Artista Indígena Célia Tupinambá é indicada ao Prêmio Pipa.

Atualmente com 39 anos, ela participa intensamente da vida política e religiosa dos Tupinambá, envolvendo-se, sobretudo, em questões relacionadas à educação, à organização produtiva da aldeia, à serviços sociais e aos direitos das mulheres.

A volta do manto tupinambá: como indígenas da Bahia retomaram peça sagrada que só era vista na Europa.

Quando viram pela primeira vez um manto tupinambá, por trás de uma vitrine da exposição que comemorava os 500 anos do Brasil, Dona Nivalda e Seu Aloísio choraram.
“Toda história do nosso povo está aqui”, disse a líder indígena na ocasião.

O manto sagrado tupinambá foi confeccionado entre fevereiro e agosto de 2020, em plena pandemia da Covid-19. Durante esse período da pandemia, houve certa calmaria na aldeia, o que permitiu ter esse olhar para dentro. Foi então o momento ideal para confeccionar o manto. 

Trata-se de uma obra baseada no manto tupinambá que data do século XVI e que está conservado na reserva do Museu do Quai Branly, em Paris, na França.
O manto que se encontra no museu tem 99 centímetros de altura e 121 centímetros com o capuz. 
A parte maior da largura (extremidade inferior do manto) mede 119 centímetros e a parte menor (extremidade superior, ombros), 42 centímetros. 
O manto foi feito a partir de uma base de algodão, onde foram colocadas penas vermelhas, algumas com extremidades pretas. 

Da mesma forma, o manto confeccionado em 2020 seguiu esse modelo, partindo de uma base de cordão de algodão cru encerado com cera de abelha tiúba da aldeia, sobre a qual foram colocadas aproximadamente 3.000 penas. 
A base de algodão foi trançada seguindo a técnica de tecelagem do jereré, ferramenta de pesca utilizada pelos anciões da aldeia. 

O manto é composto de duas partes: a capa, levemente arredondada na parte de baixo, e o capuz.
Essas duas partes foram juntadas para formar uma peça só. 
As medidas deste  manto são 88 centímetros de altura e 121 centímetros com o capuz. 
A extremidade inferior (a parte de maior largura) mede 120 centímetros e a extremidade superior (ombro), 47 centímetros.
Embora ele tenha sido confeccionado baseando-se nas medidas do manto conservado na França, as medidas foram ajustadas para ele ser usado pelo cacique da nossa aldeia, o Cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva). 

O novo manto confeccionado possui aproximadamente 3.000 penas, sendo 2.500 penas na parte da capa.
A cor predominante é o marrom, e é composto de penas de aves nativas da região, que se encontram na aldeia: galinha, galo, gavião, pato, peru, pavão, tururim, sabiá-bico-de-osso, canário-da-mata, gavião-rei, gavião-perdiz e arará (na parte do capuz).
O centro do capuz contém uma semente de jequitibá.
Este manto representa para nós, Tupinambá, a revitalização da nossa cultura, da nossa língua, dos nossos fazeres, das nossas técnicas.
O manto vem desvendando segredos. 
A confecção do manto traz saberes guardados pelas mulheres tupinambá: tecelagem, trançagem, uso de vários utensílios (principalmente a agulha de tucum), preparação do cordão feito de algodão (antigamente era no fuso) com cera de abelha.
Embora o manto tenha sido feito por mim, a confecção envolveu todas as pessoas da comunidade, das crianças aos anciões: na busca das penas, na coleta da cera de abelha tiúba e no ensino das técnicas de tecelagem por anciões da comunidade. 

A confecção do manto reavivou então muitas memórias.
O manto tem uma linguagem própria, uma personalidade própria.
Ele nos revela uma maneira de se camuflar, de se esconder, de conseguir passar despercebido por dentro da mata. Segundo o cacique Babau, ao vestir o manto, ele consegue se camuflar e se sente como se fosse uma coruja.
A coruja representa para a gente os olhos da noite. Ela é a guardião da noite. É um símbolo muito forte.
O interessante é comparar uma obra que está dentro do museu, parada, e ver a peça tendo vida e movimento – neste caso, ver o manto sendo usado por um membro da comunidade, o cacique, durante um ritual. É uma emoção muito grande.
Ory, meu filho caçulo, disse que, quando o cacique usar o manto, ele permitirá a cura do mundo, ao afastar todas as doenças. Tudo de ruim será eliminado, porque o cacique se transformará em um super-herói.
A confecção do manto tem então também uma simbologia política forte.
Sabemos que existem mantos tupinambá em vários lugares e que temos dificuldades de acesso a eles.
Até agora, tivemos acesso de forma presencial a apenas um manto, o já referido manto conservado na reserva do Museu do Quai Branly, na França. Poder ter acesso ao manto foi fundamental para que ele pudesse começar a falar comigo.
O manto conseguiu se abrir para mim e eu consegui fazer minhas observações e ter algumas percepções para que pudesse confeccionar outro manto.

Foi importante trazer vida para o manto e mostrar que não era aquela coisa obsoleta, guardada em um canto, só para ser observado e ir se deteriorando com o tempo.
Os mantos têm uma vida e um propósito dentro do seu povo. Este é o retorno do manto.

Célia Tupinambá, é natural da aldeia Serra do Padeiro, localizada na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul do Estado da Bahia. Atualmente com 38 anos, ela participa intensamente da vida política e religiosa dos Tupinambá, envolvendo-se, sobretudo, em questões relacionadas à educação, à organização produtiva da aldeia, à serviços sociais e aos direitos das mulheres.
Atualmente, é professora no Colégio Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro (CEITSP) e cursa a Licenciatura Intercultural Indígena junto ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). Foi presidente também da Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro (AITSP), sendo responsável pela aprovação e gestão de projetos voltados ao fortalecimento da aldeia. Atuou na Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e foi membro da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Além disso, representa seu povo junto à Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres).
Realizou em 2015, o documentário “Voz Das Mulheres Indígenas” (17min.) que reúne depoimentos de mulheres indígenas da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas acerca de suas trajetórias no movimento indígena. 

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