Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-A Aponam 
O tempo passa lento, muito lento em Itaparica, na língua tupi itápirika, que Aponã, Aponan ou Aponam? significa "pederneira" (itá, pedra + pirika, faiscante) ou “Cerca de Pedras” devido a sua estrutura geológica, a causa dos arrecifes que contornam toda a costa da ilha.


Os Tupinambás foram os primeiros habitantes da ilha. 
A história que está nos livros conta que foi descoberta em 1º de novembro de 1501 por Américo Vespúcio, que há batizou de Todos os Santos por ser esta a homenagem do dia no calendário católico. Uma linha de recifes lhe serve de quebra mar, diminuindo a força das ondas e formando um viveiro natural de polvos, lagostas e outros mariscos, a maioria destas praias tem águas rasas, mansas e mornas.

Tranquilidade e relaxamento na ilha de Kirymuré

Os registros históricos sobre a ilha são riquíssimos, destacando-se a vinda, em 1510, do navegador português Diogo Álvaro Correia, o “Caramuru” que, enamorado da princesa tupinambá “Paraguaçu”, filha do Cacique Taparica, desposou-a, fundamentando, a partir desta união, a junção das raças europeia e indígena, formando então a primeira família genuinamente brasileira. 

A ocupação europeia deu-se a partir de um pequeno núcleo de povoamento fundado por jesuítas na contra-costa em 1560, onde hoje se localiza a vila de Baiacu – então denominada Vila do Senhor da Vera Cruz. 
Nesse período, foi nela iniciada a plantação de cana-de-açúcar, assim como a cultura do trigo, tendo recebido os primeiros exemplares de gado bovino da região. 

Os jesuítas foram responsáveis pela colonização de Itaparica, ocorrida em 1560, ainda em Baiacu que aqueles religiosos fizeram erguer a primeira obra de engenharia hidráulica da colônia: uma barragem para o suprimento de água potável e para os serviços da povoação. A partir de 1600 os ingleses e holandeses tentaram ocupar a ilha inúmeras vezes e só foram expulsos definitivamente pelos portugueses em 1647. 

Em 1763, Itaparica, que era a maior ilha da colônia, chamou a atenção pelos seus 246 km² de vegetação exuberante, manguezais, restingas e belíssimas praias de águas cristalinas. 
A cidade de Itaparica é a única estância hidromineral à beira-mar das Américas. Sua água é carbonatada e sulfatada com boa dose de ácido carbônico, teor de radioatividade na fonte a vinte graus centígrados de 0,82 maches. 
Tem poder digestivo e diurético, sendo recomendada especialmente para pacientes com problemas no fígado e no baço. 
Incorporada aos bens da coroa, iniciando assim o seu desenvolvimento econômico com a plantação de cana de açúcar, trigo e criação de gado, ainda no século XVI. 
Depois veio a pesca das baleias em escala industrial, a maior atividade econômica nos séculos XVII e XVIII. 
Neste período, antigos e belíssimos sobrados existentes até hoje, hospedaram imperadores brasileiros, como D. Pedro I e D. Pedro II.

 Lenda Indígena- Assim nasceu Kirymuré, para os índios. 
João Ubaldo em sua Itaparica Idílica.
Segundo a lenda Tupinambá, no começo do mundo, um majestoso pássaro de plumas brancas alçou vôo do centro do universo e seguiu dias e noites sem parar, à procura do paraíso para pousar. 
Quando avistou o local que buscava, caiu exausto sobre ele e morreu. No seu leito de morte, suas longas asas transformaram-se em praias e, no lugar em que o coração bateu, a terra abriu-se formando uma grande e profunda depressão que as águas do mar invadiram, reservando seu centro para uma ilha que seria a rainha de todas as outras. 
Assim nasceu a Ilha de Itaparica no imaginário de sua população nativa. Um local cheio de beleza, mistérios, magia e muitas histórias sendo contadas nos becos, nas matas, nos bares e nas varandas. 

A Ilha de Itaparica ficou celebre pela presença do seu filho mais ilustre, o jornalista e escritor João Ubaldo Ribeiro, que imortalizou a ilha e sua gente, em seu livro “Vivo o Povo Brasileiro”. 
Aponan 
São poucos os registros desta receita, elas sofrem fusões ao ponto de ser discutida a sua autoria, é o caso do Aponam, que poucos conhecem inclusive na sua grafia correta Aponã? Aponam, Aponan?. 
Devido ha vivencias cotidianas entre negros e índios nascidas em experiências compartilhadas durante o período colonial, a miscigenação e as trocas culturais é sempre uma questão pouco discutida e aprofundada.


