A origem da palavra Gindungo

Por Manuel Rodrigues Vaz.

Embora o Google não seja de muita confiança nalgumas coisas, sobre o que diz do gindungo, essa inevitável angiosperma que continua a apimentar e a dar sabor aos nossos churrascos, acerta de uma maneira geral sobre o que compendia a história da alimentação, agora muito em voga, desde que os intelectuais novos-ricos descobriram que o Albino Forjaz Sampaio tinha razão quando dizia, em 1939, que a Gastronomia, a culpada da Volúpia, devia ser denominada como a Nona Arte.











Os primeiros europeus a ter contato com esta espécie foram os membros da tripulação que acompanhou Cristóvão Colombo quando desembarcaram pela primeira vez na região das Caraíbas em 1492. 

Além de ser uma iguaria nobre muito apreciada pelos antigos habitantes das Américas, era também utilizada como corante natural e, sobretudo, como medicamento.

Segundo confirma o Google, o picante da capsaicina deve ter despertado o interesse de portugueses que há décadas buscavam a rara pimenta-preta da Ásia (a pimenta do reino, cujo químico ativo do picante é a piperina). 

No período de intensas trocas e viagens, navegadores portugueses levaram esta angiosperma, para Portugal e para o Brasil, onde ficou conhecida como pimenta-malagueta, para África, onde se tornou muito popular (gindungo ou piri-piri), e acabaram por a levar também para a Ásia, onde se tornou um ingrediente do tradicional caril. Menos de um século depois de ser levada para a Europa, a pimenta-malagueta devido às suas qualidades, espalhou-se por diversas culturas ancestrais, incluindo a Arábia, a Índia, a Tailândia, a China, entre muitas outras regiões.

A palavra gindungo tem uma origem tão inesperada como simples, e foi-me contada recentemente por um chef que passou uns anos em Luanda nos anos 90. 

Ele ouviu-a, por sua vez, a um seculo no Bom Jesus, especialista em fazer cachimbos de encanto, que os viandantes pretendiam comprar a todo o preço, mas que eram apenas pertença dele, que se deleitava em os aprimorar ainda mais. 

O António Matos era irmão do Fernando Neves, que chegou a estar à frente do restaurante S. João, no Maculusso, cujos proprietários eram o João Melo e o seu falecido irmão. Já agora vem a propósito dizer que o Fernando Neves, falecido há quatro anos vítima de cancro mortal, e que geria também o restaurante Serra da Estrela, na Feira Popular, era tão intrépido como ousado, pelo que em Portugal, para fazer marketing ao seu espaço Serra da Estrela, que detinha na Feira Popular de Lisboa, chegou a candidatar-se à presidência da República. 

Na verdade os seus principais objetivos foram conseguidos e ficou célebre uma movimentada viagem de apresentação aos meios de comunicação da sua candidatura no distrito da Guarda, com o apoio do partido MRPP, em que os três dias da volta foram bem regados e bem comidos em suculentas refeições nas casas das suas três esposas segundas. 

A primeira é que não gostou desta história e despachou-o de casa ficando a deter o tal Espaço da Serra da Estrela, que ampliou para o Shopping das Amoreiras, pelo que a saída foi Angola, onde há sempre lugar para quem quer progredir.

De uma maneira geral nas línguas do norte de Angola, o que chamamos agora como tal era conhecido como ndungo, isto é, em português, coisa agradável, e deu origem diretamente a um prato muito simples e saboroso, agradável, o Meia Ndungo, confeccionado com peixe seco assado, cebola e o respetivo gindungo.

Tendo descoberto as qualidades do ndungo não só para ampliar os sabores na gastronomia, mas porque ao intensificar a transpiração purificava o organismo e provocava o refrescamento do corpo, os colonos portugueses começaram a conservá-lo em gim, que lhe apurava o sabor.

 Quando o pediam para a mesa, – Traz-me aí o gim do ndungo! – estamos mesmo a ver com o que aconteceu. A preguiça provocou a evolução e depressa houve a simplificação habitual. 

