Rapadura e a Diáspora, Canarias, Açores, Marrocos, Sicília e Brasil.

trajetória da Rapadura é extensa, remonta culturas como a Árabe, a Siciliana, movimentou riquezas e fortunas, fama e trabalho escravo.
Um doce de origem açoriana e canária em forma de pequenos tijolos, com sabor e composição semelhantes ao açúcar mascavo, detêm grande importância alimentar e cultural  .
Considerado um alimento que, diferentemente do açúcar, que é basicamente sacarose, também possui um conteúdo significativo de glicose, frutose, proteínas, minerais como cálcio, ferro e fósforo e vitaminas como ácido ascórbico. 

O nome rapadura, uma variação de "raspadura" (originada do verbo raspar), originou-se da raspagem das camadas espessas de açúcar presas às paredes dos tachos utilizados para a fabricação do mesmo. 
Os árabes foram os grandes responsáveis pela introdução e desenvolvimento do consumo do açúcar na Europa Ocidental, a partir do século X, na medicina, farmacopeia, doçaria e culinária. No Marrocos, a produção açucareira situava-se em Ceuta, Marrakesch e outros locais fluviais férteis. 
Em meados do século XIV, existiam quarenta engenhos em Marrocos e com o regresso dos almorávidas (dinastia árabe que submeteu primeiro Fez e Marrocos, depois o sul de Espanha, de 1055 a 1147), expulsos de Granada com a Reconquista Cristã em 1492, incluindo mestres de engenhos e confeiteiros, dá-se o incremento da cultura do açúcar em Fez. A crise açucareira, em Marrocos, começa por volta de 1640 e a partir de meados do século XVII, a produção açucareira, nesta região, deixa de ser rentável com a concorrência das novas regiões produtoras e pela falta de água, lenha e madeiras. 
A introdução da cultura sacarina na ilha da Madeira marca a passagem da produção açucareira do Mediterrâneo para o Atlântico, constituindo o campo experimental onde se ensaiam técnicas e a estrutura sócio-económica que será transplantada para as novas regiões atlânticas produtoras de açúcar. Na Madeira desenvolve-se o sistema colonial de produção açucareira que será transplantado para as outras ilhas atlânticas e para a América. 
Casa de Engenho – Brasil Colonial. 

Segundo a historiadora Naidea Nunes Nunes em seu trabalho O açúcar de cana na ilha da Madeira:do Mediterrâneo ao Atlântico , pode se encontrar os primeiros registros do termo: 

"Na documentação madeirense, a primeira atestação do termo rapaduras (1523) (Forma derivada de rapar.), rapaduras de cales (1524), que designa o subproduto do açúcar constituído pelas crostas caramelizadas de mel ou açúcar rapadas das caldeiras e tachas. Trata-se de um termo madeirense, transplantado para Canárias, onde apresenta a forma portuguesa rapaduras (1531)145, e para o Brasil, onde o termo rapaduras (1711) adquire um novo significado, denominando o rebuçado de melado da terceira têmpera, batido na repartideira e coalhado num papel. 
 O termo madeirense rapadura passa, com o seu significado primitivo, para o Brasil e para a América espanhola, onde, por influência do castelhano raspar, adquire a forma raspadura. Hoje, no Nordeste do Brasil, o termo rapadura designa o produto fabricado nas engenhocas, pois deixou de ser um subproduto do açúcar e passou a produto alimentício dos pobres, sendo açúcar não purgado, coalhado em formas de madeira. 
 Em Valência e em Granada, registamos o termo costras, respectivamente, em 1766 e 1637, para designar este conceito. Uma vez mais, o contexto insuficiente e pouco explícito não permite definir alguns termos que parecem designar subprodutos do açúcar. É o caso dos termos sicilianos zamburro (1405, 1441, 1493) e gilata1 (1492, 1493), que ocorrem juntamente com o termo obscuro suczura (1492), e do termo bren (1509), que encontramos na documentação de Canárias. Nesta região, registamos ainda o termo ceras (1531), que parece designar um subproduto do açúcar, ou seja, a cera resultante do mel de cana." 

