No pais do tempo que foi: Os quintais de Ernesto Lara Filho

Na obra do poeta angolano Ernesto Lara Filho, a representação literária da cidade de Benguela é privilegiada, bem como a infância e seu espaço de evocação: O Quintal.



Ernesto Pires Barreto Lara Filho nasceu em Benguela em 1932 e faleceu no Huambo em 7 de Fevereiro de 1977 num brutal acidente de viação, com apenas 45 anos.

Ernesto Lara Filho, poeta angolanos
Nome Completo: Ernesto Pires Barreto Lara Filho
Género Literário: Jornalista, poeta
Profissão: Jornalista
Nascimento: 02 de outubro de 1932, Benguela, Angola
Falecimento: 07 de fevereiro de 1977, Huambo, Angola
Ernesto Lara Filho deixou à literatura angolana com «um nome que entre finais da década de 50 e a primeira metade dos anos 60 assinou crónicas e reportagens de elevada qualidade, um pouco por toda a chamada "grande imprensa de Portugal e Angola…"

Fez os seus estudos (primários e secundários) na cidade de Benguela, vindo para Portugal onde concluiu em 1952 o curso de regente agrícola, na Escola Nacional de Coimbra.

Deambulando por vários países da Europa, trabalhou muitas vezes em restaurantes e na construção civil, como operário, para fazer às dificuldades econômicas.

Depois de uma prolongada estadia em Moçambique, regressou a Angola fixando-se em Luanda, onde vai exercer o jornalismo, em paralelo com a sua atividade de quadro especializado dos serviços de Agricultura e Florestas de Angola, assinando diversas reportagens e crónicas no Jornal de Angola , na página "Artes e Letras" do jornal A Província de Angola , no Diário de Luanda , no ABC , na revista Mensagem da CEI (Casa dos Estudantes do Império) e na revista Cultura(II) .

Juntamente com Inácio Rebelo de Andrade, dirigiu a " Colecção Bailundo" onde se publicaram três livros de poesia. Devido à sua actividade política e cultural de apoio ao movimento independentista, apoio esse bem patente na sua escrita jornalística e literária, foi preso pela PIDE (Polícia Política de Intervenção do Estado)

Foi co-fundador da União dos Escritores Angolanos em Luanda no ano de 1975.

É considerado por certos críticos como "'Escritor maldito', pela sua postura de boémio e por contradizer o status quo e o bom gosto da "elite intelectual", da época (e não só).

Mesmo depois da independência nacional Ernesto Lara Filho nunca abandonou o seu espírito inconformista, individualista, humorista e a obsessiva apologia à marginalidade que constituem imagens de marca da sua poesia e dos seus ensaios.

O reconhecimento da sua obra é consagrado pela presença de muitos dos seus textos em diversas antologias literárias, publicadas entre 1957 e 1976. As suas crônicas jornalísticas foram compiladas em 1990 sob o título Crônicas da Roda Gigante.

EVOCANDO O POETA ERNESTO LARA FILHO


Alternando com as crises de depressão, numa sequência quase pendular, o Ernesto tinha períodos plenos de confiança no futuro e de boa disposição.

(...) ele ria e gargalhava com franqueza, criando à sua volta um ambiente festivo; os seus apartes, o relato dos seus acontecimentos (provavelmente mais inventados do que vividos), as suas histórias, sobretudo as suas anedotas tornaram-se proverbiais.

O Ernesto tinha uma concertina, já velha de tanto uso, com que acompanhava as melodias da época. Mais com garra de que com jeito, pegava nela e começava a função: o fole abrindo e fechando ao ritmo da música, de cima a baixo, de lado a lado, como uma cobra estranha a colear cheia de sons. Tudo o que se cantava na altura (as composições que começavam a aparecer do Roberto Carlos, os êxitos do Francisco José e do Toni de Matos, as canções da Nara Leão e da Ângela Maria), tudo vinha soprado desse fole incansável, por entre os tiques e os taques secos das peças gastas do instrumento. Era um espanto, um regalo, um prazer!

«Mais uma, ti Ernesto! Mais uma!» — os miúdos não se cansavam de pedir, sentados à volta dele, acotovelando-se uns nos outros: — «Só mais uma!»

