A Farinha de Mandioca, do Desenvolvimento da Técnica à presença na alimentação e na mesa brasileira.

Quando falamos em Gastronomia Brasileira , esquecemos de lembrar da importância e da valorização das técnicas desenvolvidas em nosso pais, muitas delas por indígenas ou grupos provenientes das culturas de matriz afro-brasileira.
Nesta serie, faremos uma abordagem sobre o processamento da Farinha de Mandioca, que segundo o folclorista Câmara Cascudo, trata-se da rainha da mesa brasileira, em função de ser encontrada nas culinárias de norte a sul do Brasil. 
Kaxuyana @Mario Vilela

Em nossa passagem pelo Quilombo de Corduaria, em Camaçari, com o grupo de chefs Africanos, que participam do #TasteBlackHistory, os Nigerianos @Denike e @chefstone, e o Angolano @Rui Sá, bem como baiano @Josenilton, 
tivemos a oportunidade de conhecer todo o processo de beneficiamento feito numa Casa de Farinha.
A chef nigeriana, Denike, aprendendo a preparar beijus secos, na casa de farinha


Mas o que vem a ser uma Casa de Farinha
 ?

Este equipamento, normalmente de utilização comunitária, serve de apoio sócio produtivo para muitas comunidades indígenas e quilombolas, e mereceria mais atenção da gastronomia nacional.
Ilustração em linguagem de cordel na casa de farinha do Quilombo de Cordoaria
Quando os Portugueses por aqui chegaram, a cultura Indígena já conhecia e fazia uso da Farinha de Mandioca, e sua variada utilização.
O encantamento foi imediato, sendo a farinha tratada como "Pão do Brasil", devido ao seu sabor agradável e e de fácil acesso e aquisição.
CASA DE FARINHA ALDEIA KUJUBIM - @Regina Santos

Os colonizadores europeus, no século XVI, aprenderam dos indígenas as técnicas de utilização da mandioca. 


A "Farinha de Pau", como era chamada a farinha de mandioca, passou a ser um alimento básico dos marinheiros europeus que viajavam pela costa americana.  
Os navegadores europeus foram responsáveis pela introdução da mandioca no continente africano a partir do século XVI. 
Ali eles encontrando condições climáticas semelhantes às de seu território de origem, a mandioca se espalhou pelo continente africano, tornando-se um ingrediente típico da culinária africana.
Casa de Farinha em Comunidades Quilombolas no Pará

Pouco após os primeiros anos do descobrimento, os colonizadores portugueses na Capitania de Pernambuco descobriram que a tapioca servia como bom substituto para o pão.

Na cidade de Olinda, se consumia intensamente o beiju, a farinha e a tapioca (goma) extraídos da mandioca, desde o século XVI com a criação da Casa de Farinha em Itamaracá.

Os bandeirantes, exploradores de origem europeia que desbravaram o interior da América do Sul em busca de escravos índios, pedras e metais preciosos entre os séculos XVI e XVIII, tinham por alimentação básica a farinha de mandioca e a carne-seca, ou seja a "Paçoca", muito comum ate hoje em muitas regiões do sertão brasileiro.
A paçoca de carne do sertão com farinha, feito no pilão

O"Virado" também conhecido como Virado à Paulista, é um prato típico do estado brasileiro de São Paulo, criado na época das entradas, bandeiras e monções, no Brasil Colônia. preparado com feijão já cozido sal e um pouco do próprio caldo do feijão e com farinha de milho ou de mandioca.

Conforme historiadores gastronômicos da época, eles carregavam junto com lanças, terçados, alfanjes, arcabuzes e bacamartes, farnéis repletos de feijão cozido, habitualmente sem sal, para não endurecer, farinha de milho (a de mandioca só começou a ser produzida em escala apreciável em São Paulo no século 18), carne-seca e toucinho. 
Com o chacoalhar da andança, os ingredientes ficavam virados ou revirados (daí o virado), que era comiam frio ou aquecido. 
A mais antiga referência documental ao "Virado" data de 1602, quando Nicolau Barreto realizou a famosa expedição aos atuais territórios do Paraguai, Bolívia e Peru.

Também conta-se que d. Pedro I, na viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, na qual deu o Grito do Ipiranga, comeu virado a 17 de agosto de 1822 na Fazenda Pau d’Alho, de São José do Barreiro, Vale do Paraíba. 

Os bandeirantes levaram o virado para Minas Gerais, onde o prato se converteu no tutu à mineira. E a grande diferença é que o tutu mineiro é feito com feijão moído e o virado a paulista feito com grãos inteiros.

