O livro “Doces de Pelotas”

A relação entre Portugal e Brasil não deixou só coisas amargas, com fim da colonização, muitas foram as influencias sofridas pela gastronomia lusitana em nosso pais, no início do século XIX, chegam os portugueses na região de Rio Grande, momento em que mudaria toda a história gastronômica de uma região e de muitas gerações.

O açúcar era escasso antigamente, apenas indivíduos que se destacavam na sociedade possuíam recursos para obtê-lo. Importado do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco, de Santos e de Santa Catarina, o açúcar chegava no porto de Rio Grande. 
Não só o açúcar era importado, mas também outros produtos como cestas de marmelada, caixas de doces, chocolates e frascos de conservas de frutas.
A tradição doceira começou na época do apogeu do charque, pois era costume das famílias mais abastadas servirem doces como agrado aos convidados. 

Doces finos, grande parte à base de ovos, eram servidos durante os saraus realizados.
As festas comemoradas pelos açorianos – tanto religiosas como profanas – eram sinônimo de muito licor e vinho.

Ao partirem para o Rio Grande do Sul, trouxeram o que foi possível, na busca da conservação dos hábitos gastronômicos. 
Não conseguiram preservar tudo, um exemplo é a presença dos tabuleiros de doces que ficavam nas ruas, durante os carnavais. 
Assim como existem guloseimas, como os famosos Filós ou Filóses, que não desapareceram dos Açores, mas nem chegou ao Rio Grande.
Nas comemorações natalinas e na virada do ano, os doces também não faltavam no cardápio. Em pleno verão, os rio-grandenses se empanturravam de cocadas, pudins, bolos, merengues e caramelos. 
Também no inverno, durante os jogos de tabuleiro entre famílias, nunca faltavam papos-de-anjo, quindins, amanteigados e espessos doces em calda, juntamente com um licor de pêssego ou butiá, para aquecer o corpo.

No prefácio, Athos Damaceno conta um pouco de como tais doces surgiram e se tornaram tão famosos. A verdade é que o Rio Grande do Sul sempre sofreu, principalmente no final do século 19, de falta de açúcar, o que criou uma verdadeira “tara” local por doces. 
A técnica de fazer as guloseimas foi aprendida com os portugueses (aliás, nunca havia notado que a maioria dos doces por aqui tem origem portuguesa).

As senhoras pelotenses (d. Arminda, d, Mariquinhas Vizeu, d. Laura Zanotta e tantas outras citadas no livro) começaram com compotas, doces de abóbora e de pêssego cristalizados. Depois, foram se aperfeiçoando e cada vez mais bem-casados, olhos-de-sogra, fios de ovos, toucinhos do céu e muitos outros mais foram sendo provados em Pelotas e “importados” por viajantes por todo o país. Daí a fama.
A tradição doceira está preservada pela realização, no inverno, da Fenadoce, que nasceu em 1986 em bancas emprestadas pela Feira do Livro. 
No site da feira, em que são apresentadas receitas dos doces mais famosos, são diferenciados os “finos” dos “coloniais”.
Estes seriam os cristalizados, as geleias e tudo aquilo vindo de hortas, pomares e roças. 
Os finos seriam fruto do refinamento de uma arte culinária voltada para eventos sociais. 
No começo, eram pequenos – os bocados, com sabor específico: ovos, leite, coco, abóbora, nozes, etc.

Com a passagem do tempo e a incorporação do leite condensado, os doces se tornaram grandes para garantir a sobremesa, sustentar lanches de rua ou acompanhar o chá em confeitarias. Nada muito diferente do que acontece em quaisquer cidades de médio e grande porte, onde a doçaria tradicional (dos tachos de cobre e fogões a lenha) vem dando lugar à indústria de doces feitos em panelões a vapor. 
A diferença é que, em Pelotas, o hábito, além de tradição, virou negócio capaz de revitalizar pontos comerciais apagados.

Em maio de 2018 Pelotas foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio material e imaterial do Brasil. A tradição doceira de Pelotas, que inclui a “Tradição Doceira da Região de Pelotas e Antiga Pelotas – Morro Redondo, Turuçu, Capão do Leão e Arroio do Padre”, também foi inserida no Livro de Registro do Patrimônio Imaterial, na categoria dos saberes (artigo 1ᵒ, SS1ᵒ, inciso I, do Decreto 3.551/2000).

O reconhecimento aumentou ainda mais a importância da Fenadoce como uma feira que representa a cultura de Pelotas para todo o mundo através dos doces da região. 

O processo levou mais dez anos para ser finalizado. Com ele, o Conjunto Histórico de Pelotas será tombado, com registro nos três livros do Iphan: Livro de Tombo Histórico; Livros de Belas Artes e Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. 


As praças José Bonifácio, Coronel Pedro Osório, Piratinino de Almeida, Cipriano Barcelos e o Parque Dom Antônio Zattera, conjuntamente com a Charqueada São João e a Chácara da Baronesa são reconhecidas como Patrimônio Cultural Brasileiro. 

A Presidente do Iphan, Kátia Bogéa, destacou que Pelotas é um caso raro de município que possui Lei de Preservação do Patrimônio Cultural, com prédios tombados pelo município, exemplo a ser seguido.



Doces de Pelotas” traz quase 500 receitas “especialidades” da região.
Entre as 500, aí vai a minha receita favorita (na linguagem do livro):

Bem-Casados

Ingredientes:
200 g de açúcar
6 ovos e mais 3 claras
1 colherinha de fermento Royal
200 g de farinha de trigo

Misture as gemas com o açúcar e bata-as bem; junte as claras batidas em neve e, por último, a farinha peneirada com o fermento. 
Sobre um tabuleiro untado com manteiga, faça os bem-casados com uma colherinha e leve-os ao forno quente. Una os docinhos de 2 em 2 intercalando-os com ovos moles (receita abaixo), e cubra-os com glacê fino (pirãozinho de açúcar e água quente o quanto baste para dissolver o açúcar).

Ovos Moles

Ingredientes:
12 gemas
3 xícaras de chá de açúcar
1 xícara de chá de água
1 colherinha de manteiga
1 pitadinha de sal

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