O sabor doce e a manutenção do machismo-Uma abordagem crítica.

"Sonhos de valsa", "Lua de Mel", "Doce de Coco" "Toucinho do Céu" "Mimo de Portugal. 
Toda uma semântica herdada da Doçaria Portuguesa, trazem em sua mais sutil definição, os entranhados mundos da religiosidade lusa, mas principalmente a visão pudica de uma sociedade, onde a mulher era um ser frágil, casto, submisso enfim inferiorizado.


A ideia de completude: sem o outro, seremos eternamente incompletos. 
Essas sensações não foram inventadas. Essa descrição do amor apareceu repetidas vezes ao longo da história. 
 Alguns exemplos emblemáticos o de Tristão e Isolda e Romeu e Julieta, que descrevem histórias de amantes que se viam diante de obstáculos – e essas impossibilidades eram um combustível para esse amor. 
O amor romântico se utiliza do discurso do afeto, como uma ferramenta potente para controlar e submeter as mulheres, especialmente nos países em que são cidadãs de plenos direitos e onde, legalmente, não são propriedade de ninguém. São muitos os que sabem que combinar o carinho com os maus-tratos serve para destruir a autoestima de uma mulher e provocar sua dependência, por isso utilizam o binômio maus/bons tratos para deixá-las perdidamente apaixonadas e assim poderem dominá-las e onde o discurso do afeto permeia o "Fiz tudo por amor" 

O perfume adocicado, o ideal feminino do seculo 19-Manipulação e Estrategias 
A cultura burguesa francesa do seculo 19, imprime um ar aristocrático a mulher, essa mulher tinha que ser doce, elegante, que remetem a mulher ao lar. 
Nesse período, através do convívio familiar e social, a mulher francesa aprende a realçar a beleza com uma toalete impecável, a utilizar o vestuário da última moda, a recepcionar convidados em seu salão, a freqüentar outros salões e a articular encontros com pessoas influentes e importantes com o intuito de alcançar os objetivos que almeja. 
Para atingir estes e outros objetivos, a mulher aristocrata ou burguesa aprende, por meio da educação, a realçar a beleza natural com uma toalete impecável ao apresentar um penteado sofisticado, limpar a pele e usar perfumes e colônias, utilizar vestuário e acessórios da moda com vestidos que modelem o busto e a cintura, touca de renda, sapatos, fitas de cetim e bolsas, recepcionar e receber os convidados nos salões, utilizando-se, para isso, das regras de etiqueta social, articular encontros com pessoas influentes na política e nos negócios e adquirir conhecimentos do mundo do comércio para administrar os negócios da família. 


"Mimo de Portugal" O Beliscão como simbolo de Afeto? 
Um costume português muito em voga no século XVIII, os beliscões de amor. 
O costume chegou à Espanha, que por esta época, fervilhava de Portuguesas, demonstra de onde chega o nosso habito popular de assedio. Um forma do homem Português de flertar, e quando um rapagão usava deste “mimo de Portugal”, as moças logo diziam: “Bem se vê que está mesmo chegadinho de Lisboa" Quando as mulheres sentiam um beliscão ferroar-lhes a anca ou morder-lhes a polpa do braço, já sabiam: - estava, ali um português. 
Foi o beliscão que fez célebres os afetos masculinos portugueses na Espanha. 
"Foi o beliscão que nos abriu para o amor o estribo doirado de todos os coches, a reixa verde de todas as janelas, a romã madura de todos os lábios. As niñas holgonas de Toledo ficaram chamando ao beliscão «mimo de Portugal». Enchemos de nódoas negras o corpo das mais lindas mulheres da Castela-Velha. Mas - nombre de Dios! - pagámos generosamente: démos-lhes Velasquez para as pintar."