Rapidamente o ndungo passou a ser gindungo. Razão também porque deve ser escrito com g e não com j, como erradamente muita gente continua a fazer.

Em Moçambique, o gindungo é conhecido como piri-piri, palavra swaíli, que significa “pimenta-pimenta” referindo-se a generalidade das pimentas. Em Portugal, é usual encontrarem-se essas pequenas pimentas, enforcadas em guirlandas em diversos mercados, especialmente do interior serrano. 

Atualmente, em circunstância alguma, na maior parte dos restaurantes portugueses, é servida galinha ou frango sem a pergunta “Com piri-piri?” ou, Sem piri-piri?.

Diga-se a finalizar, que o gindungo, em Angola apresenta-se de várias formas, mas são duas as mais apreciadas, o De kahombo, maior, redondo e avermelhado, com grandes qualidades como amplificador de sabores, e o De kibundo ou calequeta, mais pequeno e pontiagudo, muito mais agressivo do que o normal. É vulgar falar-se sobre as suas capacidades como motor de erotismo, que lhe vêm de ser um vaso-dilatador natural, pelo que também é conhecido como “a alegria da casa”.


Manuel Rodrigues Vaz, é Jornalista,  Escritor, Linguista e Crítico de Arte.

Nasceu em 1944, em Beira Valente, concelho de Moimenta da Beira, onde fez os estudos primários e secundários. Depois de ter concluído o curso do Magistério Primário em Lisboa, em 1962, seguiu para Angola, onde trabalhou como formador de professores do ensino primário rural até 1966, ano em que foi chamado a cumprir o serviço militar, o que decorreu até 1971, no Centro de Instrução de Comandos, na Secção de Acção Psicológica e Mentalização.

Desde o início da sua estada em Angola colaborou nos diários A Província de Angola e Diário de Luanda e nas revistas Noite e Dia, Semana Ilustrada e EF. 

Em 1972 entrou como redactor no Diário de Luanda, tendo sido promovido a sub-chefe de Redacção em 1973, ao mesmo tempo que fazia a coordenação do suplemento Artes e Letras. Após o 25 de Abril fez parte da equipa que reabriu o matutino O Comércio de Luanda, onde esteve até Setembro de 1974. 

A seguir entrou nos quadros da Emissora Oficial de Angola e depois integra o quadro fundador da Televisão Popular de Angola, TPA, com o escritor Luandino Vieira, de que foi adjunto até Maio de 1977, regressando à Rádio Nacional de Angola com o cargo de Chefe do Serviço Internacional. Em Portugal exerceu, de 1982 a 2000, o cargo de chefe da Secretaria da Redacção do Correio da Manhã, onde, ao mesmo tempo, manteve uma vasta colaboração no âmbito cultural, designadamente no sector de divulgação de Artes Plásticas. 

Atualmente é editor, sócio-gerente da Pangeia Editora, continuando a colaborar nas revistas Tempo Livre e África 21, e é editor da revista Cadernos Culturais de Telheiras. 

Em Luanda, além de ter trabalhado durante vários anos como assistente de programação da Angola Filmes, publicou o livro O Alvorecer do Cinema, edição do Círculo Universitário de Cinema de Luanda, 1969, de que foi co-fundador e responsável pela execução dos programas. Em Portugal, além de ter elaborado textos para mais de uma centena de catálogos de exposição de artes plásticas, e de fazer tradução literária para as editoras Vega e Hugin, publicou Albino Moura – A Cor do Imaginário, Universitária Editora, 1994; À Roda da Fogueira, Universitária Editora, 1996; Albino Moura – O Inventado Olhar, Inquisição, 1997; João Patrício, Um Poeta em Paço de Arcos, Câmara Municipal de Oeiras, 1997; A Simbólica nos Desenhos de Troufa Real, Galeria Hexalfa, 2001; Angola, Estórias Esquecidas, Hugin Editora, 2003; Os Galegos nas Letras Portuguesas, Pangeia Editora, 2008.

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