Da Mandioca tudo se aproveita, ela e um sinônimo de riqueza e diversidade.

A mandioca tem vários nomes como aipim e macaxeira. a mandioca selvagem original foi domesticada pelos indígenas sul-americanos em tempos imemoriais, provavelmente em algum ponto do interior do atual território brasileiro.

Sua domesticação significou o aprendizado de sua técnica de plantio (enterrando pedaços de seu caule no solo) e da técnica para remover o ácido cianídrico tóxico de suas raízes e folhas.
A abundância de carboidratos propiciada pelo seu cultivo possibilitou o surgimento de grandes nações indígenas nas regiões tropicais americanas.

Raízes
A parte mais importante da mandioca é a raiz, que pode ser utilizada in natura, e seus subprodutos são as farinhas seca, d’água e mista, a goma ou fécula, o tucupi e a farinha de tapioca.
Das Folhas
Da planta aproveitam-se também as folhas trituradas, sendo componentes da culinária de algumas regiões do Brasil.
Outra utilização é no preparo da Maniçoba, prato tipico no Para e na Bahia.
As variedades de Farinhas
A Puba ou Carimã
A mandioca é deixada de molho numa mesma água limpa dentro de potes grandes, até fermentar e amolecer.

Esta massa recebe nomes diferentes de acordo com a região: carimã, massa d´água, massa de mandioca, massa puba.
massa fermentada e amolecida é lavada, prensada, esmigalhada, passada por peneira e levada ao forno das casas de farinha – os tachos sobre lenha, até que fique bem seca e crocante. Embora seja produto final e pronto para acompanhar peixes e carnes, nada impede que a gente a use como ingrediente onde quiser.

Farinha de Tapioca

Não confundir a Tapioca, ela é o substrato da retirada do liquido na prensagem da mandioca, este suco ao qual muitos indígenas consomem diretamente, também passa por um processo de fermentação, para a obtenção do Tucupi.
Em angola este fermentado chama-se Brucutu.
Com o advento da popularização das "Tapiocas de Frigideiras" servidas nas feiras de rua, criou-se uma confusão.
A tapioca, pode ser granulada ou fina, e cada uma destas formas se adequam a um tipo de preparação, bolos, cuscus, pés de moleque ou bolo de folha, etc.

O Polvilho
Fécula e amido são sinônimos, mas de acordo com a legislação brasileira, o amido é a substancia amilácea encontrada nos grãos e de fécula encontrada nas raízes e tubérculos.
A diferença de denominação é tecnológica e não de composição, mas embora a composição seja similar, o amido e a fécula apresentam padrão de cozimento muito diferente.
Da adição de água na massa da mandioca, para a preparação da farinha, restam um liquido amarela, ao qual se extrai o polvilho, a água com polvilho então é mexida, pois o polvilho decanta rapidamente, para que qualquer impureza presente da água suba e o polvilho decante novamente no fundo.
A água então é deixada em descansando por várias horas.
Em seguida é retirada a água e a camada de polvilho fica presa no fundo do recipiente.
Este produto de muito valor no prepara de biscoitos, pão de queijo e mingaus, alem de ser um ótimo complemento alimentar para crianças.

Polvilho azedo

O polvilho azedo é um derivado da fécula da mandioca e possui propriedade de expansão, que permite seu uso na fabricação de biscoito de polvilho e pão de queijo, o principal produto comercial feito à base de polvilho azedo.

O amido também, é essencial nas fábricas de tecelagem. 

Farinhas de Mesa
Em muitas regiões do Brasil, ha variações em termos de torra, crôcancia, de sabor, brancas ou com corantes naturais, ou mesmo temperadas com alho e farinha de peixe.
Na Bahia a mais famosa farinha é a Copioba, tipica por ser artesanal, esta em processo de Indicação Geográfica (IG). 

Este processo é usada para identificar a origem de produtos ou serviços quando o local tenha se tornado conhecido ou quando determinada característica ou qualidade do produto ou serviço se deve à sua origem. 
No Vale do Copioba, localizado entre os municípios de Maragogipe, Nazaré e São Felipe, no Recôncavo Baiano, a farinha produzida artesanalmente tem coloração, sabor e crocância peculiares, que resultam num produto diferenciado. 

Produção tipicamente brasileira 100 %nacional
Datam de dois mil anos os primeiros vestígios de pilões para moagem de mandioca no Brasil. 

