Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana


Verbete-O Olubajé
No mês de Agosto na Bahia, ainda é possível ver nas ruas Iaôs e filhas de santo, recolhendo óbulos em balaios cheios de pipocas, ou melhor o deburu as oferendas prediletas do orixá Omolú; um deus poderoso, guerreiro, caçador, destruidor e implacável, mas que se torna tranquilo quando recebe sua oferenda preferida. 

Olubajé é uma palavra de origem Iorubana e significa Olú : Aquele Que; Ba : Aceita; Je : Comer. 
O Olugbajé é a festa anual em homenagem a Obaluayê, onde as comidas são servidas na folha, chamadas de "Ewe Ilará" conhecida popularmente como mamona assassina, "altamente venenosa" simbolizando a Morte (iku). 
A relação de Omolú com a morte (iku) dá-se pelo fato de ele ser a terra, que proporciona os mecanismos indispensáveis para a manutenção da vida. 
O homem nasce, cresce, desenvolve-se, torna-se forte diante do mundo, mas continua frágil diante de Omolú, que pode devorá-lo a qualquer momento, pois Omolú é a terra, que vai consumir o corpo do homem por ocasião da sua morte. 
Na África são muitos os nomes de Omolú, que variam conforme a região. Entre os Tapas era conhecido Xapanã (Sànpònná); entre os Fon era chamado de Sapata-Ainon,que significa ‘Dono da Terra’; já os Iorubás o chamam Obaluaiê (mais jovem) e Omolú ( o velho). 



Conta a lenda que Omolú nasceu com o corpo coberto de chagas e foi abandonado pela sua mãe, Nanã Buruku, na beira da praia. Nesse contratempo, um caranguejo provocou graves ferimentos na sua pele. 
Iemanjá encontrou aquela criança e criou-a com todo amor e carinho; com folhas de bananeira curou as suas feridas e pústulas e transformou-a num grande guerreiro e hábil caçador, que se cobria com palha-da-costa (ikó) não porque escondia as marcas de sua doença, como muitos pensam, mas porque se tornou um ser de brilho tão intenso quanto o próprio sol. 
Por essa passagem, o caranguejo e a banana-prata tornaram-se os maiores ewò de Obaluaiê.  
O capuz de palha-da-costa-aze (aze) cobre o rosto de Obaluaiê para que os seres humanos não o olhem de frente (já que olhar diretamente para o próprio sol pode prejudicar a visão). 
A história de Omolú explica a origem dessa roupa enigmática, que possui um significado profundo relacionado à vida e à morte. 

O sentido da comida e da alimentação em rituais e confraternizações não é algo recente, desde os hominídeos, frente à fogueira se travavam as primeiras formas de comensalidade. 
Estudos mostram que foi pelo fogo que conseguimos nos unir, sendo o ser humano a única espécie animal que tem a capacidade de modificar os seus alimentos, e o fogo foi esse elemento transformador, ele continua sendo um elo aglutinador, permite que alem disso que você cozinhe, asse ou defume a comida.
A Bíblia está repleta de passagens e relatos que relacionam confraternização e a comensalidade, como o exemplo mais paradigmático, a Santa Ceia, ou o que nos dias de hoje chamaríamos de Gastrodiplomacia.
Roy Strong (2004)Banquete: uma história ilustrada dos costumes e da fartura à mesa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, cita alguns exemplos de banquetes espetaculares que aconteciam nas ruas de Roma II a.C. 
Para manter a paz entre ricos e as massas populares, realizava-se esses banquetes para aplacar e pacificar a população, assim, o ano romano pontuava-se por festas públicas. 