Caboclo de Itaparica 
Faz-se necessário salientar a presença dos Caboclos símbolos da mescla cultural e a importância que tiveram nas lutas pela independência, onde junto a eles a personagem Maria Filipa, a heroína negra foi uma liderança destacada em 1822, contra o domínio português, quando comandou dezenas de homens e mulheres, negros e índios, na queima de 42 embarcações de guerra que estavam aportadas na Praia do Convento, prontas para atacar Salvador. Esta ação foi vital para a Independência da Bahia. 

Lendária sua bravura heroica, armadas com peixeiras e galhos de cansanção e urtiga, surravam os portugueses para depois atear fogo aos barcos usando tochas feitas de palha de coco e chumbo e uma surra nos vigias portugueses Araújo Mendes e Guimarães das Uvas. Liderando mulheres e homens de diferentes classes e etnias, fortificou as praias com a construção de trincheiras, organizou o envio de mantimentos para o Recôncavo e as chamadas “vedetas” que eram vigias nas praias, feitas dia e noite, a fim de prevenir o desembarque de tropas inimigas, usando folhas de Cansanção e Urtiga, causando queimadura, além de participar ativamente de vários conflitos. 
Durante as batalhas, seu grupo ajudou a incendiar inúmeras embarcações: a Canhoneira Dez de Fevereiro, em 1º de outubro de 1822, na praia de Manguinhos; a Barca Constituição, em 12 de outubro de 1822, na Praia do Convento; em 7 de janeiro de 1823, liderou aproximadamente 40 mulheres na defesa das praias de Itaparica. 
Citada claramente por alguns autores como Xavier Marques no romance histórico O Sargento Pedro e pelo historiador Ubaldo Osório em A Ilha de Itaparica. 

A história de Maria Felipa pode bem ter sido inspiração para a Maria da Fé de Viva o Povo Brasileiro, obra de João Ubaldo Ribeiro. Em 1559, já relatava o Padre Manuel da Nóbrega, a fuga de membros da nação indígena no Rio Paraguaçu e na Ilha de Pd. Manuel da Nóbrega Itaparica, sendo considerados escravos fugidos dos engenhos de açúcar, que se recusavam a retornar. 

Os engenhos de açúcar impunham uma rotina brutal, durante a safra, eles funcionavam por até 20 horas por dia, com 80 a 100 pessoas na lida, a maioria homens africanos. 
Entre plantar, limpar, colher e transportar, as funções eram distribuídas de modo que cada escravo cumprisse uma parte, mas só o engenho fizesse açúcar. Isso mesmo, no Brasil Colônia já havia uma espécie de "fordismo" tropical. Surgem cargos como mestre-de-açúcar e caldeireiro, que podiam ganhar recompensas e até salários. Escravos mulatos ou nascidos no Brasil, conhecidos como crioulos eram favorecidos na disputa desses postos, em relação aos africanos, vindos, principalmente, da Costa da Mina, noroeste do continente, e região de Angola. "A mão de obra escrava foi à força motriz dos principais ciclos econômicos do país", segundo Gustavo Acioli, doutor em História Econômica pela USP. Em 1700, um negro adulto (de 14 a 45 anos) custava cerca de 100 mil-réis. 

Mas o valor variou conforme a demanda nos vários setores, em especial açúcar, algodão e café. 

Doceiras de Itaparica

Junto à ponte, concentravam-se as doceiras que desde as quatro horas da tarde enfileiravam-se nas proximidades da ponte, e ali as baianas tais como: Dona Da’hora, Dona Célia, Dona Filomena, Dona Maria Preta, dona Maria do Rolête, Dona Rubinha, Dona Rocha, Dona Sabina, Dona Benedita, Dona “Chica Cabelão”, está ultima, mantinha seus preceitos, se dividindo entre os doces e o oficio de rezadeira. 
João Santos Filho em seu tabuleiro na Ilha 
Eram vendidos os mais deliciosos quindins em seus tabuleiros, adultos e crianças se fartavam na mais gostosa ceia dos Deuses; Bolos de Aipim, Pamonha de Carimã, Cocada-Puxa, Queijadas, Doce de Tamarindo, Pandêlós , Bolinho de estudante (Punheta), Apanan, Lêlê, Xerengue, Rolêtes de Cana, Cartucho de tapioca, Fubá de Amendoim, Fubá de Castanha, Acarajé, Abara, Acaçá, Amendoim Cozido e Torrado. Seguindo a tradição deixada por sua tia Dona Da’hora, Joel (João Santos Filho, 55 anos), ha 32 anos mantem seu tabuleiro na Praça Carneiro Ribeiro, nos fundos do antigo colégio, vendendo seus acepipes, dentre eles o Apanan. 

