LEMBRANÇAS DO RECÔNCAVO BAIANO

Por Juliana Venturelli 
Durante vinte e dois dias do mês de agosto estive no recôncavo baiano para uma pesquisa de doutorado do Programa de Pós Graduação em Memória Social da UNIRIO/RJ. 
Juliana Venturelli e Telma 

O projeto audiovisual conta com a parceria da artista visual Aline Motta (SP), responsável pelas imagens e vídeos que serão base para um curta documentário sobre as narrativas culinárias do recôncavo. 
O objetivo da viagem foi fazer um levantamento das tradições culinárias familiares de Cachoeira e região, de como foram transmitidas as receitas, quais os costumes em volta dos fogões e das mesas. 
Nesses percursos, visitamos casas nas áreas urbanas e rurais. 

Fomos guiadas pelo artista plástico Davi Rodrigues que nos apresentou o que mais há de genuíno em Cachoeira e seu entorno. 
Com essa pesquisa, pretendemos, além de desenvolver a tese, dar visibilidade às pessoas que constroem e reconstroem suas origens através da comida. 
A comida é uma parte importantíssima da cultura de um povo. 
Através dela podemos nos reconhecer em nosso meio, bem como nos diferenciar de outros povos, encontrar os rastros históricos que formaram as comunidades e as famílias e compartilhar do que ainda vive nas memórias e nos pratos que resistem ao tempo. 
Ao longo dessa jornada, pudemos estar com pessoas mais velhas, as guardiãs das memórias dos antepassados e que ainda rememoram receitas, rezas, cantigas e artes manuais. Ao perguntarmos sobre os costumes alimentares, um rosário de lembranças das mais variadas práticas culturais vão sendo postas e com isso aprendemos sobre samba, seresta, plantas que curam e outras informações que os mais velhos têm a oferecer. 
Com os jovens, tivemos oportunidade de perceber que mesmo com os avanços tecnológicos, ainda são preservados os modos de fazer transmitidos por avós e mães. 
Foram cerca de 36 pessoas entrevistadas em Cachoeira e seu entorno, São Félix, Amargosa e Santo Amaro. 

A barraca de Eva é o ponto de encontro de sua imensa família e de amigos que vêm de longe visitá-los. 
O trabalho é dividido com seu marido Carlos. 
Eva e os netos 
As filhas ajudam quando aparecem por lá. Mas o dia-a-dia é responsabilidade do casal. 
Eva herdou o ponto de sua mãe e desde quatro anos de idade ela freqüenta a feira. 

Foi aprendendo aos poucos como trabalhar com as iguarias que sua mãe fazia: pamonhas, mingaus, “lelê” e aponã (esses dois ela faz aos sábados). 
Eva e o mingau 
Além da produção própria ela vende outros doces produzidos no interior da Bahia. 

Os sábados são os mais movimentados para Eva, tanto em vendas como em visitas. A barraca vive cheia de crianças, sorrisos e muito trabalho.  é mãe de Naiá e Tamires

Avó de Pedro Henrique e Miguel Arcanjo. 
Desde criança acompanha sua mãe na cozinha. 
Diz que aos domingos, enquanto as crianças iam para o quintal brincar, ela não tirava os pés da cozinha, rodeando as panelas da mãe que tinha uma barraca na Feira de Cachoeira, onde vendia comida. 
Esta barraca foi passada para , que continuou o trabalho de mainha por anos a fio. 
Ficou conhecida na feira e pela cidade com seu carrinho de mingau, revezando esse trabalho com suas duas filhas.
No inicio do ano de 2018 Jó resolveu servir almoço em sua casa. 
Jó e a simpatia cachoeirana 

É de lá que o cheiro da comida atravessa o corredor e pula os muros, avisando aos vizinhos que o almoço está pronto. 

 Além da vizinhança, Naiá, sua filha mais velha, manda as fotos do cardápio do dia, avisando os clientes pelo whatsapp o que lhes espera. 
O cardápio é variado. Ela diz que gosta de oferecer muitas opções para que ninguém enjoe de sua comida. 
Além de outras opções de seu restaurante, ela serviu a moqueca de fato, um prato bem conhecido em Cachoeira. 
São os miúdos do boi cortados em pequenos pedaços, temperados de um dia para o outro e cozidos com dendê, camarão e amendoim. 
O leite de coco é opcional. 
O resultado é uma comida forte para fortes
 Marienia é dessas pessoas que não param. 
Mariênia no preparo do Escondidinho


Ela está sempre em busca de novos aprendizados e empreendimentos. 
Formada em magistério, pedagogia e pós graduação em psicopedagogia, já foi professora em Educação de Jovens e Adultos e diretora de uma escola. 
Atualmente prefere dar aulas particulares na parte da tarde, o que chama de reforço. 
Ela também formata trabalhos da faculdade nas normas ABNT (afff) Além desse trabalho, ela agora abriu o M & E Lanches (M de Mariele, sua filha e E de Ênio, o caçula). 

