Caderno de Viagem Caravana Sertão Caderno2 O Bolicurí

O Bolicurí 

Até bem pouco tempo, o Licuri era um ilustre desconhecido, mas as coisas mudaram.
Da árvore aproveita-se de tudo. 
Do fruto, a amêndoa e seu coco, figuram com um grande trunfo da cozinha. 
A casca, a palha, a raiz e o tronco são usados para fazer arte. Da caatinga baiana, o licuri quebra barreiras, entra definitivamente para a cozinha e conquista chefes brasil a fora e taz a alegria para muitas famílias do sertão baiano.



Neste segundo rabisco sobre a nossa viagem ao Sertão da Bahia, vamos mostrar que, com engenhosidade e profundo senso de observação, se faz muito na cozinha.
Nosso objetivo, era encontrar algum produto ou alimento que tivesse em abundancia na escola, mas que de certa forma, fosse subutilizado, que não tivesse valor de mercado ou mesmo, poder implantar alguma receita com a grande variedade de PANCs encontradas no local.

Como diz na Bahia o dito popular: “Deixe o prego que o martelo chama” Pois deixemos as coisas acontecerem naturalmente, e fomos confiando na sabedoria do “Universo”, e ele realmente foi sábio.



A expectativa era grande, não menor que a fome pois estávamos atrasados na nossa preparação; os alunos na companhia de Ian e Juliana, saíram para colher Beldroegas para preparar o molho, enquanto em temperava a massa básica do licuri (torta de licuri) com cominho, coentro, cebola picada, alho, vinagre, páprica, azeite, beldroega (Portulaca oleracea) , Rosinha-de-sol (Aptenia cordifolia), ovos de quintal, sal e as ervas aromáticas colhidas frescas e sem adição de agrotóxicos na horta da EFASE. 

Tudo bem picado, acrescidos à massa ia conferindo sabor e textura ao nosso bolinho, mas algo ocorria, pois a torta rica em material graxo, apresentava dificuldade de dar liga. Identificamos que ao bater a massa básica, a mesma, aerada de forma satisfatória, quase que dobrando de volume, o que para todos nós era um achado. 

Ao longo do processo, por sugestão da Meire, foi batido arroz cozido o que propiciou liga ao nosso bolinho. 
Por sugestão do nosso companheiro Ian de Castro, fomos acrescentando mais Rosinha-de-sol (Aptenia cordifolia) , o que ajudou a dar liga e conferir mais sabor. Fizemos uma primeira prova com a fritura, e fomos mostrando aos monitores que acompanhavam com expectativa a nossa criação coletiva, e tivemos uma boa surpresa, ao reparar que faziam bons comentários, inclusive que a massa lembrava algo a peixe ou bacalhau, o que para todos os envolvidos soou com alegria, e intuí que este sabor possa ser originário das Ervas Aromáticas do Sertão. 
Voltando um pouco no processo, ao fazer nosso recorrido com o Josevaldo José de Jesus Silva, nós demos conta da enorme diversidade de elementos que poderiam ser
efetivamente transformados em alimentos não convencionais. 
Ele nos falou do Palmito da Macambira , uma bromélia rica em sabor, mostrou também as diversas cactáceas da região, o que aguçou enormemente meu afã criativo, imaginando muitas possibilidades com todo aquele insumo, um verdadeiro Oásis Alimentar. 
Ele nós mostrou uma cactácea, que contém mais de 18% de proteína que é típica da região, e que ao ser preparada, eleva para mais de 40% seu potencial alimentício. 
De volta a cozinha, se objetivamente nós darmos conta, os alunos foram chegando e aguçados pela curiosidade, foram naturalmente, aportando sua contribuição ao trabalho. 
Este é um ponto interessante a ser grifado, pois um dos princípios da EFASE, é o estímulo à participação coletiva, o que nos deixou muito felizes, e podemos constatar in-loco à eficácia da linha pedagógica da instituição. 

A esta altura os alunos partilhando da montagem dos pratos, nossa Salada feita com as PANCs: *Beldroega, *Flor-de-Pavão (Caesalpinia pulcherrima), tomate, cebolas cortadas em tirinhas) foram compondo o Cuscuz de Milho preparado pela Meire, e compondo o prato nosso Bolinho. 
Ao final todo o prato foi temperado com o Molho Verde Balsâmico, feito a partir da Beldroega, alho, vinagre, rapadura e erva sal. 

Todos a postos, os pratos foram sendo servidos, e nossa expectativa foi de compreender a aceitação à criação. 
O que fazia sentido naquele momento era a alegria da participação e envolvimento de todos no processo criativo, era justo este o interesse, dirimir os preconceitos sobre a enorme variedade de alimentos, que a natureza põe à nossa disposição; o que deixava claro que estávamos no caminho certo. 