O meu Amigo era também um homem de alcunhas. Olhava as pessoas num instante, sorria no seu jeito caraterístico e batizava-as logo com o nome adequado: era o «Manel das Vacas», o «Belmiro Rebiteiro», o «Amorim Bate-Sorna», etc., etc. Cada nome parecia um retrato a corpo inteiro, mas um retrato que ilustrava, não só o físico do destinatário, mas também o que este escondia no íntimo: frustrações, ambições, cabotinismos e outros atributos que tais...

Para o Ernesto, as palavras tinham sempre significados múltiplos. Quando ele falava do «Manel das Vacas», não queria dizer apenas que o Manel em questão se dedicava ao negócio delas, mas também que bamboleava o corpo como as ditas, que as suas ideias não eram pensadas, mas ruminadas.

Já recentemente, saiu um livro que reuniu algumas crónicas do meu Amigo, escritas entre 1956 e 1963, para o «Jornal de Angola», o «Notícia», o «ABC» e o «Planalto».
Uma homenagem que se prestou mais uma vez a título póstumo, como de costume.

Eu não considero a seleção muito feliz. Mas louvo mesmo assim a iniciativa, que permitiu reencontrar o estilo, a forma e a fluência de quem escreveu sempre, não apenas para dar uma opinião, mas sobretudo pelo gozo de fazer isso numa folha de papel. O Ernesto não se sentava à secretária e batia à máquina só para discorrer sobre um assunto, mas porque tinha prazer em escrever fosse lá sobre o que fosse, contasse lá o que contasse, tal como quem faz amor (ele diria neste momento «amor com uma mulata»).

O livro que veio a lume documenta bem o facto — e só por esse motivo tem um valor incontestável. Há lá páginas e passagens deliciosas, onde a satisfação sentida pela escrita-escrita se revela prodigamente.

Leiam-se muito a propósito os excertos apresentados a seguir:


«Há feijoadas que são poemas. Há poemas que são feijoadas. Há ‘funge’ que é uma delícia. Há picantes. Há ‘quimbombo’. Há galinha. Há caloiros que fizeram o sétimo ano e há jogadores da Académica que iniciaram a sua preparação com vistas ao Campeonato de 61. Há de tudo como na vida.

Até há um repórter bisonho que não percebe nada de futebol e que assiste como convidado especial à feijoada realizada em casa de Mário Wilson (...)»

«Morei também num saparalo grandinho que fica no Largo da praça de automóveis no centro da cidade e com varanda larga e ornada nesse tempo de buganvílias roxas. No Largo que dá para o prédio do ‘Intransigente’ — o jornal do Gastão Vinagre — que também é feito de adobes e tem uma parte coberta de zinco, o mesmo zinco da infância onde todos os meninos gostaram de atirar pedras que faziam tébéi, tébéi, tébéi e vinham rolando por ali abaixo.»

«Lisboa está cheia de mulheres. Muitas. Lindas. Mulheres loiras, aquele loiro sueco importado do Norte da Europa. Morenas com o seu pedaço de sangue africano. Pretas esculturais. Chinesas. Holandesas. Americanas.

Há mulheres. Lisboa é uma cidade de mulheres. De homens que só olham para as mulheres. E o angolano apardalado, vindo do ‘mato’, chegadinho no ‘Império’ ou no ‘Vera Cruz’, olha embasbacado para tanta mulher. Altas. Baixas. Pequeninas. Às riscas. Perfume no ar.

(...) Ancas bailando. É isso. Isso mesmo. Ancas bailando. E depois, ritmo e elegância no andar. Elas sobem o Chiado, atravessam o Rossio, desembocam nos Restauradores. Olhares masculinos grudados no corpo. (...) O meu bigode angolano refulge.»

O Ernesto era assim. Com a folha de papel à frente, batendo furiosamente nas teclas da máquina, alinhava palavras umas à frente das outras, repescando a última para avançar para a seguinte, tudo rápido, tudo incontrolado, tudo quente, como um vulcão que deita lava.