A tecnologia de transformação de raízes de mandioca em farinha é tradicional no Brasil e se mantém sobretudo na região Amazônica e no Nordeste, regiões notadamente habitada por indígenas.
Em pequenas unidades artesanais rurais, conhecidas como casas de farinha, com a utilização de equipamentos rústicos, indígenas, de forma coletiva extraiam o suco da mandioca no Tipiti, ate alcançar uma massa seca, propicia para ser levada as grandes tachas, para ser torrada e transformada em farinha.

A historia do M'byú
Os povos tupi-guaranis, que ocupavam a faixa litoral leste do território brasileiro desde o sul até o norte, foram os responsáveis pelo domínio comestível da mandioca. Produzida sob o sistema da agricultura de subsistência, a mandioca era a base da alimentação no Brasil pré-colonial.
A farinha de mandioca é ingrediente usado na fabricação de vários alimentos, entre os quais o beiju, conhecido pelos índios como M'byú, farofa, pirão e em uma grande quantidade de receitas da culinária brasileira. 

Já em 1551, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, escrevendo sobre sua visita a Pernambuco, referia-se ao beiju e às farinhas fabricados pelos indígenas. 
No período colonial, a farinha de mandioca tornou-se parte da alimentação dos escravos e criados das fazendas e engenhos, além de usualmente compor o farnel dos viajantes portugueses.
Em algumas regiões, objetivando tornar o alimento menos perecível, misturava-se a farinha de mandioca com a farinha de peixe seco, socada em pilão Originária na América do Sul, a mandioca (Manihot esculenta Crantz) é um dos principais alimentos energéticos para mais de 700 milhões de pessoas em todo o planeta, especialmente nos países em desenvolvimento e notadamente em áreas mais pobres do Nordeste brasileiro.
Os bandeirantes, exploradores de origem europeia que desbravaram o interior da América do Sul em busca de escravos índios, pedras e metais preciosos entre os séculos XVI e XVIII, tinham por alimentação básica a farinha de mandioca e a carne-seca. 
Os primeiros relatos de plantio vêm da Amazônia, mas já era conhecida em outras localidades da América do Sul, além da América Central. 
Fora o Brasil, que ocupa a segunda posição de maior produtor do mundo, atrás da Nigéria, com 10% do cultivo global, atualmente essa raiz é bastante cultivada em outros continentes, como África e Ásia.

Estima-se que 22,1% da produção nacional de mandioca sejam destinadas à fabricação de farinha, 10% à produção de fécula e 2% ao consumo in natura, como mandioca de mesa (macaxeira ou aipim)”,  segundo dados da Embrapa.

A casa de farinha 
Sistema de alavanca para prensagem de massa de mandioca, mostrando a tampa da prensa, suporte, cepos e alavanca.
Essencialmente, a casa de farinha é composta de sistema de ralação, sistema de prensagem e forno. 
Depois da colheita da raiz, a mandioca é levada direto do campo para a casa de farinha (abreviação: cas'farinha), onde é descascada ou raspada para retirar a pele escura e suja. 
Em seguida, é triturada ou ralada em pilão ou no ralador (caititu). 
A mandioca ralada vai caindo em um cocho, sendo depois prensada no tipiti (tipi = espremer e ti = líquido, na língua tupi) para retirar um líquido venenoso chamado manipuera ou manipueira, vulgarmente chamada água-de-mandioca, que é resultante da fermentação, além de prover o enxugamento da massa. Depois de peneirada e torrada, a farinha está pronta para o consumo.

Já a massa da mandioca (o amido), que decanta durante a pubagem (fermentação), é utilizada como goma, para passar roupas, ou para a fabricação de alimentos, como mingaus, papas, sequilhos, bolos e tapioca.
Na casa de farinha, as tarefas são divididas: geralmente, os homens são responsáveis pelo processo de arrancar a mandioca da roça e transportá-la para a casa de farinha. 
As mulheres e as crianças raspam os tubérculos e extraem o amido ou polvilho. 
O trabalho se estende pela noite, quando acontecem as chamadas farinhadas. Aparecem os sanfoneiros, violeiros, dançadores e entre goles de cachaça, café com beiju e muita alegria, o trabalho continua a noite inteira.  