Acorda cedo para dar conta de todos os afazeres e ainda encontra tempo para mais uma formação em curso: Informática. 
A lanchonete contou com ajuda de amigos, doações de portas e balcão. Seu marido é o principal incentivador, de quem Marienia fala com muito carinho. 
Por sorte sua lanchonete é quase ao lado de sua casa e lá ela serve comidas com um cardápio já definido semanalmente. Por ter facilidade com as redes sociais ela cultiva seus clientes enviando o cardápio antecipado. 
Ela ama cozinhar. 
Quinta-feira é dia de escondidinho de carne seca e arrumadinho de feijão fradinho com farofa. 
Ela faz qualquer tipo de lanche, comidas práticas e também comida baiana. 
Tudo no cardápio organizado por ela. 
Dia 16/08 é dia de São Roque e ela e seu marido começaram o dia fazendo os trabalhos espirituais e espalhando pipocas pela casa. 
Mais tarde seria ofertada mais pipoca para os passantes. 
Um ritual comum em Cachoeira. 
Como vemos pelo sudeste em dia de São Cosme e Damião. Marienia tem uma rotina corrida, mas encontra tempo para ir à missa aos domingos pela manhã e passear com a família à tarde.
 Domingo à noite já retorna aos trabalhos da semana seguinte. Haja fôlego para acompanhar essa guerreira. 

Nega é o apelido de Telma.
 Seu comércio é conhecido como CASA DA NÊGA
Os clientes são amigos. 
Telma em seu restaurante Casa da Nêga 

Chegam e se acomodam na varanda. 
Nêga aprendeu a cozinhar desde menina em fogão a lenha e todas as receitas são feitas de cabeça. 
Atualmente ela conta com a ajuda de sua filha Grazi, que faz as compras do supermercado e da feira. 
Grazi já domina os temperos que sua mãe usa em vários preparos e diz que já alcançou a mãe na lasanha, afirmação que o irmão concorda. 
Nêga preparou a moqueca de ovos (de boi). 
Uma iguaria, como diz Davi Rodrigues. 
Esse prato me fez lembrar o samba de Dona Edith do Prato: “Ariri vaqueiro Ariri vaqueiro Vaqueiro prenda seu boi Pegaram meu boi, mataram meu boi esfolaram meu boi Esse boi é pra dar Ai ai ai esse boi é pra dar...” (aqui todo o boi é dividido e comido)
 Gal e Orlando
 O Bar do Orlando fica na mesma rua do Beco do Fuxico (São Félix) e todos os dias, de domingo a domingo, ele e sua companheira atendem café da manhã, almoço e jantar. 
Orlando é pescador profissional, ofício que aprendeu com seu pai desde os seus onze anos de idade. 
Depois que se aposentou, deixou a pescaria para se dedicar ao bar e restaurante. 
Orlando 
Ele aprendeu a cozinhar com sua mãe pois tinha de ajudar a cuidar dos mais novos enquanto a mãe ia trabalhar. 

Também saía à pescaria com seu pai e gostava muito. 
Há três anos ele e Gal se conheceram e ela trouxe ainda mais sabor à vida e ao bar de Orlando. 
Gal e o Caldinho de Sururu

Gal trabalhou por vinte anos na hotelaria e resolveu se dedicar ao que mais gosta de fazer: cozinhar. 
Os dois se ajudam na cozinha em todos os preparos. 
Dividem as tarefas, mas cada qual tem sua especialidade: as dela são os caldos em geral, maniçoba e moquecas. 
Orlando faz moqueca de fato, maniçoba e outras comidas fortes em seu fogareiro que fica na calçada. Gal nos preparou o caldinho de sururu. 
Xanxa é conhecida pelo feijão

  Vavá e Xanxa

Diz que o cheiro vai longe e que muitas pessoas chegam ao seu restaurante para provar de sua especialidade. 

Além do feijão, ela faz os pratos tradicionais de Cachoeira, como a maniçoba, galinha de quintal, moqueca de fato, entre outros. 
Ela e Vavá vêm realizando melhorias na vida graças a esse trabalho. 
O restaurante fica no quintal coberto de sua casa. 
Ela serve as refeições também no avarandado que fica de frente para a rua, toda a família trabalha junto. 
Ora na cozinha, ora no atendimento. 
Xanxa diz que não se separa de uma faca afiada e seu marido Vavá é um dos melhores afiadores que ela conhece, pois trabalhou muitos anos cortando carne no açougue.

Agradeço a todas e todos que fizeram parte desse projeto que está disponível em https://www.facebook.com/lenhanofogao/
https://www.instagram.com/ju.lenhanofogao/https://www.instagram.com/ju.lenhanofogao/ 
Juliana Lucinda Venturelli 

FOTOS: @Aline MOTTA

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