Eu fecho os olhos e revejo o quadro com toda a nitidez: o meu Amigo sentado de frente, a cabeça inclinada sobre o teclado, servindo-se apenas dos dois indicadores, cigarro no canto da boca, a barba em desalinho, a figura recortada na luz que entrava pela janela.

Numa sessão de anedotas, quando se confrontava com um especialista do «ramo», como era o Chico Barata, o Ernesto fazia empenho em não se deixar bater. Com a mesma fluência com que redigia uma crónica, contava ou inventava uma história — e fazia rir toda a gente. No «Himalaia», na «Diana», nos machimbombos a caminho da Chianga, por tudo quanto era sítio, o meu Amigo lá estava com a sua audiência, a marcar pontos, com graça, chiste e muito sentido de oportunidade.
Mas depois... depois vinha outra crise de depressão, vinham os copos bebidos em excesso, as noites passadas sem dormir. E mesmo de dia, a pleno Sol, uma sombra parecia tombar sobre aquela alma insatisfeita, até não se sabia quando.

Inácio Rebelo de Andrade
in Saudades do Huambo
(Para uma Evocação do Poeta Ernesto Lara Filho e da «Coleção Bailundo»)
Num, Évora, 1999 (versão revista pelo autor)


Doce de Gindungo
Doce tradicional Angolano, feito a partir do "Gindungo" Amendoim.
O amendoim (Arachis hypogaea L.), também conhecido no sul de Portugal (Alentejo e Algarve) como alcagoita e no Brasil como amendoí, amendoís, mandobi, mandubi, mendubi, menduí, minuim e mindubi, é uma planta da família Fabaceae. A planta do amendoim é uma planta herbácea, com caule pequeno e folhas compostas e pinadas, contendo quatro folíolos de formato elíptico e com inserção alternada. Possui abundante indumento, raiz aprumada, medindo entre 30–50 cm de profundidade. As flores são pequenas e amareladas e, depois de fecundadas, penetram no solo, com a ajuda de uma estrutura denominada ginóforo e de um fenômeno conhecido como geocarpia, onde os legumes se desenvolvem subterraneamente. O fruto é uma vagem.
O amendoim tem uma grande importância econômica, principalmente na indústria alimentar. Algumas variedades produzem grãos com uma grande quantidade de lípidos (de 45 a 50% de lipídios) e têm sido utilizadas para a fabricação de óleo de cozinha. Em várias regiões da África, o amendoim é moído para cozinhar vários pratos da culinária local, que ficam assim mais ricos em lípidos e proteínas. É muito apreciado como aperitivo, torrado ou frito




