Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-J Jacuba 
Foi-se o tempo em que estes imponentes guerreiros, empunhavam suas pesadas armaduras, protegidos pela couraça, gibão com abas, alpercatas, aió, alforges e embornal, perneiras e esporas, os "Homens de Pedrão" são personagens de suma importância para a Independência da Bahia. 
Eles são um simbolo da força e da coragem destes bravos homens, que com toda dignidade defenderão a independência do Brasil, eles exemplificam a figura do vaqueiro nordestino.













Em uma cultura exemplar, tudo é precioso demais para ser desperdiçado.

Do farnel do Encouraçado, encontramos a Jacuba, expressão que provem do tupi-guarani, y-acub, “água quente”, supõe a importância vital deste elemento cultural. 
Guizada com banha de porco, a comida do Sertanejo, é garantia de sabor característico e nutritivo, para oficio que exige tanta energia, ao contrario do que se pensa, a comida típica de quem mora no Sertão, e rústica como a paisagem do lugar,  não deixa de ter seus encantos.

Da buchada de bode ao Sarapatel, que levam miúdos dos animais, passando pela Carne de sol assada, o Cortado de Palma e o Cominho, muito usado, é o tempero que dá aquele toque, com gostinho bom, que as pessoas se perguntam o que é que tem de especial, assim que experimentam. 

Do seu Matulão, saem cuias de jacuba de farinha de milho ou de mandioca, de rapadura e o café, feijões, favas. 
Bem como as carnes de pequenos animais de criação, como cabritos e bodes, a carne de sertão (charque), também garantem o sustento na época da seca as carnes desidratadas, feitas artesanalmente com ingredientes abundantes por lá: sal e sol.

Os itens indispensáveis a lide do Encourado, devem ser pensados para durar por muito tempo, sem o perigo da fermentação, tem predominância de alimentos secos, igualmente artesanais (e salgados) são os queijos de coalho e manteiga de garrafa, produtos típicos mais difundidos pelo restante do país. 
Como esquecer do doce de Umbu, a arvore sagrada do sertão.

Encourados de Pedrão
Pedrão, cidade que encontra-se a 135 km da capital baiana, a
origem do nome da cidade, deve-se a um caçador chamado Raimundo Alves, ao descobrir que o Arraiá estava edificado sobre uma grande pedra.
Apesar da Independência da Bahia ter sido conquistada em 2 de julho de 1823, dois anos antes deste desfecho final, nossa terra já iniciava o movimento para libertar o Estado da dominação portuguesa. 

Foram muitos os conflitos e batalhas, quando em 1822 o general francês Pedro Labatut organizou seu exército constituído por oficiais de milícias, proprietários de terras e engenhos, brancos, pobres, lavradores, plantadores de fumo, negros, escravos africanos, juntamente com os Voluntários de Pedrão, um batalhão formado por vaqueiros, comandado pelo Frei Maria do Sacramento Brayner. 

Após cumprir pena de quatro anos em Salvador por aderir a Revolução Pernambucana, Frei Brayner resolveu ir morar no povoado de Pedrão, onde mais tarde formou um grupo de 40 guerrilheiros, todos vestidos a rigor. 
O líder deu à tropa o nome de Guerrilha Imperial dos Voluntários de Pedrão, Companhia de Cavalaria de Couraças. O povoado deixou de se apenas um município, passando a ser uma lembrança histórica. Todos os anos, 40 homens da cidade abriam o desfile de 2 de julho, simbolizando guerrilheiros que fizeram parte desta importante batalha da liberdade baiana e brasileira. 

Encourados, adornado e caracterizado com detalhes capazes de ombreá-lo a um cavaleiro medieval, sobre a refinada indumentaria dos guerreiros do Sertão. 















As roupas de couro são essenciais, usadas pelos vaqueiros para se proteger de acidentes na busca pelo boi no meio do mato. 
A principal peça é o gibão, que cobre os homens do pescoço à cintura, como se fosse um paletó de couro. 
O guarda-peito, também feito em couro curtido com que os vaqueiros resguardam o peito, preso por meio de correias ao pescoço e à cintura. 
Depois vem a perneira, que é a calça de couro ajustada ao corpo, vai do pé à virilha, mas deixa o corpo livre para cavalgar, sem faltar o tradicionalíssimo chapéu do vaqueiro nordestino, que além de lhe proteger do sol, serve como escudo contra eventuais golpes na cabeça. 
Nos pés as esporas de metal, que se põe no salto do calçado para incitar o animal que se monta. 

