A Pedra de Ralar, ou na língua Ioruba Pedra de Oló.
O que seria das cozinhas brasileiras sem seus utensílios, seus tradicionais equipamentos, eles dizem respeito à um arsenal de apetrechos que em muitos casos eram desenvolvidos nos próprios espaços da cozinha.
Imagem da Pedra para triturar feijão de Mãe Flor, da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé
Cochos, alguidares, gamelas, moringas, colheres de pau, tachos, arupembas, fazem parte deste acervo, que mostram além da criatividade das nossas cozinheiras, sem eles, seria impossível desenvolver suas famosas iguarias.
Hoje vamos falar sobre um utilitário que não se encontra mais em nossas cozinhas, mas faz parte da iconografia da culinária tradicional Baiana, a Pedra de Ralar.
Diante da precariedade das cozinhas da época, e toda a difícil execução, o bolinho representa até hoje, o meio de vida de muitas Oyás.
Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o acarajé, bolinho de feijão frito em azeite de dendê, foi introduzido no Brasil, especificamente na Bahia, através dos escravos de etnia nagô, das regiões iorubás da Nigéria e do atual Benin, então Daomé.
Ele ressalta que, em 1885, o acarajé, na África, foi descrito pelo padre francês Pierre Bouche como “un hours d’oeuvre, presque une friandise”, "uma hora de trabalho, quase um deleite ”.
Entre os iorubás, o acarajé, conforme o tamanho, recebia nomenclaturas diversas.
Os acarajés pequenos, entres os egbás eram denominados: acarakekere; já os maiores, típicos dos ilexás(ijexá), eram conhecidos como o acarájexá.
Na literatura brasileira, a primeira referência escrita que se tem sobre o acarajé é feita pelo professor de grego Luis dos Santos Vilhena, em 1802, onde estarrecido, ele denuncia a existência de um consumo público de várias iguarias africanas.
Não só pela pimenta, como também por ser vendido ás desoras. Sem falar daquele preconceito de que quem comia no meio da rua não tinha educação.
Passo por cima do esnobismo de uns núcleos familiares que não admitiam comida de negro, azeitaradas, que conspurcavam a suposta nobreza de suas bocas, maltratando seus aparelhos digestivos doentios por tradição ”eram iguarias consumidas por “pessoas de família” (VIANNA, 1955)
Sobre o bolinho de feijão, Manoel Querino, no seu livro Costumes Africanos no Brasil (1988), comentou a predileção de muitos africanos pela iguaria.
Na obra acima citada, o referido autor dedicou um capitulo a Arte Culinária da Bahia, onde destacou vários alimentos puramente africanos, que a seu ver, continuaram a ser preparados pelos descendentes de africanos, com os mesmos rigores e perfeição tal qual na África.
Dentre diversas receitas, estava o acarajé, a receita apresentada por Querino é minuciosa, e orienta passo a passo o leitor no preparo da iguaria.
"Todo o processo requer habilidade e destreza, com seu alguidar preso entre as pernas, a massa vai sendo trabalhada, com golpes cadenciados e simultâneos, em sentido horário, que conferem a massa, suavidade e volume.
Com a ajuda de uma caneca com água, a baiana, vai ao mesmo tempo, hidratando a massa, ao tempo que com a ajuda de uma outra colher, vai depositando os bolinhos no azeite fervente, este delicado trabalho, quase que esculpindo os bolinhos, emergem criando uma crosta dourada.
O contraste da massa branca, do seu conteúdo, com sua casca crocante e rígida, receberá boas doses de molho de pimenta, algum vatapá, e para alguns camarão e tantos outros sabores.
Embalado em pequenos recortes de papel de pão, a iguaria é servida, só ficando por conta do comensal, a deliciosa tarefa de desfrutar.
Ninguém fica imune, aos apelos gustativos, diante de um tabuleiro, a variedada de cores, a profusão de cheiros e sabores.
Se antes eram saboreados, aos finais de tarde, hoje, pode-se encontrar a qualquer hora"
A principal substancia empregada é feijão fradinho, depositado em água fria até que facilite a retirada do envoltório exterior, sendo o fruto ralado na pedra.
Isto posto, revolve-se a massa com uma colher de madeira, e quando a massa toma forma de pasta, adicionam-se-lhe, como temperos, a cebola ralada e sal ralados.
Depois de bem aquecida a frigideira de barro, ai se derrama certa quantidade de azeite de cheiro (azeite de dendê), e, com a colher de madeira, vão se deitando pequenos nacos da massa, e com um ponteiro ou garfo são rodados na frigideira até cozer.