DOMINGO DE ANGOLA
Para mim, domingo de Angola é paraíso.
É um Céu. Colorido.
É moamba
de peixe ou caril de galinha de Quilengues.
Domingo de Angola não tem rival no mundo.
Começa na praia e acaba na sesta.
Não tem Sporting-Benfica, nem linha de Sintra, não tem passeio a Vila Franca.
Não tem touros, nem Cacilhas, nem caracóis no Ginjal.
Domingo de Angola, para mim, é o melhor domingo do mundo que eu conheço – e que
já não é nada pequeno, benza-o Deus.
Moamba para mim é um ritual.
Tem pirão de fuba de mandioca – que eu sou do Sul, usa-se de milho, mas eu prefiro de mandioca à moda do Norte, à moda de Malanje, tal qual no Uíje – mete farinha de pau e
obrigado velha que está uma delícia.
Tem de ser comido à sombra de um
palmeira ou coqueiro, debaixo de uma mandioqueira ou mangueira quando
é no interior.
Porque coqueiro só no litoral.
É por estas e por outras
que eu gosto do domingo em Angola.
Domingo de Branco. Domingo de Preto.
Domingo de todos, domingo de missa, de padre, de domingo.
A verdadeira moambada, aquela que é feita de galinha tenra, tão tenra
que sabe a peito de virgem, a moamba verdadeira, tem de ser do cacho
primeiro da palmeira do quintal.
O molho será apurado pelo velho cozinheiro, que foi mestre dos pais,
dos filhos e dos filhos dos filhos.
Tem molho que é de “come e arrebenta e o que sobra vai no mar”
como dizia o poeta patrício e mulato Viriato da Cruz, no “Sô Santo”.
Moamba verdadeira, repito, só se come duas ou três vezes na vida.
É preciso estar-se em estado de graça.
Estar-se com Nosso Senhor e comos anjos.
Moamba para mim, é saudade, hoje que estou longe, hoje que estou
perto. Estou perto de estar tão longe. Não compreendem leitores?
A gente está longe e tem saudades.
Antes de adormecer, pela noite, vem a lembrança, da pitangueira do quintal, da Rosa Lavadeira, do amo-seco
Canivete que falava “axim” à moda de Viseu, e tudo isso aparece nítido, cada vez mais claro e puro como certas horas da madrugada da Serra do Lépi.
A primeira vez que comi moamba, dela me lembro como daprimeira vez que beijei mulher, do primeiro desafio de futebol, do primeiro amor nocturno na areia da praia, com mulher de verdade.
A primeira moamba, lembra-se como se lembra a primeira ida à escola.
O travo nativo do cacho de déndém, que leva meses a fazer-se, até os
frutos terem a tonalidade da queimada.
Metade o clarão no céu da noite, a outra metade, escuro, um escuro de breu.
Tudo isso o sabor tropical junta naquele fruto, que tem brisa do mar, sol de praia,
frescura de casuarina, amor de mulata.
O coconote e as influências indianas nadando no molho.
Tem jindungo, a moamba genuína, aquela que cheira a sândalo, que escorre do canto da boca, do patrício apaixonado, de olho rútilo e lábio trémulo.
Mas a galinha, essa tem de ser de Quilengues, magra e criada no mato, quase sem penas, galinha de sanzala, galinha de preto, que é como quem diz, de pobre.
Isto está divinal, velha, eu um dia volto.
Se entra a erva-doce, zumba que zumba e farinha de pau, oh, céus, oh, Mãe, isto não é moamba, isto é poesia.
Literatura.
Mas tem de ser comida no terreiro da casa de adobe do bairro velho.
Tem de ser comida em ritual, na casa de adobe com telhado de zinco da
estrada da escola da Liga, ou num dos Muceques de Luanda, por sobre as
areias avermelhadas do Prenda ou do Burity.
Depois a altura do peito de mulher na moleza da carne ou do peixe. Se
é “roncador”, aka, é peixe da costa e sabe que sabe tão bem. Mas de
galinha é melhor.
Galinha de Quilengues escanifrada, repito.
Galinha de pobre.
Fico por momentos em êxtase, as mãos sobre o estômago, lembrando o terreiro da família Gamboa lá de Luanda onde comi uma coisa dessas uma
vez há muitos anos.
Num bairro velho de Benguela, eu estarei ainda um dia com meus companheiros dos tempos de eu menino, comendo moamba e bebendo quissângua à sombra do bambu do Edelfride – na casa do Edelfride.
Moamba é riqueza de pobre e fraqueza de rico.
Entra em palácios sem pedir licença, com o mesmo à vontade com que se senta nos quintais com sombra de mangueira e entra em terrina de esmalte, prato de esmalte,
caneca de esmalte, garfo de alumínio. Velho sonho de poeta, lembrança
de castimbala, moambada para mim é saudade e sonho, recordação e
batuque, história de amor.
Um dia, quando eu voltar, hei-de comer uma moambada de peixe ou de
carne, à sombra de um cajueiro, num Muceque de Luanda, moamba do cacho
primeiro da palmeira do quintal, não é velha? Depois de muito beber
dormirei a sesta. E hei-de gostar de ouvir um desses rapazes do meu
tempo, feito velho de cabelos brancos, recitar baixinho enquanto
adormeço, a balada do Viriato:
“… Kitoto e batuque pró povo lá fora champanha, ngaieta tocando lá dentro…
Garganta cantando:
“Come e arrebenta
E o que sobra vai no mar…”
Para mim, domingo de Angola é isso tudo. Um Céu colorido. Uma moamba
de peixe. Uma noite de luar.
… não tem Sporting-Benfica, não tem touros, nem caracóis no Ginjal…