Fases da fabricação da farinha de mandioca

Pode-se dividir em nove fases a fabricação da farinha: plantação; colheita; transportes; limpeza; ralação; prensagem; esfarelamento; peneiração; torragem.
Transportes: a mandioca fermenta com grande facilidade em temperatura ambiente após a colheita e sendo usado a torragem ou a refrigeração para evitar a fermentação. 
O prazo limite para evitar o início da fermentação é de 48 horas, pois em condições de maior calor ou umidade o prazo pode ser reduzido, e a mandioca escurece (início da fermentação). 
E, uma vez ralada pode fermentar (azedar) em menos de 24 horas. Sendo que este prazo tem grande peso nos cálculos de logística, necessitando uma reflexão mais profunda sobre as distâncias entre o local da colheita, o local da distribuição (feira livre) e do processamento (casa de farinha). 
A higiene do local de trabalho, das ferramentas e implementos, dos trabalhadores e do local de armazenamento e transporte são necessários para obter uma farinha de qualidade, lembrando que em áreas rurais deve-se redobrar a preocupação com os roedores e insetos.

Limpeza: a raiz necessita de limpeza por dois motivos principais, para a diminuição dos agentes produtores de ácido cianídrico (HCN) e para a retirada de terra. 
A lavagem com água corrente e limpa pode ser necessária para a retirada da terra encrostada na raiz e de possíveis contaminações vinda do solo. Após a lavagem, deve-se descascar a mandioca, para a retirada das fibras da casca, das partes duras do talo próximo ao caule e de parte do veneno. 

A linamarina e a etil-metil-cetona-cianidrina encontrados na principalmente na casca da raiz e na folha da mandioca, sofrem hidrólise durante a digestão, transformando-se no veneno ácido cianídrico, altamente tóxico.Ralação: após a limpeza, as raízes são raladas, formando muitas vezes uma massa empapada. 
O grau de fineza da ralação é importante para se evitar perdas após peneiramento, diminuindo assim a quantidade de crueira. Primitivamente, pode-se ralar a mandioca também friccionando-a em uma superfície dura e áspera, como uma laje de pedra.
Prensagem: a massa depois de ralada é comprimida, geralmente com o uso de um tipiti ou com uma prensa de madeira. 
Na prensa de madeira a massa é disposta em várias camadas separas por sacos permeáveis, para facilitar posterior retirada e manuseio. 
Nesta fase, o líquido extraído da massa (manipuera ou manipueira ou manipeira), é altamente poluente e tóxico, podendo matar, caso seja ingerido por pessoas ou animais. Para quantidade de massa muito pequena, a massa pode ser seca manualmente torcendo-a e espremendo-a com auxilio de um tecido poroso.
Esfarelamento: para evitar a fermentação e o escurecimento da farinha, a prensagem deve ocorrer o mais rápido possível após a ralação, e em seguida deve-se, pelo mesmo motivo, esfarelar a massa compactada o mais rápido possível. Para melhor esfarelamento a massa pode passar novamente pelo caititu, pois alem de ser rápido (havendo força motriz mecanizada), facilita posterior peneiramento. Em apenas 18 horas após a ralação, em climas tropicais, certamente haverá fermentação, o que conferirá ao produto final um sabor acre impróprio para o consumo.Peneiração: a peneiração separa os fragmentos menores dos maiores, tando ta massa como da farinha, homogenizando a gramatura da farinha, assim proporcionando melhor qualidade. 
Os fragmentos retidos na peneira são chamados de crueira e após seca esta pode ser consumido por animais, sem danos.

Torragem: a massa, após passar pela peneiração, é colocada no forno para a retirada da umidade, sendo mexida constantemente pelo forneiro (farinheiro) através de um rodo.
Para evitar a contaminação e a fermentação, aconselha-se que as fases de limpeza, ralação, prensagem, esfarelamento, peneiração e torragem sejam no mesmo ambiente. 
A granulação da farinha, a temperatura do forno, o tempo de exposição da farinha no forno, e a técnica de mexer a farinha são os principais fatores que influenciam o tipo produzido. 
O sabor e a consistência de cada tipo variam principalmente pela granulação da farinha, pela quantidade de amido e pelo estado de secagem (torração) da farinha. 
Caso seja retirado o amido da massa para outro aproveitamento, através de lavagem sucessiva, a farinha perde um pouco a qualidade devido a ausência do material pulverulento mais pesado. 
Caso se torre além do necessário a farinha ganha um tom avermelhado impróprio, e caso permaneça muito tempo em forno com temperatura abaixo da ideal a massa seca, porém não torra, e a farinha não ganha o sabor que lhe é característico. 
É recomendável, ainda, para melhor qualidade da farinha, dois fornos: um com temperatura mais amena, onde a massa será apenas enxugada, de onde seguirá para um forno mais quente onde será finalmente torrada; essa medida é importante, pois caso a massa ainda úmida caia em um forno muito quente, ela formará bolos e a farinha sairá grossa.

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