Segundo historiadores o Infante D. Henrique o responsável pela introdução da cana-de-açúcar na ilha da Madeira, mandando vir da Sicília as primeiras socas de cana e os mestres especializados na produção açucareira, apesar de testemunhada a existência da cultura açucareira no reino de Portugal, em Coimbra e no Algarve, no início do século XV. 
D. Henrique se devem feitos como a tomada de Ceuta em parceria com seu pai e irmãos, embora também tenha participado no desastre de Tânger; a armada das Canárias; a guerra que os seus navios faziam aos infiéis, principalmente piratas; o povoamento das "descobertas" ilhas Atlânticas, particularmente notável na Madeira. Foi ele quem mandou vir da Sicília a cana-de-açúcar e os "técnicos" para supervisionarem o seu cultivo e a sua transformação, fazendo da Madeira uma importante região produtora de açúcar. 


 No Algarve, segundo o historiador Orlando Ribeiro, o açúcar parece ter tido origem na Itália, donde vieram os primeiros mestres de engenho genoveses. Coloca-se ainda a hipótese da cana-de-açúcar cultivada na Madeira, no início do povoamento, ter vindo de Granada ou de Valência. no entanto, dadas as relações de Portugal com os mercadores italianos, parece-nos plausível que o Infante mandasse buscar as plantas diretamente à ilha da Sicília, por ser uma região com características semelhantes à Madeira, tendo garantia de melhor produtividade. A primeira referência ao açúcar da Madeira data de 1433 e vinte anos depois já era produzido em suficiente quantidade para ser exportado para Portugal, Flandres e Inglaterra, sendo considerado o mais refinado do mercado. 

O açúcar da Madeira afirma-se, no mercado europeu, pela sua qualidade, competindo com o açúcar da Sicília, Egito e Marrocos e sendo exportado para Inglaterra, Flandres, França, Itália, Constantinopla, etc. 
A riqueza e o valor do açúcar madeirense é tal que este é canalizado para obras de assistência, durante a 1ª metade do século XVI. No Brasil, a rapadura era fabricada em pequenos engenhos de açúcar, surgiu no século XVI como solução para transporte de açúcar em pequenas quantidades para uso individual. 
Como o açúcar granulado umedecia e melava facilmente, os tijolos de rapadura eram facilmente acomodados em sacolas de viajantes, resistindo durante meses a mudanças atmosféricas. A rapadura é feita a partir da cana-de-açúcar após moagem, fervura do caldo, moldagem e secagem, é considerado um alimento com maior valor nutritivo que o açúcar refinado pois, enquanto este é quase exclusivamente sacarose a rapadura possui outras substâncias nutritivas em sua composição. 