A alimentação do sertanejo, para nós parece precária, rudimentar, talvez um reflexo da geografia do lugar, a seca inclemente, propicia pouco a ser explorado, mas nada que a engenhosidade não possa contornar. 















O escritor Rangel Alves da Costa, apresenta uma abordagem da estética dos Encourados, adornado e caracterizado com detalhes capazes de ombreá-lo a um cavaleiro medieval, sobre a refinada indumentaria desses guerreiros do Sertão. 

"lá se vai o caboclo lançando mão de sua companheira de viagem. Envelhecida, carcomida pelo tempo, já de cor muito além do barro queimado, mas sempre firme nas suas costuras e fechamentos. 
Ou ainda de cipó trançado com maestria artesanal, cujo tempo vai amolecendo as tiras e nós, mas sem diminuir sua resistência.
Quando produzidas em larga escala e comercializadas pelos quatro cantos, tais mochilas sertanejas possuem a mesma serventia para o viajante, mas não a mesma durabilidade. Esta só é conseguida quando cada peça é feita artesanalmente, uma a uma, na dureza dos dias, manualmente cortadas, costuradas ou enlaçadas, segredos maiores do velho coureiro ou do enlaçador de cipós. 
Depois de dias e mais dias, assim que o velho artesão dá como pronta sua encomenda, a primeira coisa que se observa é o cheiro forte no alforje ou no embornal. 
Aliás, todo instrumento de couro exala um cheiro intenso quando novo. 
Precisa, pois, ser batizado pelo sol, receber uns solavancos e sofrer as mesmas agruras sofridas pelo homem. 
Depois disso fica macio, de cor envernizada, humilde e singelo como o filho da terra onde terá serventia. 
O mesmo ocorre com o aió, mas não pelo cheiro, e sim pelo trabalho que dá. Feito de caroá, uma planta da família das bromélias, vai surgindo do cuidadoso trabalho do artesão para cortar as folhas, retirar toda a pele e ir repuxando as longas e resistentes fibras. 
Quando isoladas das folhas, as fibras passam a se assemelhar muito mais a fiapos esbranquiçados, que unidos vão formando verdadeiros cordames. 
Do entrelaçamento dessas cordas finas é que vai surgindo o aió. 
Sempre colocado num armador do canto da casa, de modo a ser logo alcançado quando já próximo da saída para o afazer cotidiano, o aió, o alforje ou o embornal passa a ter quase a mesma utilidade daqueles tão conhecidos instrumentos sertanejos. Presente no homem como o gibão, o chapéu de couro, a perneira, a taca de couro cru, a sela, o cantil. E assume tanta importância porque dentro dele estará tudo que necessitar nas horas que a fome apertar ou quiser lançar mão de um cigarro de palha, de uma espoleta ou de qualquer outra coisa de pequeno porte. 
 Por mais que chamem de embornal aquela sacola de muitos bolsos e trancas que os jovens de hoje andam carregando às costas, geralmente de pano ou sintética, em nada se parece com aquele outro, obra artesanal e autenticamente sertaneja. Este é traçado no couro curtido debaixo do sol, com enfeites à moda cangaceira ou não e feito para a eternidade. 
Embornais passam de geração a geração e, além da história familiar, continuam carregando dentro de si as necessidades dos novos tempos. 
 Tanto o aió como embornal e o alforje surgiram da necessidade de o sertanejo obter mais facilidade de alcance daqueles objetos de menor porte que faziam parte do seu cotidiano além da moradia. Por mais que levasse consigo a cartucheira, o cantil, o canivete de cinta, precisava de uma bolsa que fosse espaçosa e resistente para as durezas da lide. 
Bastava arrumar lá dentro a carne seca com farinha, o fumo e a garrafa de pinga, o frasco com espoleta e tudo que fosse de serventia, deitar nas costas ou no lombo do animal e seguir adiante”. 


“Hora de Jacubar”


Na obra de Wilson Lins, intitulada Jacuba, publicada em 1941 no periódico, já extinto, O Imparcial, elementos que compõem o universo dos sertanejos e destoem dos já conhecidos aspectos desta cultura baiana hegemônica (para o cenário local), uma obra literária que representa a região do Vale do Médio São Francisco, região ribeirinha do Rio São Francisco no trecho baiano. 