Ernesto Lara Filho, in Jornal de Notícias, 1957


Infância perdida
(para o Miau)
Nesse tempo, Edelfride,
Com quatro macutas
A gente comprava
Dois pacotes de ginguba
Na loja do Guimarães.
Nesse tempo, Edelfride,
com meio angolar
a gente comprava
cinco mangas madurinhas
no Mercado de Benguela.
Nesse tempo, Edelfride,
montados em bicicletas
a gente fugia da cidade
e ia prás pescarias
ver as traineiras chegar
ou então
à horta do Lima Gordo
no Cavaco
comer amoras fresquinhas.
Nesse tempo, Miau,
(alcunha que mantiveste no futebol)
nós fazíamos gazeta
da escola coribeca
e íamos os quatro
jogar sueca
debaixo da mandioqueira.
Era no tempo
em que o Saraiva Cambuta batia na mulher
e a gente gostava de ver a negra levar porrada.
Era no tempo
dos dongos da ponte
dos barcos de bimba
dos carrinhos de papelão
Como tudo era bonito nesse tempo, Miau!
Era no tempo do visgo
que a gente punha na figueira brava
para apanhar bicos-de-lacre e seripipis
os passarinhos que bicavam as papaias do Ferreira Pires
que tinha aquele quintalão grande e gostava dos meninos.
Era no tempo dos doces de ginguba com açúcar.
Mais tarde
vieram os passeios nocturnos
à Massangarala
e ao Bairro Benfica.
E o Bairro Benfica ao luar
O poeta Aires a cantar
(meu amor da rua onze e seu colar de missangas…)
Tudo era bonito nesse tempo
até o Salão Azul dos Cubanos
e o Lanterna Vermelha – o dancing do Quioche.
Foi então que a vida me levou para longe de ti:
parti para estudar na Europa
mas nunca mais lhe esqueci, Edelfride,
meu companheiro mulato dos bancos de escola
porque tu me ensinaste a fazer bola de meia
cheia de chipipa da mafumeira.
Tu me ensinaste a compreender e a amar
os negros velhos do bairro Benfica
e as negras prostitutas da Massangarala
(lembras-te da Esperança? Oh, como era bonita
[essa mulata…)
Tu me ensinaste onde havia a melhor quissângua
de Benguela:
era no Bairro por detrás do Caminho de Ferro
quando a gente vai na Escola da Liga.
Tu me ensinaste tudo quanto relembro agora
Infância Perdida
sonhos dos tempos de menino.
Tudo isso te devo
companheiro dos bancos de escola
isso
e o aprender a subir
aos tamarineiros
a caçar bituítes com fisga
aprender a cantar num kombaritòkué
o varre das cinzas
do velho Camalundo.
Tudo isso perpassa
me enche de sofrimento.
Diz a tua Mãe
que o menino branco
um dia há-de voltar
cheio de pobreza e de saudade
cheio de sofrimento
quase destruído pela Europa.
Ele há-de voltar
para se sentar à tua mesa
e voltar a comer contigo e com teus irmãos
e meus irmãos
aquela moambada de domingo
com quiabos e gengibre
aquela moambada que nunca mais esqueci
nos longos domingos tristes e invernais da Europa
ou então
aquele calulu
de dona Ema.
Diz a tua Mãe, Edelfride,
que ela ainda me há-de beijar como fazia
quando eu era menino
branco
bem tratado
quando fugia da casa de meus Pais
para ir repartir a minha riqueza
com a vossa pobreza.
Diz tudo isso a toda a gente
que ainda se lembra de mim.
Diz-lhes. Diz-lhes
grita-lhes
aos ouvidos
ao vento que passa
e sopra nas casuarinas da Praia Morena.
Diz aos mulatos e brancos e negros
que foram nossos companheiros de escola
que te escrevo este poema
chorando de saudade
as veias latejando
o coração batendo
de Esperança, de Esperança
porque ela
a Esperança
(como dizia aquele nosso poeta
que anda perdido nos longes da Europa)
está na Esperança, Amigo.
Edelfride, você não chore
saudades do Castimbala
nem lhe escreva
cartas como essa
que são de partir

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