O azeite é renovado cor do azeite.
Ao acarajé acompanha um molho, preparado com pimenta malagueta seca, cebola e camarões, moído tudo isso na pedra e frigido no azeite de cheiro, em outro vaso de barro (QUERINO, 1988, 138)
Além, de detalhar os procedimentos que devem ser dispensados ao feijão, Querino se preocupou em fazer a descrição dos utensílios utilizados na preparação da massa.
Ele fez referencia à pedra de ralar, colheres de madeira e frigideira de barro, entretanto, fez questão de frisar que o uso da rústica pedra de ralar era uma questão de opção, visto que o mercado dispunha de maquinário especifico para moer cereal.
Para ele, essa escolha se justificava pelo fato da pedra ser um utensílio de fácil manuseio, além de eficaz.
Ele descreveu o utensílio da seguinte forma:
A pedra de ralar, como vulgarmente lhe chamam, mede cinqüenta centímetros de comprimento por vinte e três de largura, tendo cerca de dez centímetros de altura.
A face plana em vez de lisa, é ligeiramente picada por canteiro, de modo a torná-la porosa ou crespa.
Um rolo de forma cilíndrica, da mesma pedra de cerca de trinta centímetros de comprimento, apresenta toda superfície também áspera.
Esse rolo, impelido para frente e para trás, sobre a pedra, na atitude de quem moí, tritura facilmente o milho, o feijão o arroz, etc. Estes petrechos africanos são geralmente conhecidos na Bahia, muita gente os prefere às máquinas de moer cereais.(QUERINO, 1988, 165).
A receita do acarajé.
Os grãos de feijão fradinho ficam de molho de um dia pro outro, antes de serem descascados, um a um, pra não deixar nenhum olho preto. Depois, o feijão é moído até tornar-se um creme consistente, que então é temperado com cebola e sal.
Na sequência, a baiana faz um bolinho, coloca um camarão dentro e o frita em azeite de dendê bem quente.
A porção deve ser grande, já que Oiá, ou Iansã, gosta de pratos bem fartos.
Surgiu no Terreiro de Candomblé e foi trazida na memória dos escravos iorubás. “Veio de uma comida de Orixá, comida de Iansã”, uma divindade cultuada por estes povos.
Da cozinha do Terreiro “foi para as ruas”, levado por mulheres nagôs, e foi ofertado ao povo.
Acarajé é “comida de povão”, comida popular, e tem uma receita racional.
Outras receitas do acarajé encontram-se na literatura afro-baiana, entre diversos autores nacionais.
Querino (1951) dá a seguinte receita do acarajé: “Feijão fradinho, depositado em água fria até que facilite a retirada do envoltório exterior do fruto ralado na pedra.
Revolve-se a massa com uma colher de madeira, e, quando a massa toma a forma de pasta, adiciona-lhe, como temperos, a cebola e o sal ralados.
Depois de aquecida uma frigideira de barro, aí se derrama certa quantidade de azeite de cheiro (azeite-de-dendê), e, com a colher de madeira vão se deitando pequenos nacos da massa.
Ao acarajé acompanha um môlho, preparado com pimenta malaguêta seca, cebola e camarão moído, tudo isso na pedra e frigido em azeite de cheiro em outro vaso de barro”
(Querino, 1951: 53).
Antigamente, a massa do acarajé era preparada na “pedra” de ralar.
“O acarajé ralava-se na pedra ou no moinho” (Querino, 2000: 181).
A pedra de ralar, como era vulgarmente chamada, era uma peça áspera e media 50cm de comprimento por 23cm de largura e 10cm de altura. Sua face era plana, mas picada, de modo a ficar porosa.
O rolo utilizado para essa moagem tinha forma cilíndrica. A sua superfície era áspera também e media 30cm.
Actualmente, a pedra de ralar já não é mais usada. Tornou-se uma peça rara.
Peça de museu, em seu lugar ficou o moinho, inicialmente, manual.
Hoje, eléctrico, tipo processador de alimentos, e é o que se usa para triturar o feijão deixado de molho.
O cantor e compositor Moraes Moreira, faz uma alusão ao "pessoal do aló" em referência as mulheres que ralavam o feijão fradinho para o preparo do Acarajé.
Alô, Alô pessoal do alô
Vai ter auê, badauê, ebó
Chilique do cacique
No ponto chique
Atrás do cheirinho da loló
Mas qual é o pó?
Quem é do roçado
Ralando coco se dá melhor
Sou pena branca
Da zona franca
De Maceió
Vendendo peixe
Passando piche
Sou azeviche
Apache do tororó
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