Geralmente fabricada em pequenas fábricas comumente chamadas de fábricas em processos de agronegócios rurais, que envolvem vários trabalhadores agrícolas e trabalhadores de processo. 
Na Colômbia, estima-se que existam cerca de 20.000 fábricas de painéis que vinculam direta e indiretamente cerca de 350.000 pessoas nas atividades de cultivo de cana, produção de panela e sua comercialização em áreas rurais e centros urbanos. 
 "A Europa sempre se prontificou a apelidar as ilhas de acordo com a oferta de produtos ao seu mercado. Deste modo, sucedem-se as designações de ilhas do pastel, do açúcar e do vinho. 
O açúcar ficou como epíteto da Madeira e de algumas das Canárias, onde a cultura foi a varinha de condão que transformou a economia e vivência das populações. Também do outro lado do oceano elas se identificam com o açúcar, uma vez que serviram de ponte à passagem do Mediterrâneo para o Atlântico. Dai resulta a relevância que assume o estudo do caso particular destas ilhas, quando se pretende fazer a reconstituição da rota do açúcar. A Madeira é o ponto de partida, por dois tipos de razões. Primeiro, porque foi pioneira na exploração da cultura e, depois, porque jogou papel fundamental na expansão ao espaço exterior próximo ou longínquo, incluídas as Canárias. A rota do açúcar, na transmigração do Mediterrâneo para o Atlântico, tem na Madeira a principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao novo ecosistema e deu mostras da elevada qualidade e rendibilidade. Deste modo a quem quer que seja que se abalance a uma descoberta dos canaviais e do açúcar, na mais vetusta origem no século XV, tem obrigatoriamente que passar pela ilha. Foi aqui que se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve plena afirmação nas Antilhas e Brasil. A cana-de-açúcar iniciou a diáspora atlântica na Madeira. Aqui surgiram os primeiros contornos sociais (a escravatura), técnicos (engenho de água) e político-econômicos (trilogia rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto torna-se imprescindível uma análise da situação madeirense, caso estejamos interessados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo atlântico. A história do açúcar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e dos momentos de fulgor do arquipélago. 
 A sua presença é multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade madeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os embelezou e que hoje jaz quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel da nossa centúria perduram ainda a maioria dos engenhos da nova vaga de cultura dos canaviais. A cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do álcool,aguardente e, raras vezes, o açúcar. Foi certamente neste momento que surgiu a tão afamada poncha, irmã do ponche de Cabo Verde e da caipirinha no Brasil. 
O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora europeia aquele que moldou,com maior relevo, a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do cultivo, especialização e morosidade do processo de transformação em açúcar, implicou uma vivência particular, assente num específico complexo sócio-cultural da vida e convivência humana. Gilberto Freyre foi o primeiro em 1971 a chamar a atenção dos estudiosos para esta realidade, quando definiu as bases daquilo que designou de Sociologia do Açúcar: A publicação em 1933 de “Casa-Grande &Senzala” foi o prelúdio de nova preocupação e domínio temático para a Sociologia e a História.A cana-de-açúcar é de todas as plantas domesticadas pelo Homem a que mais implicações tive-ram na História da Humanidade. 
 Até hoje são evidentes as transformações operadas na agricultura, técnica, química e siderurgia, por força da cultura da cana sacarina, beterraba e da produção de açúcar, mel, aguardente, álcool e rhum2. 
O percurso multissecular, desde a descoberta remota na Papua (Nova Guiné) à 12.000 anos, evidência esta realidade. A chegada ao Atlântico, no século XV provocou o maior fenômeno migratório, que foi a escravatura de milhões de africanos, e teve repercussões evidentes na cultura literária, musical e lúdica. Foi também no Atlântico que a cultura atingiu a plena afirmação econômica, assumindo uma posição dominante no sistema de trocas. Fernand Braudel define de modo claro a forma de intervenção do açúcar no capitalismo:“Devastadora do antigo equilíbrio, a cana é tanto mais perigosa quanto é apoiada por um capita-lismo poderoso, que, no século XVI, Provem tanto de Itália, como de Lisboa ou de Antuérpia, e ao qual ninguém consegue resistir.“ A isto Vitorino Magalhães Godinho Acrescenta que “a gênese do mundo atlântico está pois, em grande parte, ligada àquilo a que Fernand Braudel chama muito apropriadamente dinâmica do açúcar.” 
ALBERTO VIEIRACANAVIAIS,AÇÚCAR E AGUARDENTE NA MADEIRA SÉCULOS XV A XX 

Muito típica no Brasil e muito popular no Nordeste e em Minas Gerais, a Rapadura se expandiu para diversas outras regiões da América Latina , onde recebe diferentes nomes como: panela (Colômbia, Venezuela, México, Equador e Guatemala), piloncillo(México), papelón (Venezuela e Colômbia), chancaca (Bolívia e Peru), empanizao (Bolívia) ou tapa de dulce (Costa Rica). 