Devo fazer um adendo sobre a nossa explanação inicial, no momento da apresentação do grupo: 
Deixei claro para os alunos e toda a equipe da EFASE, a importância desta pesquisa, e fui enfático ao afirmar que eu tinha certeza, que eles tinham um paladar muito mais aptos a sentir a diversidade de sabores, que muitos de nós, condicionados aos sabores artificiais, impressos pela grande mídia, a serviço das empresas de alimentos processados. 
E o que estava em jogo, era a formação e abertura do paladar, em contraposição à monotonia hegemônica dos poucos sabores que nos dos centros urbanos, nos habituamos normalmente a consumir. PANCs utilizadas: 
Flores comestíveis usadas na comida: 
Nem todas as flores são comestíveis, nem todas as partes das flores são comestíveis, nem todas podem ser comidas cruas. Algumas podem ser até tóxicas, então atenção.

Flor-de-Pavão (Caesalpinia pulcherrima) 
A Flor-de-Pavão ou Flamboyanzhino é um arbusto de uso ornamental frequente no meio urbano. 
Sua flores podem ser comidas preferencialmente cozidas como nesta receita ou refogadas. Dão cor e beleza para o prato e um gosto que lembra um pouco o açafrão. 
Rosinha-de-sol (Aptenia cordifolia) 
A rosinha-de-sol é uma planta rasteira e muito vistosa. Suas folhas são ovais, glabras, brilhantes, de coloração verde-clara e suculentas. Seus ramos apresentam a mesma cor das folhas. As flores são delicadas, parecidas com margaridinhas e podem ser de coloração branca, rósea ou vermelha. 
Ocorre uma forma variegada com folhas de bordas brancas, é considerada uma planta comestível, que se aproxima do espinafre no sabor. 
Beldroega (Portulaca oleracea) 
É uma planta típica de regiões tropicais e subtropicais, que tem ganhado destaque entre as publicações científicas pelas suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, que podem ser utilizadas para o tratamento e redução do risco de diversas doenças. 

Para justificar esta importância, sua composição nutricional conta com flavonoides, alcaloides, terpenoides, polissacarídeos, esteróis e ômega 3 – componentes relatados como protetores da oxidação em material genético e moduladores de enzimas antioxidantes. Por estas ações, os componentes da Beldroega são sugeridos para a proteção do sistema nervoso central. Recentemente, um estudo identificou que o tratamento com a Beldroega reduz, de forma significativa, as concentrações de fator de necrose tumoral (TNF-alfa), em ratos induzidos a neuroinflamação por lipopolissacáride (LPS) – podendo melhorar parâmetros cognitivos, como a memória, além de reduzir o risco de doenças do sistema nervoso central. 
Torta de licuri (Syagrus coronata Martius Beccari) 
É um subproduto oriundo da extração por prensa do óleo das sementes do fruto do licurizeiro (Syagrus coronata)
Do resíduo obtido com a extração do óleo, origina-se uma torta também comercializada que serve como alimento para animais, esta torta apresenta 41% de substâncias não azotadas, 19% de proteínas, 16% de celulose e 11% a 12% de óleo. 
Recentemente, Pesquisadores do CEFET-BA estudaram o uso do licuri na fabricação de barras de cereais devido o seu grande potencial para alimentação humana, essa pesquisa foi concluída com resultados positivos o que fortalece a urgência de estudos sobre essa cultura. 
Erva Sal (Atriplex nummularia) 
A erva sal é uma espécie forrageira originária da Austrália, que tem grande adaptação a regiões áridas e semi-áridas, as folhas processadas para elaboração do produto mostraram alto poder de resistência, mantendo suas características organolépticas originais como cheiro, sabor e textura. 

Teste de toxicidade realizado com Artemia Salina resultou positivamente, tendo como resultado que a 15g de extrato de Atriplex nummularia não há presença de efeitos toxicológicos, as análises realizadas pela CONIDIS, tanto no quesito sabor salgado, quanto no sabor foram satisfatórias pois o molho elaborado a partir das folhas processadas da Atriplex nummularia foi bem aceito pela maioria de seus provadores. 

Confira todas as fotos do Jon Lewis no link: https://photos.app.goo.gl/g11bEMLHYtrNUeD12

Segue, não deixe de conferir o terceiro Caderno de Viagem, posto amanhã:
Continua:

Comentários

  1. Que vivência bacana...vivenciando, agrupando pessoas para compartilhar e seguir o caminho verde...bons frutos a vcs, a nós. Sou Mell, estou no grupo vivendo em Pt e conheço a erva de sal daqui. Obrigada.

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