Mesmo com tantos banquetes abertos, nada se comparava às grandes comemorações dos Imperadores da época. 
O nascimento de uma criança, a celebração dos 17 anos de um jovem e, principalmente os casamentos, já eram comemorações onde a refeição fazia parte da trama dentro da vida social. Alguns Imperadores como Cláudio chegaram a convidar 600 pessoas de uma só vez para seu banquete. 
O autor ainda afirma que foi o século XIX o responsável por mudanças no comportamento da nova sociedade urbana, exigidos pela rápida industrialização. Strong diz que na Inglaterra após a ampliação do direito de voto em 1832 os costumes antigos evoluíram para o que se denomina atualmente de "boas maneiras". Ou seja, saber se portar à mesa e falar a língua das regras de etiqueta era necessário se houvesse um interesse em ascender na sociedade. 
A partir dessas novas regras, o jantar festivo passa a ser um longo exercício de boas maneiras que deveria seguir os manuais e livros escritos nesta mesma época. 
A essência do jantar era a conversa, sendo a mesma considerada vital para a etiqueta na época.  
Partilhar um alimento pode ter vários significados, dentre eles pactos, fechamento de contratos, a confraternização e o ritual. 
Dentro do significado da palavra comensalidade encontra-se a partilha do alimento entre duas ou mais pessoas. 
Apesar das mudanças ocorridas na maneira de preparar e compartilhar o alimento, o seu significado continua ultrapassando a mera necessidade fisiológica e ainda de possui um sentido mais amplo, remetendo assim, às relações entre as pessoas envolvidas. 
Quando a hospitalidade permite alguém ser um convidado e tenha de compartilhar uma refeição, reside neste ato o fato notório de estar presente a paz e a confiabilidade, tendo como consequência uma refeição que se integra à liturgia de tantas crenças e religiões, trata-se de um comportamento social que foi adaptado aos preceitos religiosos, devido ao ato de religar as pessoas em torno de uma fraternidade e princípios humanitários. 
O antropólogo Roberto Da Matta em seu trabalho "O que é o Brasil", Rio de Janeiro: Rocco, 2004, discorre sobre os sentidos da comida na cultura brasileira, afirma que é “[...] do jeito brasileiro apreciar a mesa grande, farta, alegre e harmoniosa” acrescentando que a mesa é o lugar de congregar, comungar e celebrar as relações. 
A palavra Comensalidade deriva do latim "mensa" que significa conviver à mesa e isto envolve não somente o padrão alimentar ou o quê se come mas, principalmente, como se come. 
Assim, a comensalidade deixou de ser considerada como uma consequência de fenômenos biológicos ou ecológicos para tornar-se um dos fatores estruturantes da organização social. A alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais compartilhado. 
MITO DA HOSPITALIDADE 
Reza a lenda que certa vez Zeus, o senhor do Olimpo, e Hermes, seu alado filho, senhor da comunicação, decidiram se disfarçar de pobres e andar entre os mortais sem serem percebidos, com um intuito de descobrir como andava a humanidade. 
Eles vagaram por muitos lugares, conhecerem muita gente, lhes pediram ajuda, mas todos lhe negaram. 