No Peru, a chancaca é usada para adoçar os xampus, como ingrediente importante no mel que acompanha as picaronas, sopaipillas, abóbora assada e muitos doces serrano, como a cozina mazamorra. 
Na Costa Rica, é conhecido como "Dulce Tapa", e os moldes utilizados têm a forma de um cone truncado. A bebida quente é chamada de "água fresca" e bebida fria com limão é conhecida como "água de sapo".
No México, o melaço de açúcar sólido é vendido na forma de um cone truncado, com o nome de piloncillo (no centro e norte do país) ou panela (no sul), e é a base de várias sobremesas mexicanas altamente estimadas, como atole, batata doce, abóboras com açúcar mascavo, frutas cristalizadas, etc. 
Também é usado para preparar pimentões chipotle que são cozidos junto com o piloncillo (panela) e cebola; você obtém um "molho" com sabor picante e doce, enquanto é amplamente utilizado, no centro do país, para acompanhar pratos saborosos. 
No Equador, o cone "panela" é conhecido por triturar açúcar em pães prismáticos ou em cones truncados e "raspado" no produto de raspagem do panela para uso como adoçante ou para a preparação de sobremesas.
Na década de 60, seu uso ainda era popular, mas hoje é raro graças ao açúcar refinado que o país possui. No Panamá é conhecido como "raspadura" ou "rapadura" e na Bolívia como "chancaca" ou "empanização" , na Argentina e no Chile como chancaca ou raspadura , no Brasil é chamado de "rapadura". 
O nome rapadura (ou a variação raspadura) é utilizado também na Argentina, e na Guatemala. Seu uso também é disseminado na Índia, na América Latina, a Colômbia é o primeiro produtor, com 1 milhão de toneladas anual e o segundo mundial depois da Índia. A Região Nordeste é a maior produtora de rapadura do Brasil, onde o Ceará aparece como maior produtor. 
Após o corte da cana-de-açúcar, que deve ser feito sem a queima da cana, este é transportada até o engenho onde deverá ser moída. O caldo de cana resultante da moagem é levado para a decantação, com o intuito de separar as impurezas - nessa etapa o risco a fermentação do caldo pode prejudicar a aparência do produto. 
 A concentração até se atingir o ponto para o batimento se dá por meio da fervura do caldo, o que pode acontecer em um mesmo tacho ou em até cinco tachos como nos engenhos mais modernos, o que ajuda a ter um controle da temperatura para a concentração do caldo. 

Depois que o caldo se torna melado ele é batido para obter uma maior consistência e ser colocado em formas no formato tradicional de paralelepípedo. 
Depois que já endureceu, esfriou e ganhou a sua forma, pode ser retirada das formas. 
Após o batimento, o caldo concentrado é moldado em formas de 500 gramas ou um quilo ou tabletes de 20 a 25 gramas. Após o resfriamento, ocorre a desenformagem e, por fim, o embalamento da rapadura. 
Propriedades 
A rapadura é famosa pelo seu alto valor calórico, sendo rica também em vitaminas, minerais e proteínas. 
O produto está inserido na merenda escolar em alguns estados do Nordeste, como Ceará, Paraíba e Pernambuco. Diversas especialidades da medicina reputam a rapadura como um alimento riquíssimo em calorias. 
A rapadura contém gordura, proteínas, carboidratos, ferro, fósforo, mais vitaminas B1 e B12. 
Seu alto poder nutritivo já chegou a motivar o Laboratório Farmacêutico de Pernambuco - LAFEPE - que produziu 100 mil pastilhas de rapadura, de 1 e 4 miligramas, e distribuiu na rede oficial de ensino do Estado. 
 As pastilhas foram adicionadas aos pratos da merenda escolar e serviram de complemento alimentar. 
Curiosidades 
Em 1989, a empresa alemã Rapunzel registrou a rapadura como sua marca registrada para o mercado alemão e seis anos depois fez o mesmo nos Estados Unidos. Entretanto, este fato passou despercebido por bastante tempo até que em meados de 2005 grupos de defesa da cultura nordestina, o Itamaraty e a Ordem dos Advogados do Brasil passaram a exigir a retirada da proteção marcária ao nome tradicional do doce no Brasil. 
Em 2008 a empresa germânica desistiu da propriedade intelectual sobre o nome rapadura embora continue usando o nome para alguns de seus produtos, porém, sem mais o direito de exclusividade sobre o uso comercial da palavra.

A rapadura é fonte de energia, carboidrato, minerais como ferro, cálcio, potássio, fósforo e magnésio, e vitaminas do complexo B como Tiamina, Riboflavina e Niacina. Em 25 gramas do produto, há 92 calorias e 23 gramas de carboidratos. É encontrada em barras de 500 gramas e em porções individuais de 25 gramas.

Comentários

  1. Estava pesquisando sobre rapadura e encontrei uma lição de história mundial! wow, incrível!!
    Posso referir este link no meu blog?

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