Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana.

Verbete-B Bacalhau á Martelo 
O Bacalhau do Martelo deu o que falar. 
Ele já foi destaque da crônica da @Nina Horta, além de parar em livro francês de Odile Godard, sobre o tema das comidas afrodisíacas, sabe-se lá, o bacalhau a martelo pode ter outras virtudes.
Bacalhau á Martelo, é um prato genuinamente baiano.  























A receita que a cronista provou foi estrela do do concurso Bacalhau de Ouro, incrementada pelo Osório Valente, então á época, dono de restaurante na Bahia, que fez muito sucesso, virando point na cidade. 


Nina, ao escrever sobre a vitória de Osório Valente, com o bacalhau a Martelo, no concurso O Bacalhau de Ouro:
"Você o trouxe de volta à minha memória papilar -é esta uma das ativadoras das demais, entre as quais a auditiva, a visual, e por aí uma porção de coisas.
Do mesmo modo simples que na minha, mas diferente da forma do Osório: depois de dessalgado, a parte alta (lombo) do peixe era assada na brasa. 
Depois disso, e livre de toda e qualquer espinha, desfiado em lascas médias e, democraticamente, reunido com cebola, pimentão, tomate, pimenta-de-cheiro (esta a gosto) e coentro, picados e temperados com vinagre, um pingo d'água e azeite Galo. 
Galo, sim, porque naqueles tempos de globalização tíbia ainda não havia esses azeites extravirgens, que ampliaram em muito a nossa escolha. Tudo isso ia ao forno. Arroz agulhinha soltinho e branquinho e um feijão-de-corda cozido em água, sal e alfavaca, eram os acompanhamentos perfeitos para o bacalhau a martelo. 
À medida que o peixe começava a ser assado, também era dado início a um rol de perfumes vários e cumulativos na casa: o do feijão que estava acabando de fazer, o da cebola, que às vezes faz chorar, o do coentro, com sua nobre ajuda ao acender o apetite e o do azeite doce, cujo dom é o de ampliar a sedução dos sabores."

MARTELO na Capoeira
O nome dado a um movimento de capoeira, que se executa erguendo-se a perna ao mesmo tempo que o corpo é deixado de lado, batendo com a parte da canela para que não se machuque o pé, os principais alvos são costelas pescoço e cabeça, sendo acertados pela lateral. 


























A palavra Martelo, vem do Latim MALLEABILIS, “o que pode ser dobrado com um martelo”, de MALLEUS, “malho, martelo”

Pra quem é Bacalhau, Basta! 
A relação da Bahia com o Bacalhau, vem de longe, da época que o peixe era alimento de gente humilde, sempre presente nas mesas das camadas populares. Era comum nas casas brasileiras o bacalhau servido às sextas-feiras, dias santos e festas familiares.  

Após a 2ª Guerra Mundial, com a escassez de alimentos em toda a Europa, o preço do bacalhau aumentou, restringindo o consumo popular. 

A primeira menção ao Bacalhau, no jornal o Diário de Pernambuco começou a circular, há 191 anos, no dia 3 de março de 1827, quando uma carga veio a bordo de uma embarcação inglesa que aportou no Recife. 
Acondicionado em barricas, era um gênero solicitado pela Marinha, juntamente com o feijão, para dar a energia necessária à tripulação para enfrentar as longas travessias oceânicas. No século 19, comia-se assado na brasa ou com farinha. 
Era também dado aos presos, mas como forma de castigo, sendo que o condenado comia, mas não podia beber água, padecendo de uma sede atroz.
Até a primeira metade do século 20, o bacalhau continuou sendo vendido em barricas no mercado de estivas, por Galegos e Portugueses que gerenciavam os "Secos e Molhados" locais de venda de gêneros alimentícios à granel, tais como Azeite de Oliva em medidas, produtos de higiene, na cidade do Salvador. 
As pessoas de classe média que quisessem comê-lo tinham que tomar algumas precauções: fechavam-se portas e janelas e se cozinhava o peixe até que não pudesse exalar o cheiro característico, ficando conhecido na vizinhança como comedor de bacalhau. 

O hábito de comer bacalhau chegou com os portugueses, mas foi com a vinda da corte portuguesa, no início do século XIX, que este hábito alimentar começou a se difundir. 
Data dessa época a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil, que aconteceu em 1843. 
Na edição do Jornal do Brasil de 1891 está registrado que os intelectuais da época, liderados por Machado de Assis, reuniam-se todos os domingos em restaurantes do centro do Rio de Janeiro para comer um autêntico "Bacalhau do Porto" e discutir os problemas brasileiros. 
Mais de um século depois, ainda são muito comuns nos restaurantes especializados estes "almoços executivos", onde a conversa sobre negócios é feita saboreando um bom bacalhau. 

A ladeira do Bacalhau em Tereza Batista Cansada de Gerra.
O historiador Luiz Eduardo Dórea, registrou no livro Histórias de Salvador nos nomes das suas ruas o nome do logradouro, que ficou celebre no livro Tereza Batista cansada de Guerra, do escritor Jorge Amado, no episodio onde as prostitutas fazem greve de sexo, "Fecham o Balaio", pela perseguição policial, recusando-se ao remanejamento do meretricio para a Rua do Bacalhau, próximo á Barroquinha.  

Em 1886, o trecho da Rua da Ajuda na baixada, (hoje a rua Inácio Ferreira Motta), no tempo em que essa via era ocupada por imoveis residenciais, ela ainda aparece como endereço numa planta traçada por Teodoro Sampaio, e que ilustra a Historia da Fundação da Cidade do Salvador. 



Também no livro "O Cortiço" de Aloísio de Oliveira, podemos notar as mudanças ocorridas no Rio de Janeiro do último quartel oitocentista, como a expansão geográfica e a modernização dos costumes, ambas associadas às transformações operadas na paisagem humana brasileira devido à substituição da mão de obra escrava pela dos imigrantes, mas também pelos hábitos alimentares e pela cultura brasileira: 
" (...)E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. 
A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. 
A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos. E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil" 

O cortiço e as transformações na cidade do Rio de janeiro.  

Bacalhau á Martelo, prato genuinamente baiano. 
A invenção de Firmino, que abaianou a forma de preparar o pescado em lascas finas para ser comido - com farinha! 


A casa já teve unidade no Centro Antigo de salvador que não resistiu à decadência do local, hoje funciona no local de origem, em uma casa simples no popular bairro do Saboeiro. Conta-se que seu Firmino, já falecido, começou em uma barraquinha, que Firmino ainda servia comida numa venda e a farinha era para fazer render e alimentar a galera do baba ou os peões de obra que chegavam com fome ao seu estabelecimento. 
A mistura deu certo e permanece até hoje, com o salão do Cabula sempre cheio de gente disposta a provar, e ali, de vez em quando, você acha inclusive clientes portugueses sorrindo com a ponta de seus bigodes brancas de farinha.
Num dia de muito movimento, quando todos os tira-gostos haviam acabado, resolveu colocar farinha no bacalhau para que o peixe rendesse. 
Dessa improvisação surgiu o prato mais famoso do cardápio, o “bacalhau do firmino”, regado a farinha e azeite doce. 

Hoje os dois restaurantes são administrado pelos filhos, que mantêm a tradição da cozinha.




Para manter a tradição, o ator Jorge Washington que reúne boa música no evento Culinária Musical, que reúne boa música e Bacalhau á Martelo, todo sábado na Casa de Pedra (no bairro popular do Garcia).

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