A ética da abundancia.

Tom Standage, em “Uma história comestível da humanidade” (Rio de Janeiro; Zahar; 2010), afirma que, para melhor avaliar o impacto da revolução verde, é importante ter uma visão abrangente sobre a atividade econômica mundial. 
O quadro geral é que durante a maior parte da história humana, a maioria das pessoas era pobre. 


Antes de 1700, a renda per capita média era baixa, razoavelmente constante ao longo do tempo, variando muito pouco entre os países. Algumas pessoas em cada país eram fabulosamente ricas, é claro. 
Mas a renda média era notavelmente uniforme: segundo certo cálculo, teria sido o equivalente a 500 dólares por ano (medida em dólares de 1990) para a maior parte do mundo nos dois últimos milênios. 
Hoje, no entanto, há amplas variações entre os países. 
A Grã-Bretanha foi o primeiro a experimentar uma “decolagem de crescimento” quando iniciou o processo de industrialização, no século XVIII. 

Logo foi seguida por outras nações europeias e por “ramificações” da Europa (Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Em 1900, a renda per capita média desses lugares era dez vezes maior que na Ásia ou na África. 
Hoje alguns países são ricos, outros pobres, porque a industrialização se deu primeiro nos ricos. 
Os países pobres são aqueles em que ela se deu muito mais tarde, ou não aconteceu em absoluto. 
Por que então a industrialização começou em momentos diferentes e avança em ritmos diferentes? Essa é uma das questões mais fundamentais na economia do desenvolvimento. 

A resposta tem muito a ver com a produtividade agrícola. Países pobres não podem iniciar o desenvolvimento econômico até que consigam satisfazer às suas necessidades de subsistência. 
Eles se veem em um estado de dependência em que a maior parte da população está presa a uma produção agrícola ineficiente. 
Em geral, quando uma determinada atividade é ineficiente, as pessoas a trocam por outras. 
Mas a agricultura é um caso especial: uma vez que a comida é vital, as pessoas não têm escolha senão continuar cultivando a terra, mesmo quando a produtividade é baixa. Na verdade, baixa produtividade significa que mais recursos devem ser dedicados à agricultura para manter a produção. Isso é chamado por vezes de “o problema da comida”. 
Para escapar dessa armadilha, um país deve experimentar uma melhora na produtividade agrícola, de modo que a oferta de alimentos se expanda mais rapidamente que a população. Em seguida, isso permite que uma parcela da população mude para atividades industriais de maior valor, sem ter de se preocupar em produzir comida para a própria alimentação. A proporção da população envolvida na agricultura encolhe à medida que a produtividade agrícola aumenta e a industrialização avança. 
Foi o que aconteceu na Grã-Bretanha no século XVIII, quando uma série de melhorias na agricultura liberou trabalhadores da terra e permitiu à indústria florescer. Produtos industriais puderam, então, ser trocados nas importações de comida, acelerando ainda mais a passagem da agricultura para a indústria. 
Para que tudo isso aconteça, infraestrutura e condições de mercado adequadas devem estar presentes. Além disso, um rápido aumento da produtividade agrícola é essencial para impulsionar o processo. Sem isso, nenhum país foi capaz de se industrializar. (As duas exceções são Cingapura e Hong Kong, cidades-Estado que não tinham setores agrícolas significativos.) 
Outra característica notável da trajetória econômica do mundo é que durante a maior parte da história humana a Ásia foi a região mais rica da Terra. 
Estima-se que no primeiro ano da era cristã ela era responsável por 75% da produção econômica mundial. Não que as pessoas ali fossem individualmente mais ricas; a renda per capita média era, afinal, notavelmente uniforme em todo o mundo. Isso ocorria pois havia mais pessoas na Ásia do que em outras regiões, em grande parte porque a agricultura do arroz sustenta maiores densidades populacionais. 
Entretanto, a participação desse continente na produção econômica mundial começou a declinar com a ascensão das economias da Europa Ocidental, no segundo milênio d.C. Em 1700, elas já eram responsáveis por mais de 20% da produção mundial, e a participação da Ásia caíra abaixo de 60%. 
A virada veio no final do século XIX, quando nações europeias se industrializaram e enriqueceram, mantendo grande parte da Ásia sob seus domínios coloniais. 
Por volta de 1870, a participação da Europa na produção mundial subira para 35% e a da Ásia declinara para aproximadamente o mesmo nível. A rápida industrialização dos Estados Unidos significou que, em 1950, eles e a Europa Ocidental eram responsáveis por cerca de 25% da produção mundial; a participação da Ásia (excluindo o Japão) caíra para 15%. 
Nas últimas décadas do século XX, porém, algo extraordinário aconteceu e a mesa virou. 
O rápido crescimento em vários países asiáticos empurrou a participação da região na produção mundial de volta para 30%, à frente da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. A produção econômica per capita mais que duplicou entre 1978 e 2000 na Índia, e cresceu quase cinco vezes na China. 
A Ásia abriga hoje as economias que crescem mais rapidamente no mundo, tendo recuperado sua posição histórica como a região mais rica sob a ótica da participação na produção mundial. 
O rápido crescimento nos últimos anos – chamado por vezes de “o milagre econômico asiático” – criou riqueza mais rápido que em qualquer momento da história, e tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza. Muitos observadores agora esperam que a economia da China supere a dos Estados Unidos em tamanho até 2035, o que a tornaria a principal potência econômica do mundo. 
Assim como o século XX foi dominado pela ascensão dos Estados Unidos, o XXI parece predestinado a ser o século asiático, dominado pela ascensão da China. 
Vale notar, porém, que isso é apenas um retorno ao antigo status quo, após um curto interlúdio em que as potências europeias e suas ramificações estiveram brevemente no centro das atenções.

Baixe aqui:Uma historia comestível da humanidade Tom Standage

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