Maria de Benzê 
Conhecida por vender quitutes africanos, Maria de Benzê, era filha de escravos, mas desde cedo descobriu o oficio do preparo de doces e quitutes. 

Residia em São Francisco do Conde, Recôncavo Baiano, próxima ao Mercado Cultural, onde hoje fica o Centro de Abastecimento de São Francisco do Conde, recebeu homenagem batizando o Largo Maria de Benzê. Entre as deliciosas guloseimas que vendia estavam o Aponan e a Bolachinha de Goma, Cocada-Puxa, feitos por ela mesma em fogão a lenha. 

Ela ficou assim conhecida porque todos os dias quando saía para trabalhar perguntava em voz alta: “Quem vai me benzer”? Ou seja, quem seria seu primeiro cliente naquele dia. 
Toda população sanfrancisacana se recorda de Maria de Benzê como uma mulher alegre, trabalhadora, que contava muitas histórias e sempre finalizava suas falas com uma boa gargalhada. Mulheres em casa, homens na rua/Mulheres castas; homens promíscuos. 
Na Bahia da Independência, esse tipo de relação homem/mulher só vale para as brancas ricas, já que a ideia de ficar trancada dentro de casa não era bem vista por uma descendente de índios. 
Até 1808 não existiam muitas mulheres brancas no Brasil, isso muda com a chegada da família real, quando se inicia o fluxo de portuguesas para cá. 

Essas viviam como as europeias: trancadas em casa, cuidando dos filhos e do lar. Estudavam em casa ou em instituições religiosas e, embora soubessem ler, quase sempre eram proibidas de escrever. Costumavam se casar entre os 15 e 20 anos de idade e caso cometessem adultério, eram largadas pelo marido, arcavam com o estigma de “desonradas” e perdiam o direito à herança e o de ver os filhos. Essas mulheres brancas eram responsáveis pela cozinha, administração da casa e educação dos filhos. 
Traziam de Portugal a tradição doceira e, com adaptações, fizeram dos doces um dos pilares da culinária baiana. 
A maioria das famílias “brancas” continuava tendo como Yayá (tratamento usado na época da escravidão, e hoje quase extinto, dado às moças, meninas e senhoras) moças descendentes de índios. A elite portuguesa esperava delas o mesmo comportamento das europeias, mas a vida trancada em casa não caía bem a uma índia acostumada com a liberdade e o contato direto com a natureza, o que é perfeitamente compreensível. 
Elas conseguiam sair às ruas em visitas às igrejas (Salvador já tinha muitas) e casas de outras mulheres casadas e religiosas. 
O gosto dessas mulheres pela arte religiosa foi fundamental para o barroco baiano. 
O sangue índio ajudava na criação dos filhos: para um tupi, a vida da família gira em torno das crianças, dos curumins.

Outro significado para a palavras Apanan ou panã é encontrado no Candomblé, trata-se de um ritual da iniciação ketu que ocorre logo depois do Orunko, na feitura de santo. 

Tem como objetivo principal fazer com que o noviço reaprenda as atividades do mundo cotidiano, para que nada lhe seja prejudicial no futuro, ainda desorientado devido ao longo período de transe e clausura, com os movimentos ainda trôpegos, recebe orientação do seu Babalorixa ou Yalorixa para executar as tarefas do dia a dia, tais como varrer, costurar, lavar, passar, sentar-se à mesa, cozinhar, etc. Tem a finalidade de fazer com que o noviço entenda que já é hora de voltar à sua vida normal, apesar de aproveitar mais um pequeno período do seu mundo sobrenatural. 

O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. 
Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. "Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com os homens livres humildes", escreveu *Kátia Mattoso.  
Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva. 
Os escravos, mestiços, forros, libertos circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados. 
Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, "escravos de ganho", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes. 
 *Katia Mattoso

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