Segundo a monografia do Maurício de Oliveira Santos, sobre o Folhetim Jacuba, de Wilson Lins, ele destaca a importância marcada pela presença e fusão de receitas e temperos da gastronomia dos povos nativos da terra, dos portugueses que aqui chegaram, e dos povos africanos para cá trazidos como escravos a “culinária baiana” é reconhecida internacionalmente por seu sabor picante, suas receitas à base de peixes e crustáceos, e pela utilização do azeite de dendê, ingrediente principal desta identidade da cultura gastronômica da Bahia. 
O termo “jacuba” que intitula a narrativa é a denominação de um prato típico da dieta dos remeiros das barcas do Rio São Francisco e é o remeiro o personagem central desta narrativa de Lins. 
É a jacuba nosso primeiro aspecto cultural a ser percebido como item “marginal” do acervo cultural baiano. 
 O folhetim Jacuba, porém, não está centrado na figura do coronel, publicado entre os meses de junho e julho de 1941, mas buscando representar o ano de 1934, como afirma, em nota, o próprio autor, a narrativa de Jacuba está voltada para aqueles que vivem às margens do São Francisco e às lutas de classe das cidades em recente transformação sociocultural, política e econômica por conta do processo de industrialização. 

Jacuba
Uma simples mistura de café, farinha e rapadura, todavia, calórica e rica em energia é importante fonte de vigor dos sertanejos.


Café, farinha e rapadura são os ingredientes que compõem a jacuba dos remeiros do São Francisco, ao menos, no trecho baiano, já que constatamos, em ocasião de apresentação deste projeto durante o Curso Castro Alves – VI Colóquio de Literatura Baiana, realizado na Academia de Letras da Bahia (2011), a ocorrência da jacuba com fubá de milho entre os ingredientes, o que identifica a culinária de determinado lugar como parte fundamental da sua cultura, seja numa perspectiva agrícola, seja comercial.
Uma vez que, além da jacuba ser composta por produtos gerados na região, eram também estes os principais itens transportados pelas barcas. No capítulo quarto da segunda parte do folhetim “Na hora de Jacubar”, o autor nos apresenta a jacuba, o alimento dos remeiros, homens que com a força dos braços e a dor que calejava o peito levavam as barcas pelas águas dos rios, como afirma o autor através da personagem Rufino, velho remeiro da barca “Serrana”: Numa lata de gás, a jacuba esfriava, no sol. Sim, porque jacuba só fica bem fria, quando fica muito tempo no sol.

Quando Caborge trouxe a cuia, o velho Rufino tirou a lata do sol. Com uma colher de pau, mexeu a jacuba. Enquanto mexia, dizia pra moça: 
- É coisa boa. Gostosa e forte. É o que sustenta nóis, sinhá.  
- Deve ser um bom refrigerante. 
– observa Nanita, recebendo das mãos do velho remeiro a cuia de jacuba. 
- Isso num sei, doninha. 
– retruca Rufino 
– Mas que é muito forte, dá talento ao muque pra puxar barca, eu agaranto que é. 



Há centenas de anos, o sertanejo se alimenta de rapadura, garantia de mais sustança, na rapadura conservam-se intatos todos os sais minerais, substâncias pépticas e açúcares invertidos da cana, tornando-se assim mais nutritiva e de digestão mais fácil que seu similar, de superior qualidade do trabalhador rural.
É a rapadura o verdadeiro alimento de poupança do sertanejo. 
Indispensável nos alforjes dos vaqueiros quando vão campear, no Aboio e na lida com os animais, por várias horas ou dias inteiros. 



O único regalo que o matuto tem durante o dia, é um bom naco do apetitoso alimento. 
Adoça seu café e, quando tem fome, à sobremesa ou na merenda, não dispensa ele seu pedaço de rapadura puro ou com farinha. É a melhor ração de glicídios que recebe para fornecer-lhe as calorias nos grandes dispêndios musculares. Além disso, também é o melhor remédio que o caboclo aplica quando está cansado o animal de sela ou de carga. 
A garapa de rapadura faz o cavalo ou o burro fortalecer-se e tocar para frente.

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