Os deuses ouviram palavras ofensivas, não eram encarados nos olhos e sempre acabavam sendo tratados com desdém. 
Por conta disso passaram sede e fome e outras privações. Exaustos, depois de muito caminhar, Zeus e Hermes, já não mais acreditavam que o ser humano era capaz de lhes dar um mínimo de hospitalidade (eles só queriam beber água fresca, uma refeição quentinha, aliviar os pés com água morna e uma cama para deitar). 
Chegando à Frigia, lugar reconhecidos por seus inúmeros criminosos e arruaceiros, os deuses encontraram ali um casal de velhinhos bem pobres, Filêmon e Báucis, que, apesar das dificuldades, eram felizes. 
O casal fazia tudo junto, sempre um ajudando ao outro. Quando os deuses-mendigos lhe bateram à porta, foram recebidos pelos dois anciões com largo sorriso. 
O dono da casa pediu que eles entrassem, pois eles estariam famintos e cansados; enquanto a senhora, lhes oferecia cadeiras para sentar e foi imediatamente lhe buscar água para lhes matar a sede. Na volta ainda lavou os pés dos dois andarilhos. Enquanto os deuses descansavam o casal colheu legumes, usou o último pedaço de toucinho que tinham e lhes prepararam uma refeição – queriam até matar o último ganso que tinham, mas os deuses lhe impediram. 
Os deuses tinham os olhos cheios de lágrimas vendo aquela hospitalidade toda – o casal lhes deu tudo o que tinham, sem pensar no amanhã. 
Depois da refeição o casal ofereceu sua cama para que eles dormissem. Neste instante uma grande tempestade apareceu e o casal saiu para ajudar os vizinhos. 
Naquele momento uma metamorfose aconteceu: a chuva se foi e a velha choupana do casal se transformou num luzidio templo de mármore, onde o teto reluzia em ouro. 
Zeus e Hermes mostraram sua verdadeira aparência e o casal ficou espantado, mas cheios de alegria. 
Imediatamente puseram-se de joelhos, em sinal de adoração. Foi quando os deuses lhe permitiram que eles fizessem um pedido para cada um deles: como sempre, os dois pediram juntos, queriam servi-los pelo tempo que restasse a eles e que gostariam de morrer juntos, pois assim não precisariam cuidar um do outro. Assim, “depois de anos servindo no templo, Filêmon e Báucis foram transformados em carvalho e tília, respectivamente; suas copas e galhos se entrelaçaram no alto, assim abraçados e unidos para sempre” (BOFF, 2005: 85). 
Sabe-se, através de relatos de viajantes que passam pela atual Turquia, região onde o mito supostamente teria ocorrido, da existência dessas árvores encontradas lado a lado, com seus entrelaçamentos de galhos e copas. E que, os habitantes mais velhos daquela região continuam ensinando aos mais novos que: quem hospeda um peregrino, hospeda a Deus. 
A antropóloga Juliet Du Boulay (1991) Stranger and gifts: hostility and hospitality in rural Greece, enfatiza a hospitalidade como uma dádiva que acontece perfeitamente quando não se espera por um retorno (p.45), e traz a relevância do poder da história da hospitalidade através da importante contribuição folclórica, da mitologia (p.49).     
A sociabilidade manifesta-se sempre na comida compartilhada. 
Comer é uma ato individual, em seu interesse mais pessoal; porem comer acompanhado, coloca necessariamente o indivíduo diante do grupo, usando-se o ato de comer como veículo para relacionamentos sociais: a satisfação da mais individual das necessidades torna-se um meio de criação coletiva, de (re) criação de uma comunidade. 
Neste mesmo raciocínio, a origem da palavra companhia deriva da palavra latina companion significa: "uma pessoa com quem partilhamos o pão". 
Partir o pão e partilhá-lo com amigos significa a própria amizade, e também confiança, prazer e gratidão pela partilha.

Olubajé 
Diz uma lenda que Xangô, um Rei muito vaidoso, deu uma grande festa em seu palácio e convidou todos os Orixás, menos Obaluaiyê, pois as suas características de pobre e de doente assustavam o rei do trovão. 

No meio do grande cerimonial todos os outros Orixás começaram a notar a falta do Orixá Rei da Terra e começaram a indagar o porquê da sua ausência, até que um deles descobriu de que ele não havia sido convidado. 
Todos se revoltaram e abandonaram a festa indo a casa de Obaluaiyê pedir desculpas, Obaluaiyê recusava-se a perdoar aquela ofensa até que chegou a um acordo; daria uma vez por ano uma festa em que todos os Orixás seriam reverenciados e este ofereceria comida a todos desde que Xangô comesse aos seus pés e ele aos pés de Xangô. Nascia assim a cerimônia do Olubajé. 

No Olubajé são servidas todas as comidas de santo, menos as de Xangô e são elas: 
Feijão Preto Cozido - Axoxó((milho vermelho cozido e decorado com fatias de coco)  
A pipoca, a banana da terra frita, além da farofa de Omolu onde vão os seus axés. 
O feijão fradinho, feijão preto e milho de galinha cozidos com ovo cozido por cima. 
A Mostarda refogada e o Omolokun,  o feijão fradinho, feijão preto e milho de galinha cozidos com ovo cozido por cima. - Acaráobá - Acarajé - Ebô - Eboyá - Acaçá - Aruá ou aluá (bebida fermentada a base de gengibre e rapadura) 
Todos estes alimentos são servidos na folha de mamona (Ewèlará: folha do mundo). 
Em seguida. Todos os presentes na cerimônia devem comer um pouco de cada uma das comidas, utilizando apenas as mãos para comer, e é também obrigatório que todos dancem ao som das músicas e cantigas que vão sendo entoadas em louvor do Orixá.

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