RESTAURANTE PORTO MOREIRA, 70 ANOS


Essa crônica foi feita em comemoração aos 70 anos em 01/09/2008do Restaurante Porto Moreira, por Tasso Franco.

Tive a honra de conhecer o saudoso Antonio Moreira nos em 2001, por intermédio do advogado e amigo Cláudio Cardoso, então na época ainda estava com o Maria Matamouro, que ele passou a frequentar. Lembro do seu jeito bonachão e as conversas e o respeito que tinha pela culinária.

Vejo com alegria a atitude dos companheiros em mobilizar-se no intuito de preservar este espaço culinário e cultural, um dos patrimônios da Bahia, mais de oito décadas de funcionamento, uma memória viva da nossa cultura culinária!

O tempo passa que a gente nem percebe tantas são as lembranças que vão ficando para trás, sem registros adequados, sem fotos e sem dia e hora marcados. Em 1975, a convite de David Raw foi ser redator-chefe do Diário de Notícias, jornal dos Diários Associados que se situava na Rua Carlos Gomes, hoje, sede do Centro Cultural da Caixa, já em acentuada decadência. O DN de Assis Chateaubriand, Odorico Tavares e Paulo Nacif vivia seus últimos dias e faleceu no prédio da atual TV Itapoan, na Federação, pouco tempo depois.

Foi nesse ambiente, com vista para o mar da Baía de Todos os Santos, na velha redação do DN que convivemos juntos com Aurélio Velame, Ivan Pedro, Raimundo Machado, Heraldo Matos, Lins, Moacir Ribeiro, Alberto Miranda, Fernando Vita, Ademar Gomes, Isidro Duarte do Amaral, Sande, Mundinho, Batatinha, Duquinha, e até rodamos cenas do filme "Tenda dos Milagres", de Nelson Pereira dos Santos, com Navarro, Pedro Formigli, Machado e eu próprio no papel de "Peçanha", um personagem jornalista amadiano.

Salvo melhor juízo foi Raimundo Machado e Lins, o "chefinho", que me levaram pela primeira vez ao Porto Moreira, já no Mocambinho, para comer uma moqueca de peixe, nós que éramos assíduos freqüentadores, às noites, do Taboleiro da Baiana, também na Carlos Gomes, na rua frontal, do Varandá e das casas de "meninas" da Ladeira da Montanha e cercanias, incluindo o saudoso Tabaris.

Já era uma outra época, diferente dos anos 1930 em que o português José Moreira da Silva, da Vila da Feira, e a calabresa Maria Figliuolo, abriram o restaurante "O Porto" na Rua do Cabeça, depois transferido para o Largo do Mocambinho, onde se encontra até os dias atuais dirigido pelos seus filhos Francisco e Antonio, com a mesma determinação dos seus pais. Não alcancei o velho Porto do Cabeça porque faço parte de uma outra geração, mas, sento praça, sempre que posso no atual Porto Moreira para saborear uma isca de fígado ou uma moqueca de ostras.

Daquele tempo, da época da sopa e da "pendura" estudantil, porque o velho Moreira é diferente do atual, o qual, não permite que ninguém "pendure" uma mísera continha, salvo o acadêmico de direito Nestor Mendes Jr. que se encontra amealhando "diamante-dólares" em Angola para saldar os débitos com a casa, a lista dos clientes pioneiros é enorme. Gente do quilate de Jorge Amado, Odorico Tavares, Antonio Ribeiro (Gigante), Dorival Matos, Raul Chaves, Luis Eugênio Tarquínio, Zé Piromba, Pinho Pedreira, Lulu Batucada, Orlando Imbassahy, Vilas Boas e tantos outros.

Depois vieram as gerações dos anos 1950/1960 com Florisvaldo Mattos, Glauber Rocha, Calazans Neto, Paulo Gil, Francisco Aguiar, Isidro Duarte, Otacílio Fonseca, Walter Lessa, Edmundo Pinheiro, Carlos Libório, Paulo Souto, Guerrinha, Eduardo Jorge Magalhães, Carlos Dutra Cintra, Ivone Chaves, Mario Oliva, Dona Terezinha, Dona Lourdes Moreira, José Osvaldo, Manoel Canário e muito mais gente que não dá pra citar todo mundo, até porque uma parte deste pessoal já se encontra no outro anda.

Agora, quem ainda está no andar térreo e tem saúde pra encarar uma moqueca de carne com pimenta de cheiro no Porto Moreira, refrescando a goela com uma Brahma, nada melhor. 

O atendimento com Ailton é nota 10 e as garotas da cozinha, Maria Oliveira e Joelina Cruz castigam no tempero, no bom sentido, porque comida boa tem que ter cebola, coentro, pimenta, cuminho, alho e todos esses ingredientes que os "naturebas" detestam.

Vou dar minhas preferências se o nobre leitor aceitar meu conselho. A primeira pedida é uma gelada. Em seguida, peça uma isca de fígado a gosto (prefiro bem passada) e uma pinga das Minas Gerais, a Chico Mineiro. Vai bebericando a cabeceira do rio e mordiscando a isca. De vez em quando, tempera a goela com a gelada.Rejeite a oferta da casa, pão sapecado no garfo da Padaria Bola Verde, do Largo 2 de Julho, que só faz inchar a barriga.   


Depois da isca, peça uma moqueca de ostra ou então uma moqueca de cavala. Meu amigo. É pedir a morte, no bom sentido. A cavala Moreira compra fresquinha na feira da Rua do Cabeça. É um manjar. Só não digo que é manjar dos deuses porque vira chavão. Comer devagar, sem qualquer tipo de pressa, feito a turma das sextas-feiras, capitaneada por Valmar Hupsel, Armando Lemos, Lula e Raul, que se senta por volta das duas da tarde e fica até a hora da ave Maria.

Depois é ficar papeando, sabendo as novidades do dia (e quanta coisa se sabe em Moreira) e pagar a conta. Nada de fiado ou cartão de crédito. O "home" gosta que a gente pague com dinheiro vivo. Portugueses sabidos esses Moreiras. Herdarem do velho José essa maestria, com o mesmo coração aberto que um dia levou o velho José as páginas de Jorge Amado como um dos seus personagens.

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