a "azeda-d'angola". Além de suas aplicações medicinais e culinárias, hibiscos e outros transplantes, como quiabo e nozes de cola, provavelmente serviam a um propósito maior: "Ter a mesma planta nas Américas tropicais era um semblante de esperança", diz Michael W. Twitty, o especialista em culinária historiador e autor de The Cooking Gene: A Journey Through African American Culinary History in the Old South . “Você reforçou sua identidade, reforçou as coisas que te faziam feliz, reforçou memórias de coisas que de outra forma seriam perdidas.”

O historiador de alimentos Adrian Miller argumentou que o chá de hibisco, em combinação com o chá de noz de cola, formou a base para a bebida vermelha - uma referência a várias bebidas vermelhas, como Kool-Aid de sabor vermelho, o refrigerante Big Red, e bebidas vermelhas carbonatadas à moda antiga - uma peça icônica das tradições culinárias afro-americanas que ele chama de "alma líquida". 

Assim como a azeda, a bebida vermelha costuma ser associada a comemorações, e os registros mostram sua presença nas plantações dos Estados Unidos durante a escravidão e após a Emancipação, bem como, mais recentemente, no dia junho.

Carney, J. (2004). Navegando contra a corrente: o papel dos escravos e da flora africana na botânica do período colonial. África, (22-23), 25-47. 


Fontes:

Os 'Jardins Botânicos dos Despossuídos' revisitados: riqueza e significado das safras do Velho Mundo cultivadas pelos quilombolas do Suriname.

Quiabo é que língua?

O sabor ousado do hibisco conecta os pontos da diáspora africana

JANEL MARTINEZ.






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