PEQUENO DICIONÁRIO DA COZINHA BAHIANA

Verbete A – Arroz Sunicava
Muito se fala sobre o Arroz de Haussá, uma das contribuições da cultura islâmica para a culinária da Bahia. No entanto, hoje vamos destacar o pouco conhecido Arroz de Sunicava. Essa receita remonta às tradições da cozinha angolana e é caracterizada por bolinhos de farinha feitos a partir de arroz cozido, temperados com cebola, peixe ou carne, e tomates refogados, que são fritos no azeite de dendê.

As "Bolas" também podem ser feitos doces também, adicionando coco ralado e fritas em Óleo de Coco. 
Desta maneira, o colono oficial português já trazia uma formação afro-islâmica que estava presente na comida, na estética, no idioma, na música, na arquitetura; e em tantos outros temas que marcantes que determinaram as nossas características de povo. 
Dessas tradições luso-muçulmanas, chegam elaboradas técnicas culinárias, ingredientes, receitas; e a valorização estética das comidas e dos utensílios da mesa, havendo uma grande importância nos rituais da comensalidade. 
Interessante notar a relação que Olga de Alaketo faz entre o Arroz de Sunicava e a tradição afro-islâmica. 

Esse vínculo destaca como as culturas africanas muçulmanas deixaram suas marcas na diáspora, especialmente no Brasil, onde a herança islâmica, trazida por africanos escravizados, influenciou práticas culturais, religiosas e culinárias.

Tradições do Afro-Islamismo na Culinária 

A conexão entre comida e religião é central em muitas tradições africanas, e o arroz pode ser visto como um alimento ritualístico. No contexto afro-islâmico, especialmente entre os Malês, o preparo dos alimentos frequentemente obedecia a normas religiosas, incluindo restrições alimentares (como o não consumo de carne de porco) e práticas que envolviam momentos de oração e purificação antes de cozinhar.

O Arroz de Sunicava

O prato, descrito com bolinhos de arroz cozido temperados com cebola, peixe ou carne, refogados em tomate e fritos no azeite de dendê, carrega elementos simbólicos:

•Arroz: Um alimento básico, associado à fartura e celebrações.

•Peixe e carne: Ingredientes comuns tanto em tradições islâmicas quanto na culinária africana.

•Azeite de dendê: Essencial nas cozinhas de matriz africana, simbolizando ancestralidade e conexão espiritual.

Olga de Alaketo fala desse prato como parte de uma tradição afro-islâmica, isso reforça como a resistência cultural dos Malês influenciou práticas que sobreviveram, misturando elementos africanos e islâmicos. Além disso, pratos como esse podem ter sido preparados em ocasiões especiais, tanto religiosas quanto sociais.

Tudo isso passa a marcar os nossos hábitos e preferências alimentares, e consequentemente na formação de nosso paladar. 
Os Haussás eram grandes agricultores as terras eram propícias ao cultivo de arroz e algodão, artesãos de couro e ferreiros. Kano era uma das principais cidades haúças, com terrenos férteis para a produção de cereais, algodão, e rica em minério de ferro. 

Mais conhecidos como Negros Malês, foram obrigados a despir suas túnicas brancas e a viajar trajados sumariamente em porões escuros dos navios negreiros. 
O islã foi trazido ao Brasil no final do século XVIII pelos escravos oriundos das regiões islamizadas da África. 
Para Nina Rodrigues, “os haussás muçulmanos teriam sido uns “aristocratas das senzalas”, pois, além de possuírem “literatura religiosa já definida, havendo obras indígenas escritas em caracteres arábicos” –, vinham de reinos com organização política já adiantada, sendo, portanto, estrategistas natos (Rodrigues apud Freyre, 1980, p. 310).

Sobre a diferenciação intelectual desses primeiros muçulmanos no Brasil, Gilberto Freyre escreveu, comparando sua habilidade com a escrita com a dos colonizadores brancos: "A verdade é que importaram-se para o Brasil, da área mais penetrada pelo Islamismo, negros maometanos de cultura superior não só à dos indígenas como à de grande maioria dos colonos brancos – portugueses e filhos de portugueses quase sem instrução nenhuma, analfabetos uns, semi-analfabetos na maior parte"
Freyre, 1980, p. 299. 
Na escravidão urbana os cativos gozavam de maior independência do que na escravidão rural, e isso facilitou muito a organização do movimento de 1835. Em geral, os escravos percorriam por toda a cidade trabalhando para seus próprios senhores ou, principalmente, contratados por terceiros para serviços eventuais.
Sua presença é denunciada já no final do século XVI, com a chegada da Inquisição. Processos e relatos do Santo Ofício referem-se à presença destes muçulmanos, descrevendo suas práticas e costumes. 
Como referência tem-se: Primeiras Visitações do Santo Officio às Partes do Brasil – Denunciações de Pernambuco, 1593 – 1595, do Visitador Heitor Furtado de Mendonça, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartório da Inquisição, Códice nº 130, com edição especial do editor Paulo Prado, série Eduardo Prado, São Paulo, 1929” (AL’JERRAHI, 2003).

Quando muçulmanos vindos de países tradicionalmente islâmicos visitam o Nordeste do Brasil, tendo conhecimento da existência de brasileiros natos “convertidos” ao Islam ficam pasmados, ao serem informados que o Nordeste fora reduto de portentosas comunidades islâmicas, ficam ainda mais surpresos.

Sunicava de Iemanjá 
Este prato faz parte das comidas sacrificiais do Candomblé, descritas pela Ialorixá Olga Francisca Régis, Olga de Alaketo como: arroz cozido e refogado com cebola, camarão seco fritos no azeite de dendê. Essa presença dos primeiros muçulmanos no Brasil foi documentada por diversos historiadores e folcloristas, como Nina Rodrigues, Etiènne Brasil, Arthur Ramos, Gilberto Freyre, João do Rio, Abelardo Duarte e Waldemar Valente. 
A esses registros somam-se os achados históricos de fragmentos de escritos árabes em porta-amuletos e o relato de Francis de Castelnau, do século XIX. 
A participação política e ideológica dos nossos, por assim dizer, primeiros muçulmanos nas diversas revoltas do Recôncavo Baiano também foi minuciosamente relatada nos últimos tempos pelo historiador João José Reis. 
O português com seu gênio de assimilação trouxera para sua mesa alimentos, temperos, doces, aromas, cores, adornos de pratos, costume e ritos de alimentação das mais requintadas civilizações do Oriente e do Norte da África. 

Esses valores e esses ritos se juntaram a combinações já antigas de pratos cristãos com mouros e israelitas (…). Gilberto Freyre in Manifesto Regionalista,1926. 
No Arquivo do Estado da Bahia encontra-se uma série de documentos escritos em língua árabe. “Todos eles fazem parte de autos policiais, estabelecidos durante e depois das numerosas insurreições de escravos no século XIX, (…)” (REICHERT, 1970, p. 5). 
Com o início da colonização, muçulmanos portugueses e espanhóis, (…), também vieram ao Brasil, mantendo suas práticas e tradições. Sua influência na África começou no século VII com a invasão pelos povos árabes do norte do continente. A resistência foi pouca e a região passou a ser governada por califas, que introduziram a religião islâmica nas terras conquistadas, juntamente com práticas culturais árabes. 
O islamismo é até hoje a religião dominante nessa área, existindo porém um amálgama com práticas animistas e fetichistas ancestrais em diversas tribos.


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