O REVOLUCIONÁRIO

Por ANGÉLICA SANTA CRUZ

Monteiro, na faculdade de saúde pública da USP: quando empresas privadas ofereciam financiamento para pesquisa, ele respondia com o dedo indicador em pêndulo – “não, não e não”


De sua sala com vista para a copa das árvores, no segundo andar da Faculdade de Saúde Pública da USP, o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro lançou uma nova hipótese científica tão simples, mas tão simples, que parecia sempre ter estado lá. A teoria de Monteiro não pertence a campos profundamente abstratos, como aqueles enunciados pela matemática pura; não é do reino dos desafios que atormentam físicos teóricos, como o de conciliar relatividade geral com mecânica quântica. Pelo contrário. Trata do ato mais comezinho, importante, primal e intuitivo da humanidade: o de comer. Apesar de toda sua singeleza, causou um cataclismo na comunidade internacional de especialistas em saúde pública – e irritou à beça as gigantes da indústria da alimentação.


À frente do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), um grupo que criou há três décadas na USP, Monteiro apresentou, em 2010, uma classificação de alimentos que mais tarde chamou de NOVA – em alusão irônica à explosão nuclear que acontece dentro de uma estrela. O sistema preconizava uma ruptura total na maneira como os cientistas costumavam estudar a comida. Até ali, os alimentos eram separados com base em seu conteúdo nutricional e não interessava a maneira como eles eram feitos. Na gaveta das fontes de carboidratos, por exemplo, entravam qualquer pão, biscoito ou massa – fossem eles caseiros ou cheios de aditivos químicos industriais. Entre as fontes de proteína, cabia qualquer tipo de carne, das frescas aos embutidos entupidos de corantes.

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