É u’a mangaba!

No romance histórico Príncipe e Corsário, ainda sobre a valorização da mangaba pelos holandeses em Pernambuco, Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque nos delicia com uma narrativa sobre uma fabriqueta de doces no Palácio da Boa Vista, da qual se orgulhava o Conde de Nassau (Albuquerque 2004):

[...] A pequena fábrica terminou por se especializarem um extraordinário doce
de mangaba, conservado em barriletes.
A calda era fina e translúcida.
Nela flutuavam os frutos cor de âmbar, tais opalinas transparentes.
A polpa gelificada deixava entrever o caroço opaco e esbranquiçado.
Um momento a mais de fervura e as opalas se dissolveriam, maculando o mel, rompendo o
delicado equilíbrio da iguaria.
Seu gosto era inigualável.

Amor de Quitandeira
João Bogoloff
A minha namorada é quitandeira
Reside à mesma rua onde resido...
Hei de casar com ela, isso é sabido
Quer a mãe dela queira, quer não queira.
Fala comigo então de tal maneira
Que pela quitanda ando perdido...
E sinto-me feliz, correspondido
Por Zefa essa simpática trigueira.
Ser-lhe ingrato eu não devo todo dia
Manda presentes raros, de valia,
Bananas, sapotis, pinhas, mangabas.
Que doce amá-la...
Que ditos vê-la
Terna, sutil, encantadora e bela...
Zefa dos olhos de jaboticaba.
Minha namorada.

Gilberto Freyre, em sua obra Açúcar: uma Sociologia do Doce, com Receitas de Bolos e
Doces do Nordeste do Brasil, que teve sua primeira edição datada de 1939 (Assúcar: Algumas Receitas de Doces e Bolos dos Engenhos do Nordeste), registra grande número de doces, sorvetes e refrescos de mangaba e outras frutas nativas, sobretudo de Pernambuco, em cujo território
prosperou uma avançada civilização açucareira.
Segundo o autor, foi na mesa patriarcal que essas frutas tiveram sua fase de esplendor para a aristocracia da época e, nesse contexto, a mangaba ocupou posição de destaque.
Ao mesmo tempo que a tanajura, tão amada pelos caboclos, e depois pelos
doutores, pelos barões e até pelos inglêses ou americanos romanticos, as fructinhas do matto com a brasileirissima pitanga, o maracujá, a groselha, o coração da India, a carambola, a goiaba, o guajirú, o cajá, o araçá, a
mangaba, o umbú, tiveram sua phase de esplendor á mesa patriarchal, servidas como doce, como geléa, com sorvete.

Foi mencionada até no livro Doceira Brasileira ou Nova Guia Manual para se Fazerem
Todas as Espécies de Doces, de autoria de D. Constança Olívia de Lima, aparecido em 1856 (Freyre 2007a).
Sobre esse célebre manual, Freyre menciona que:
O livro de Dona Constança traz muita receita de doce de fruta do mato em que se sente a influência romântica do indianismo ou do nativismo político sobre os gostos elegantes de sobremesa: "doce de abacaxi à moda de
Pernambuco", "doce de caju à moda de Pernambuco", "doce de guaijiru de
Pernambuco", "doce de babosa, de bacuri, de mangaba, de sapoti, e até de pitomba, tudo de Pernambuco.
Uma curiosidade sobre este livro:

Este foi o segundo livro de receitas publicado no Brasil foi escrito por uma mulher (ou duas)
A autoria do livro está envolta num mistério editorial.
Quem escreveu foi d. Anna Maria das Virgens Pereira Rabello e Gavinho, mas quem ficou conhecida pela autoria, com o nome estampado nos jornais, foi d. Constança Oliva de Lima.
Persistente no imaginário popular como uma fruta típica das áreas praianas, a mangaba era
considerada, até pouco tempo atrás, como uma fruta silvestre ou do “mato” e, portanto, consumida somente durante a safra, in natura, na forma de suco e sorvete ou ainda, pelos habitantes locais, com farinha quando se ia para a roça ou pescaria.



Pelos citadinos, sempre esteve associada ao
verão e aos momentos de lazer na praia, onde, além do suco de sabor invulgar com o seu visgo, a população incrementou o seu uso em “sorvetes de saquinho”, chamados “dudu” ou “geladinho”, no litoral de Pernambuco (Silva Junior et al. 2011). Ou ainda, utilizava-se para a feitura de doces, batidas, passas e compotas, já descritos por Freyre.
O geógrafo recifense Josué de Castro completou no glossário do clássico Geografia da Fome, publicado em 1946: “O sorvete de mangaba goza, merecidamente, do melhor conceito: é saboroso” .


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