Os pecados da gula nas tradições da Semana Santa

A tradição vem de longe, período do ano litúrgico que antecede a Páscoa cristã, sendo celebrado por algumas igrejas cristãs, principalmente a Católica, mais uma herança trazida por nosso colonizador.



















Na Quaresma e na Semana Santa, a igreja proibia o consumo de carne vermelha, numa alusão ao sangue derramado por Cristo para nos salvar dos pecados. Abstendo-nos desse alimento estaríamos nos unindo ao sacrifício e ao amor de Cristo. 
A expressão Quaresma é originária do latim, quadragesima dies (quadragésimo dia) apos as festas carnavalescas, que tem como características a substituição de carne por peixe.
 Este, aliás, foi o símbolo adotado pelos primeiros cristãos. Ichthys, em grego, significa peixe e ao mesmo tempo são as iniciais da expressão “Jesus Cristo, filho de Deus e Salvador”, usada nos primeiros tempos do cristianismo quando os fiéis eram perseguidos. 
Para ilustrar a época, segue uma crônica de Nelson Cadena, sobre o texto “Quitutes De Devoção" 
Se há uma tradição que o baiano segue à risca é a do pecado da gula na Semana Santa; o costume de se empanturrar de tudo quanto é comida e bebida “de santo” ou de ocasião, em especial na sexta feira da Paixão e no sábado de Aleluia. 

Mesa farta com o bacalhau da herança portuguesa e seu excesso de sal ou o vatapá da culinária afro-baiana com seus dotes calóricos, aquecidos na degustação de uma geladinha, ou de uma boa taça de vinho. Quem resiste? 
Nos anos 30 nesta cidade do Salvador os pecados da gula chamaram a atenção do acadêmico, jornalista e que registrou suas impressões à respeito, numa deliciosa crônica intitulada “Quitutes De Devoção”. Onde o autor transcreve alguns trechos para degustar e por favor já vai desculpando o trocadilho: “Dizia-me velho e saudoso amigo médico que as maiores safras anuais na sua clínica eram pela Quaresma, São João e Cosme e Damião.



Pela manhã do sábado de Aleluia…a concorrência a seu consultório residencial e ao balcão da farmácia, onde atendia, ultrapassava a casa dos cem”. E continua o cronista: “Arruinam o estómago, comprometem os rins, escangalham o figado…tudo para chorar exteriormente a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo …O resultado espiritual é duvidoso, os efeitos materiais incontestáveis. O precursor ao que registram as escrituras, alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Os seus devotos transformaram o cardápio infestando-o, discricionariamente, com alimentos capazes de tornarem um ermitão abstêmio no mais acendrado dos apreciadores da boa mesa”. 
Então, Antônio Vianna descreve as iguarias da semana santa da época, de fazer água na boca, repare: bacalhau dormido no molho avinagrado, frigideira de camarões, peixe de escabeche, efó preparado com garoupa, vatapá, caruru, feijões de azeite e de leite, arroz de viuva, salada de lagostins escorrendo ao puro azeite de oliva”. 
E alerta para o dia seguinte “trocam essas preciosidades da cozinha baiana pelo óleo de rícino, as águas purgativas, os benzoatos, os anis e, para remate de barganha, uma dieta de laranjada e chã de erva cidreira”. E conclui a sua crônica com a fina ironia que lhe era característica: “O peixe e seus companheiros de ambiente acabam, destarte, com mais culpa no cartório da Quaresma de que mesmo a carne com todas suas fraquezas. Levam as criaturas a morrerem pela boca. Morte dupla do corpo e do espírito”.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas