Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-G Galinha de Quintal com Açafrão 
A culinária da Chapada Diamantina, é rica como sua historia, por ali passaram tropeiros que logo se tornaram garimpeiros no Ciclo de Ouro no seculo XIX.
Diversa e singular a culinária local é remanescente do tempo dos garimpos, que com o passar do tempo, deixou suas marcas na economia, na arquitetura rebuscada, preserva até hoje profunda relação com sua gente.


























Esta receita tem sabor de memoria e de saudade, vem da Dalva Estela de Azevedo tem 37 anos, que mora em Joanesburgo, ela tem um blog que se chama Fatias de Memoria, onde ela relata de forma emocionada, o reencontro com esta receita, preparada por sua família, confira: 

"Tal memória se refere ao frango refogado no açafrão que preparo quando tenho muita saudade das minhas queridas mamãe (75 anos) e avó (96 anos). 
O açafrão que utilizo aqui do outro lado do Atlântico veio da Chapada Diamantina, Bahia, onde minha avó mora até hoje, numa vila chamada Ouro Verde. A minha mãe me ensinou a fazer o frango, que por sua vez aprendeu com minha avó. O aroma que preenche a casa quando adiciono o açafrão ao alho e cebola refogados, acrescido de um pouquinho de vinagre é algo que me transporta para a cozinha da minha mãe, de onde sai a melhor comida que possa existir para mim. Faz-me recordar também da casa da minha avó, principalmente da que ela morava anteriormente, em um sítio, do fogão a lenha, da comida com gosto de comida de verdade e da paisagem montanhosa que de lá se avistava. Este é o método ensinado pela minha mãe: pedaços de frango são, em primeiro lugar, escaldados, segundo instrução da minha avó: “frango tem que ser escaldado senão não presta”. 
Na sequência, pele e gordura são retiradas. Numa panela limpa, refogar cebola, alho, adicionar o açafrão, vinagre e o frango. Deixar refogar um pouco. Colocar massa de tomate e água fervente que cubra todo o frango. Depois é só cozinhar por muito tempo no fogo baixo.
Não é raro percorrer trilhas que cortam a Chapada Diamantina, e encontrar ruínas de localidades desaparecidas, que se dissiparam ao longo do processo de povoação da região, que foram sendo incorporadas as cidades que se estabeleceram com o fluxo da mineração, do ouro e dos diamantes.
Segundo Vilhena: Minas do Rio de Contas foi primitivamente um pouso chamado creoulos. 
Era distrito Mineiro que tinha legislação especial. Foi naquele lugar edificada uma capela sob a invocação de Santa Ana. Muito cresceu com a descoberta e a exploração do ouro, de 1718 em diante. Foi elevado a Vila em 1824.
No início do século XVIII,  o ouro circula entre as cidades de Jacobina e Rio de Contas, no sertão baiano, via abertas pela Coroa de Portugal, a Estrada Real da Bahiapossibilitava o transporte do produto até Salvador. 
No Brasil Colonia a construção dessas estradas foi especialmente intensa e relacionada com a atividade minerária.
Estrada Real por Rugendas
Estrada Real ou Caminho Real foi o nome dado em Portugal e em todo o Império Português aos principais caminhos construídos no país, regiões e colônias, cuja construção e manutenção eram responsabilidade da Coroa Portuguesa,
diretamente ou através dos seus representantes locais.



Os colonizadores mantêm postos no caminho e cobram o “quinto” (20% de taxa) das tropas comerciantes
Os vestígios da antiga rota, calçada entre 1724 e 1725 para o escoamento do ouro e outras riquezas, compõem um traçado que atravessa o Parque Nacional. O maior trecho está em Rio de Contas – a primeira cidade fundada na região – com seis quilômetros de extensão, que vão dar na Serra das Almas.

Açafrão da Terra ou Cúrcuma
O Ouro em pó da Chapada Diamantina.
O açafrão-da-terra (Curcuma longa L. Família: Zingiberaceae) é originário da Índia e foi introduzido Brasil no período colonial, o açafrão-da-terra foi trazido para a Chapada Diamantina por bandeirantes e garimpeiros. 


Depois do advento das grandes navegações nos seculos VI, VII e VII, onde as rotas entre a Índia oriental e ocidental, a Africa e o Brasil se intensificaram disseminando toda sorte de novos alimentos e novas drogas (especiarias). 

O aumento da circulação de plantas medicinais proveniente de locais como a Índia, Ceilão (atual Sri Lanka), China, África e Brasil, permitiu aumentar o arsenal terapêutico com novas drogas, provenientes do reino da natureza de onde se obtinham grande número de agentes terapêuticos para as mais diversas patologias. 
Com a Rota do Cabo, inaugurada em 1498 e a descoberta e colonização do Brasil (1500), popularizam-se o tamarindo, o chá, a cânfora, o cardomomo, o café, e difundem-se o tabaco, a cola, a mandioca, a ipecacuanha, a calumba, o ananás, o cajú, a aquisição do sândalo-branco, pimenta, noz-moscada, gengibre, cúrcuma, canela, aloés, etc., sendo considerados como os primeiros medicamentos baratos e acessíveis da Europa Ocidental.  
No século XIX foi a vez dos viajantes europeus, que tiveram grande influência sobre a cultura e a ciência. 

Garcia de Orta, médico do Vice-rei da Índia, refere a planta Açafrão-da-Índia ou Croco Indiaco ou Curcuma: “Nasce no Malabar, em Calecute...também se dá aqui em Goa mas em pequena quantidade...Avicena parece fazer menção dele (…) Vulgarmente utilizam-se desta raiz para tingir e adubar os alimentos, tanto aqui como entre os Árabes e Persas, pelo motivo de ser comprado mais barato que o nosso açafrão, que também se dá na terra deles; também se aplica em Medicina, principalmente em medicamentos de olhos e para a sarna” (Garcia de Orta, 1563, Colóquio II, 18: 77). A sua raiz era muito utilizada como Medicina na Índia para tenir los guisados, como para las efermidades de los ojos e para la sarna com çumo de Naranja, Leteargirio, y azeyte de Coco (Costa, 1578: 257-58). Sendo nativa da Índia e Ásia Meridional foi uma das muitas plantas trazidas nas caravelas quinhentistas portuguesas para o Mundo Ocidental. 
Garcia de Orta (Castelo de Vide, c. 1501 — Goa, 1568) foi um médico judeu português que viveu na Índia. Foi um autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia.

A descrição da geografia, fauna, flora, clima, costumes, línguas e religião dos povos encontrados correspondem às expectativas de um público ávido de conhecimento e experiências novas. 
No século XIX os jardins botânicos e os museus se apresentam como um imenso livro da natureza, uma vez que dos quatro cantos do mundo, os naturalistas europeus, recolhem mudas, sementes, animais exóticos e minerais preciosos, cujo inventário revela a imagem de uma natureza inesgotável e de variedades infinitas; milhares de exemplares foram registrados por jardineiros e botânicos, estudiosos da geologia, zoologia e meteorologia desse período.
Muito do que de relevante sabemos hoje, sobre os tropeiros, se devem aos diversos relatos deixados por estes naturalistas.

           Tropeiros&Garimpeiros
Os tropeiros eram responsáveis pela distribuição da produção brasileira nos séculos 17, 18 e 19, este fluxo propiciava a multiplicação das informações sobre os costumes e nossas tradições. 
Seus "pousos" deram origem a várias cidades do Brasil. 
Muito do que sabemos hoje sobre os tropeiros e do modo viajante da época, nós foi narrado pelos naturalistas europeus: os cronistas do século XIX. 



A comida tropeira era, por si só, simples, prática para facilitar a locomoção no lombo dos burros, mas de muita “sustança’’, como eles próprios a definiam. 
O básico que o tropeiro levava para comer no caminho era alimentos secos: as farinhas de milho e de mandioca, o sal, o alho, o açúcar e o pó-de-café, que serviam de acompanhamento, não podiam faltar a carne-seca e o toucinho, o feijão, o arroz. 

Na madrugada, o cozinheiro, quase sempre um jovem, acordava e colocava o feijão para cozinhar, em um trempe “tripé” (arco de ferro com três pés, e sob o qual se coloca a panela ao fogo), enquanto os outros arreavam a tropa e colocavam a carga nos animais. 
Depois do feijão cozido, fazia-se o café, e, numa panela, fritava-se o toucinho, preparando um feijão tropeiro bem gordo, completando com a farinha de milho. 
Com o feijão cozido, sem temperos, tomava-se o café, logo seguiam que viagem, o feijão era colocado num caldeirão e levado no saco para o almoço no caminho. 
Depois de pelo menos 4 léguas (mais ou menos 24 Km), os tropeiros paravam num rancho e o cozinheiro ia preparar o almoço. Fritava o torresmo numa panela, tirando o excesso de gordura, e só então colocava o feijão já cozido, os temperos e a farinha de milho, fazendo novamente o feijão tropeiro. 
Alguns tropeiros mais abastados tinham a carne-seca e a lingüiça que eram acrescidas ao feijão. Na seqüência, preparava-se o arroz tropeiro, fritando torresmo em pedaços, escorrendo o excesso de gordura e depois colocando o arroz para cozinhar. Esse era o almoço e o jantar do tropeiro. Um outro fato curioso era o preparo do café, que era bebido logo após as refeições. 
O tropeiro colocava o pó-de-café e o açúcar numa água já quente, quando essa mistura fervia, para decantar o pó, o tropeiro colocava três carvões dentro da água, ou então uma pedra, que era esquentados no próprio fogo. 
Após todo esse procedimento, virava o café noutra vasilha e distribuíam para os membros da tropa. 
Os fluxos de viajantes na região em busca de ouro e diamantes, estabeleceram intenso comercio entre garimpeiros do Oeste de Goiano e a Chapada Diamantina,
atraídos pelos diamantes dos vales dos rios Claro, Pilões e, sobretudo, Araguaia. 

O vale do rio Itapecuru, na região de Lençóis, Mucugê e Andaraí, nas bordas da Chapada Diamantina, na Bahia, sempre foi um grande produtor de diamantes abastecedor da corte portuguesa. 
Antes da metade do século passado, com a notícia dos garimpos de Goiás, muita gente daquela região veio tentar a vida na Chapada Diamantina, esta verdadeira transumância,  
trouxera o hábito e o conhecimento da utilização da Cúrcuma, rústica, a planta hindu, se adaptou bem ao cerrado, que era usada pelos tropeiros, como marcador de trilhas. 
O Pouso
Para a alimentação da tropa, era necessário fazer algum tipo de acampamento, no qual se preparava o alimento para a noite e para consumo no dia seguinte. Podemos ter uma ideia de como seriam esses acampamentos por este relato feito pelo Príncipe Adalberto, da Prússia, que esteve no Brasil em 1842: "Depois de Macacu as plantações alternam-se com as capoeiras. Encontramos também alguns bivaques de tropas. Os muares estavam amarrados a altos moirões; as peneiras contendo o café e as selas ficavam empilhadas num montão quadrado. Por cima estavam estendidas peles que, excedendo-o de um lado e sustentadas por estacas, formavam tenda para os homens seminus, servindo durante a marcha para cobrir as cargas. Diante dela os tropeiros tinham levantado três estacas . Cada tropa acende fogo, à parte, no rancho e faz cozinha própria; antes e depois das refeições, conversam os tropeiros sobre as regiões que percorrem e falam de aventuras amorosas; cantam, tocam violão ou dormem envoltos em cobertas estiradas no chão sobre couros como se faz com as espingardas ensarilhadas, atadas no topo e entre elas pendia um caldeirão por cima do fogo."
Tem-se, portanto, a descrição desse fogão improvisado de que se serviam os tropeiros: três estacas, distantes na base mas atadas na parte superior, para que o caldeirão de feijão com alguma carne pudesse ser cozido.
Também podemos ver neste trecho de Assombramentos de Afonso Arinos:"Cantarolou umas trovas e, voltando-se de repente para o Venâncio, disse: – Vou dormir na tapera. Sempre quero ver se a boca do povo fala verdade uma vez.
– Hum, hum! Está aí! Eia, eia, eia!
– Não temos eia nem peia. Puxe para fora minha rede.
– Já vou, patrão. Não precisa falar duas vezes. E daí a pouco, veio com a rede cuiabana bem tecida, bem rematada por longas franjas pendentes.
– Que é que vossemecê determina agora? – Vá lá à tapera enquanto é dia e arme a rede na sala da frente. Enquanto isso, aqui também se vai cuidando do jantar… O caldeirão preso à rabicha grugrulhava ao fogo; a carne-seca no espeto e a camaradagem, rondando à beira do fogo lançava à vasilha olhares ávidos e cheios de angústias, na ansiosa expectativa do jantar. Um, de passagem atiçava o fogo, outro carregava o ancorote cheio de água fresca; qual corria a lavar os pratos de estanho, qual indagava pressuroso se era preciso mais lenha. Houve um momento em que o cozinheiro, atucanado com tamanha oficiosidade, arremangou aos parceiros dizendo-lhes: – Arre! Tem tempo, gente! Parece que vocês nunca viram feijão. Cuidem de seu que fazer, se não querem sair daqui a poder de tição de fogo!
Os camaradas se afastaram, não querendo turrar com cozinheiro em momento assim melindroso. Pouco depois chegava o Venâncio, ainda a tempo de servir o jantar ao Manuel Alves. Os tropeiros formavam roda, agachados, com os pratos acima dos joelhos e comiam valentemente."
Apetrechos dos tropeiros
*Bruaca ou broaca: Uma grande bolsa feita de couro cru costurada nas laterais com tiras de couro.
Quando mais de uma são unidas num tipo de forquilha chamada cangaia.
Geralmente são atadas no lombo de burro ou mula formando assim um cargueiro (duas bruacas formam um cargueiro) de tração animal. Foram muito utilizadas pelos tropeiros quando ainda não havia estradas.
*Embornal:Pequena bolsa dentro da qual se transporta um recipiente com comida
*Trempe: Chapa de ferro com buracos arredondados, colocada em fogão a lenha sobre o espaço destinado ao fogo, para sustentar as panelas.
*Caldeirão na tripeça: Saint-Hilaire descreve a ocupação simultânea de um pouso por diferentes tropas: “... o mais jovem da tropa vai buscar água e lenha, ascende o fogo, arma em redor três bastões que se unem superiormente, amarra-os, e suspende um caldeirão na tripeça, onde põe a cozinhar o feijão preto destinado ao almoço do dia.
*Jiral: Do tupi yu'ra, o jirau é um estrado de varas sobre forquilhas cravadas no chão e que serve para guardar utensílios.
*Muares: Sobre o lombo dos resistentes burros e mulas, foram transportados alimentos, mercadorias diversas e, até mesmo, armas e munições.

Para terminar e não confundir, vale lembrar que "açafrão" também é o nome de outro tempero, comum na cozinha da Europa, um tempero sofisticado e muito mais caro do que o açafrão-da-terra cultivado no Brasil. 
A região de Mara Rosa em Goias, é um dos principais polos de produção da Cúrcuma no Brasil.

Entre os agricultores, o produto é conhecido como cúrcuma, douradinha, ou simplesmente açafrão. "Ela é prima do gengibre. Folhas bem longas. A planta mãe que emite os filhotes, essas brotações, como a bananeira. Embaixo da terra seria o rizoma, que é um caule subterrâneo. A raiz é a parte mais fininha, é do miolo colorido do rizoma que surge o pó de açafrão-da-terra usado como tempero e corante. 

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