Fiz seu doce predileto!
Com Açúcar e com Afeto, musica feita por encomenda de Nara Leão que "...queria uma música que falasse dessas ternuras de mulher." a música, inserida no álbum Chico Buarque de Hollanda, foi gravada por Nara Leão em 1967 e fala de uma mulher submissa, sofredora, "...que espera conformada e carinhosa o seu homem voltar do samba e do bar."
No título da canção fica muita clara a comparativa do afeto desta devota e amorosa mulher com a doçura do açúcar. 
O que evidencia uma tênue silhueta de responsabilidade e de entendimentos ternos, pois mesmo deixada em angustia enquanto ele vai para os devaneios da vida, ela o espera com os braços abertos. 
O trovadorismo buarquiano mostra uma mulher que atrai para si a sensação de controle mesmo que seja pela forte camada de afeto que debruça na relação. 
A canção de Buarque é uma trova de amigo na qual o eu lírico imprime na figura da mulher os sentimentos tidos pelo poeta a cerca de sua próprias ações , como se num jogo de inversão de valores. 
Observamos os versos o quanto Buarque transforma uma mistura de musica e poesias na trova. 
O eu-lírico está marcado de sentimentos pessoais, afeiçoamento a uma pessoa que ama e ao mesmo tempo lhe provoca angustias e mesmo assim é uma mulher intrépida ao abrir - lhe os braços e beijar o retrato, debruçando-se na doçura de um afeto que lhe agrada mais o próprio coração.

As mulheres e o trabalho artesanal da doceria. Podemos também conferir no artigo da Marina Dantas de Figueiredo e Neusa Rolita Cavedon as transformações culturais provocadas pelo exercício profissional da atividade doceira na cidade de Pelotas, RS, que implicaram reelaboração de sentido para esta produção artesanal. 
 A discussão articulada em torno das teorias de gênero que exploram a relação entre trabalho e práticas sociais, interessantes para investigar de que maneira o saber-fazer até então relacionado à herança familiar de mulheres burguesas.
"Com Açúcar, com Afeto? A Profissionalização doFazer Amador de Doces Artesanais de Pelotas" 
A prevalência feminina denota que o artesanato no Brasil industrializado acabou se tornando refúgio para uma população desqualificada, marginal ao mercado de trabalho formal e, sobretudo, necessitada. A definição identitária da mulher-trabalhadora foi historicamente elaborada “em razão das conjunturas econômicas vividas” (SAFFIOTI, 1976, p. 133). Por isso, a condição de trabalhadora decorre, principalmente, da necessidade de ganhar a vida ou colaborar com a renda da família, imposta pelo pertencimento às classes sociais desfavorecidas. Cabe ressaltar que as mulheres trabalhadoras, mesmo submetidas enquanto grupo à dominação masculina por meio das relações de reprodução e produção no interior do sistema capitalista, não constituem um todo uniforme. Disso decorre a existência de distintos padrões culturais que regulam a participação feminina nas esferas públicas e reconhecem como trabalhadoras apenas alguns tipos específicos de mulheres nos desdobramentos da relação entre classes sociais e gênero. 
As mulheres oriundas de famílias abastadas, a quem as atividades manuais eram desenvolvidas em caráter recreativo, não correspondem à definição de trabalhadoras. Visto que
até meados do século XX a independência financeira feminina não era valorizada, as mulheres burguesas interessadas em desenvolver atividades produtivas no ambiente público eram frequentemente alvo de preconceito moral, de modo que aquelas que desejavam trabalhar por vontade e não por necessidade eram acusadas de “romper com o papel de gênero que é pressuposto e continuamente reposto pela socialização” (LAMAS, 2007, p. 90). A desvalorização do trabalho desse grupo tinha como propósito contribuir para a manutenção da organização familiar patriarcal na qual estavam inseridas e fazer com que elas – apesar de muitas vezes se ressentirem com a falta de autonomia – se resignassem ao domínio privado. Cabe esclarecer que a família patriarcal compreende o padrão identificado como hegemônico para a organização familiar na sociedade brasileira (FREYRE, 2006). Ainda que diferenças nas formas de ocupação do espaço territorial, na distribuição do trabalho entre as diversas regiões do país e o próprio transcurso do tempo tenham propiciado organizações sociais diversas, Corrêia (1981) ressalta que a produção ideal das formas de organização familiar foram historicamente formuladas a partir do modelo patriarcal herdado dos colonizadores portugueses e instituído, principalmente, entre as aristocracias agropecuaristas.

E para finalizar em tempos de amadurecimento da sociedade, e da independência feminina, relacionar o sabor doce ao amor e ao afeto, corre-se o perigo de reduzir e mimificar toda a historia de lutas femininas por seculos:
"Ninguem prende o amor, pela barriga, nem muito menos com um docinho"

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